segunda-feira, 21 de junho de 2021

CRISE SANITÁRIA E COMÉRCIO ELETRÔNICO

Muitos apostaram que a crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus vulneraria letalmente o modo capitalista de produção, e entre esses muitos insiro o meu próprio nome. 

Mas o capitalismo mostrou toda a sua incrível flexibilidade nessa crise e vem resistindo airosamente à mesma, sendo certo que até mesmo alguns aspectos da revolução digital ou microeletrônica, encetada na segunda metade do século passado, foram acelerados e aprofundados, notadamente o comércio eletrônico. 

Com efeito, se a revolução industrial do século XVIII atingiu sobretudo o processo de produção de capital, a mencionada revolução digital parece ter incidido com maior evidência, mas não somente, no processo de circulação de capital. 

Nesse diapasão, lanço a conjectura consoante a qual tal revolução digital teria beneficiado o modo de produção capitalista mediante aumento generalizado da velocidade de circulação do capital industrial, por intermédio do qual as taxas de lucro industrial foram incrementadas, em contraposição à sua tendência declinante. 

Parece-me bem provável que a maior velocidade de circulação e, portanto, de rotação do capital industrial afeta positivamente o mecanismo do obtenção de mais-valia relativa, consoante já tive a oportunidade de suscitar neste blog no texto intitulado "Mais-valia relativa e velocidade de circulação de capital". 

Por outro lado, tal aceleração da circulação e rotação do capital industrial reduz, muito provavelmente, os assim denominados "faux frais" inerentes ao âmbito da circulação, assim como a dependência em relação ao capital financeiro. 

Não por acaso, parece que a empresa mais beneficiada pela crise sanitária, em escala global, foi a gigante multinacional de comércio eletrônico Amazon, cuja marca vale hoje aproximadamente US$ 684 bilhões, o maior valor em âmbito planetário. 

Isto porque tal negócio, ao coadunar oferta e demanda mediante coleta e processamento de valiosíssimas informações e dados de consumo econômico em escala inaudita, favorece precisamente a aceleração do processo de circulação do capital industrial e respectivas taxa de lucro. 

Dialeticamente, esta coadunação entre oferta e demanda econômicas, proporcionada pelo comércio eletrônico, favorece também, evidentemente, uma eventual planificação econômica de jaez socialista, de tal sorte que deve estar na mirada dos movimentos progressistas de esquerda em todo o mundo. 

São singelas hipóteses sujeitas ao crivo crítico. 

(por LUIS FERNANDO GORDO FRANCO)       

 

sexta-feira, 18 de junho de 2021

MARX E A IDEIA DE PROGRESSO: CONTROVÉRSIAS

Em suas teses sobre o conceito de história, de 1940, Walter Benjamim teria, segundo alguns estudiosos, rejeitado pioneiramente, no âmbito do socialismo científico, a ideia de progresso que permeava inclusive a obra de seu inspirador Karl Marx, cujo elogio do caráter progressista do capitalismo, pelo menos em cotejo com os modos de produção antecedentes no que pertine à evolução tecnológica, seria evidente. 

Eu, particularmente, tenho cá minhas dúvidas, pois se Marx enaltecia o progresso técnico evidentemente acelerado do capitalismo quando comparado ao feudalismo, por exemplo, também destacava com muita ênfase que tal progresso não beneficia a classe trabalhadora com redução da jornada de trabalho e melhoria das condições materiais de existência, porquanto produz um exército industrial de reserva que, ao contrário, deteriora tais condições: eis aqui, com muito destaque, o caráter dialético da história muito bem assinalado pelo fundador do socialismo científico. 

Mas o Mouro de Trier também resvalou aqui e acolá, com a devida permissão da minha ousadia, em pecadilhos ideológicos típicos do século XIX, como no exemplo em que procura, a meu ver sem muito êxito, explicar o progresso técnico do capitalismo, no cerne do capítulo décimo do livro primeiro de O Capital, sua obra magna, onde é lícito constatar que a "mão invisível" do mercado de Adam Smith se faz presente. 

