Fonte: Fundação Perseu Abramo
Lincoln
Secco
Existe uma
situação no xadrez em que um jogador em absoluta inferioridade consegue empatar
a partida. O seu Rei está ameaçado por todos os lados e ele não pode fazer
nenhum movimento. Ainda assim, não está em cheque e nessa situação sem saída
declara-se o empate. Alguns chamam a isso de “Rei afogado”.
É óbvio
que a presidenta Dilma Roussef está numa situação assim: a que poderia ser
chamada de Dama afogada, caso as regras do Xadrez não tivessem sido inventadas
por homens.
Cercada
por todos os lados, é preciso dizer que não é de somenos importância que a
primeira mulher presidenta tenha resistido ao apelo pela renúncia. Talvez a sua
força individual nesse isolamento venha a ser o único legado de um governo
desastroso.
Colapso
Durante a
crise do governo tucano em seu segundo mandato, embora o PT liderasse
manifestações de rua e o petista Tarso Genro tivesse sugerido a renúncia de
FHC, o partido jamais contou com apoio do PMDB (e obviamente da mídia) para um
golpe contra um presidente em baixa popularidade e marcado pela ilegitimidade
de uma reeleição comprada no Congresso. Quando o PT chegou ao governo
imobilizou os movimentos sociais, como era de se esperar e, assim, o partido
constituiu o polo negativo de um circuito que reproduz uma Democracia
Racionada. Claro que ele visou reformar por dentro, mas a única saída seria em
algum momento o curto – circuito.
Só que
depois de junho de 2013 o polo negativo
que compunha o circuito fechado da dominação democrática desapareceu e tornou
supérflua a esquerda integrada, especialmente porque ela é parecida, mas não é
igual à Direita. Ela aceitou a Economia como o reino intocável, mas insistiu em
alguns gastos sociais.
Ao PT cabia a partir dali superar o lulismo e
montar uma nova Frente em 2014 sem o PMDB. Correria o risco de perder a
eleição, mas veria agora o PSDB promover o ajuste fiscal. Ou vencer e entrar
numa crise de governo minoritário, mas com mobilização social. Mantendo a
estratégia conciliadora só obteve um governo sem maioria no congresso e na
sociedade.
Ainda
assim, em 2015 o fio desencapado não foi o PT e sim lideranças frustradas de
outros partidos. Parece que as elites políticas, empresariais e judiciárias
chegaram à conclusão de que o PT não é mais necessário.
A crise
pela qual passamos não terá fim em seis meses ou mesmo em alguns anos, qualquer
que seja o desfecho da disputa pelo poder. Poderá adormecer, mas voltará à tona
a cada luta eleitoral, judiciária e midiática, especialmente se o PT tiver uma
candidatura competitiva em 2018.
Sociedade
Afogada
Pode ser
que dessa vez o nível de violência social tenha subido tanto que não possa mais
ser domesticado. Não me refiro à violência bárbara e costumeira da história do
Brasil. O atendimento social armado do qual fala Paulo Arantes já revela o
quanto o Estado se previne!
O PT
moveu, sem que o quisesse, as placas tectônicas da sociedade. Só que, embora
civil, ela nunca foi civilizada. As pessoas passaram a se acotovelar nos
aeroportos, antes espaços privilegiados da classe média. Agrediram-se
acovardadas sob a proteção da internet. Engarrafaram mais o trânsito em cidades
que nem chegaram a ser espaços de cidadania. Não chegaram a ler os livros e a
frequentar o sindicato, dois elementos da formação básica de qualquer esquerda.
Basta
andar nas ruas quentes e inóspitas de São Paulo. Elas eram até mais sujas e violentas nos anos 1980, mas
faltavam-lhe ainda esse olhar recíproco de ódio sem esperança. Mesmo sem
jornais e com sindicatos restritos a setores oligopolizados, o PT se organizava
em núcleos de base, logo abandonados em
favor do projeto eleitoral.
Cinema
Para
sugerir uma leitura da crise recorro a
três filmes. Entre o de Sergio Bianchi (Cronicamente Inviável, 2000) e o
de Kleber Mendonça Filho (Som ao Redor, 2012) há uma transformação
surda. O primeiro com o ceticismo em torno de alguns exemplos individuais; o
segundo construindo os conflitos sociais no tecido das relações de indivíduos concretos.
Bianchi fez o retrato no qual as personagens são necessariamente inviáveis.
Já o filme
de Anna Muylaert (Que Horas Ela Volta ) chegou às telas no fim da
aventura lulista (2015) exaltando a ascensão da filha de uma empregada
doméstica. Mas ali, apesar de cenas tocantes como a da empegada que aperta as
bolinhas de plástico de uma embalagem (que um espectador de classe média não
entenderá), a personagem central é um títere de uma estrutura e recebe a
consciência de fora. O bem intencionado filme de Muylaert é uma autocrítica da
classe média.
Kleber
Mendonça Filho seleciona um condomínio no Recife como espaço de mediação entre
aquilo que o cerca e a vida cotidiana dos moradores, empregados e seguranças. A
polícia e a extorsão estatal são para os de fora. Aquela vida é perpassada pela
totalidade das relações sociais: a mudança e a não mudança transparecem na
atmosfera de medo. Assim, ele só precisa de ruas vazias. Na própria imobilidade
do cotidiano há História: a do coronelismo moderno e a da vingança social.
Acredito que dormimos sem suspeitar que um Tsunami de violências se
forma. As nossas elites trabalham todos
os dias para isso.