Com efeito, Marx, nesse capítulo de sua obra magna, que versa especificamente sobre a mais-valia relativa, resvala na ideologia do mercado e consectários, como a concorrência, ao tentar, de forma a meu sentir infrutífera, discorrer sobre como o capitalista pioneiro em seu ramo industrial, empregando inovação do processo fabril que aumenta a força produtiva do trabalho, pode vender sua mercadoria por um valor menor do que o vigente para tal mercadoria, porém maior que o tempo de trabalho necessário para produzir a sua mercadoria, derrotando então a “concorrência” e auferindo lucros exorbitantes. 

Mas este raciocínio de Marx está, pelo menos em parte, incorreto, senão vejamos. 

Digamos que o valor vigente para determinada mercadoria seja de dez libras e que um capitalista inovador pioneiro consiga, mediante introdução de nova técnica de produção, reduzir o tempo de trabalho necessário para produzir tal mercadoria, de sorte que seu "valor" seja reduzido, para este capitalista específico, para uma libra: este capitalista venderia então sua mercadoria por, digamos, três libras e assim, além de derrotar a concorrência, auferiria uma vantagem de duas libras em relação ao "valor" de uma libra com que consegue produzir tal mercadoria. 

Ora, isto está em parte incorreto, porquanto, no momento em que o capitalista pioneiro consegue produzir sua mercadoria pelo tempo de trabalho correspondente a uma libra, o valor vigente de tal mercadoria reduz-se, pois esse "valor" de uma libra do capitalista pioneiro passa a integrar a média social, pressionando-a para baixo, de tal maneira que a vantagem de tal pioneiro também é pressionada para baixo. 

Não sei se fui exitoso em esclarecer tal ponto de controvérsia, mas fico de prontidão para eventual debate. 

(por LUIS FERNANDO GORDO FRANCO)      

quarta-feira, 16 de junho de 2021

BREVES CONJECTURAS SOBRE FASCISMO E FUTURISMO

Já se destacou neste blog, com muita propriedade por Lincoln Secco, a estreita correspondência entre capitalismo e sua manifestação política radical no fascismo, cujo consectário estético pode ser bem constatado no futurismo de Filippo Tommaso Marinetti. 

Tive também a oportunidade de relevar que a relação social concreta consubstanciada na mercadoria, cujo apogeu manifesta-se no capital, tende a padronizar e repetir tanto os produtos econômicos, enquanto valores-de-uso, como o próprio trabalho, numa massificação tipicamente capitalista que arrosta aquilo que uma vez Walter Benjamin denominou "aura", isto é, grosso modo, a singularidade dos rebentos do labor humano. 

Pois bem, a massificação parece-nos um elemento axial do fascismo, tendente a suprimir as distinções individuais e de classes sociais para autorizar politicamente o totalitarismo, vale dizer, o ocaso da democracia burguesa.

Mas o fascismo exibe-se como fenômeno multifacetado, incidindo também na orbe da propaganda mercantil, eis que a massificação do consumo econômico constitui elemento crucial para a contraposição às crises de superprodução descritas pioneiramente por Rosa Luxemburgo. 

O elogio do belicismo, tipicamente fascista e futurista, também está estreitamente relacionado com a superprodução inerente à acumulação capitalista e sua correspondente busca incessante pela anexação de novos mercados consumidores. 

Mas gostaria de destacar ainda que o fenômeno da "destruição criativa", ínsita ao capitalismo e muito bem salientada por Joseph Schumpeter, também encontra eco no fascismo e, de forma particularmente evidente, no seu congênere estético futurista: sim, porquanto a busca incessante por novos valores-de-uso e novas necessidades humanas, como forma de superação das crises cíclicas do modo capitalista de produção, relaciona-se intimamente com a "destruição" do passado e "criação" do futuro tipicamente futurista e, via oblíqua, fascista. 

São singelas conjecturas sujeitas ao crivo crítico. 

(por LUIS FERNANDO GORDO FRANCO)   

quarta-feira, 9 de junho de 2021

TRINTA ANOS DO NEC DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: UM BREVÍSSIMO RELATO MEMORIALISTA DO "GORDO"

O camarada professor de história Lincoln Secco, da USP, redigiu duas obras importantes para entender a trajetória deste que vos dirige humildemente a palavra, quais sejam, os livros "História do PT" e "A batalha dos livros", onde expõe, com a maestria que lhe é peculiar, respectivamente a história do Partido dos Trabalhadores no Brasil e a difusão do socialismo científico nesse mesmo país. 

Sendo o mais objetivo possível, digo sem rebuços que a existência do Partido dos Trabalhadores e a tradição histórica brasileira de difusão do marxismo no país explicam a trajetória deste "nerd" de classe média, desprovido de qualquer traquejo social, mas muito curioso.

Com efeito, na primeira metade da década de 1980, durante o ensino básico, tive a oportunidade de entrar em contato com o socialismo científico sob a batuta de um exímio professor de história, filiado ao PT e oriundo da Libelu, que me abriu as portas para obras como o resumo de O Capital de Marx, elaborado por Carlo Cafiero, e a coleção Primeiros Passos da editora Brasiliense, da qual me recordo de ter lido pelo menos "O que é socialismo" de Arnaldo Spindel e "O que é mais-valia" de Paulo Sandroni, leituras estas que me descortinaram a lógica dialética da história, o que me fascinou de plano, já que até então imaginava que somente as disciplinas de exatas e de biológicas exibiam um jaez verdadeiramente científico.

Já no ensino médio, entre 1986 e 1988, minhas convicções pró-soviéticas foram reforçadas e lapidadas por outro grande e influente professor de história, oriundo do PCB, que me conduziu naturalmente à leitura de O Capital, agora na íntegra, e também do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels: consolidava-se, destarte, minha formação científica no socialismo.   

Paradoxalmente, quanto fui admitido no curso de história da USP, em 1989, quase abandonei o socialismo científico por influência de um potente movimento revisionista, fomentado pela decadência da URSS e em curso contra as obras de expoentes do marxismo do porte de Caio Prado Júnior, Nélson Werneck Sodré, Jacob Gorender e outros, sendo certo que minha vulnerabilidade epistemológica típica de classe média por pouco não me conduziu a desviar-me do caminho socialista.

Foi então que, por assim dizer, "fui salvo" por dois colegas de faculdade que me convidaram gentilmente a participar de um grupo de estudos da obra de Marx e Engels, grupo este que mais tarde foi oficialmente incorporado ao Partido dos Trabalhadores em 1991 para originar o ora aniversariante Núcleo de Estudos do Capital do PT. 

Estas brevíssimas linhas são evidentemente insuficientes para traçar a história deste que vos fala, mas é um começo, e gostaria de registrar aqui meu encarecido agradecimento aos companheiros, companheiras e camaradas do NEC-PT.

(por LUIS FERNANDO "GORDO" FRANCO)           

                

                   

segunda-feira, 7 de junho de 2021

BREVE DISCURSO DAS HIPÓSTASES: CONSECTÁRIOS

1. A matemática consiste, de fato, em mero construto do intelecto humano, mas apenas na medida em que reflete a relação social concreta consubstanciada na mercadoria e no dinheiro, vale dizer, na mercadoria e sua circulação. 

2. Com efeito, a mercadoria estabelece relação de intercâmbio entre os variegados valores-de-uso, relação esta que somente existe como supressão das determinações concretas que individualizam cada valor-de-uso, com transfigurá-los em mera "gelatina" de trabalho humano abstrato e indeterminado.

3. Tal transfiguração descrita em 2 revela-se a mesma que se estabelece na álgebra, a saber, aquela que suprime as determinações concretas de todas as coisas para engendrar o número, algo que pode referir-se a qualquer coisa indeterminada. 

4. Do exposto dessume-se que o número É a mercadoria e o dinheiro. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)