terça-feira, 29 de novembro de 2022

Prometeu

Consoante já assente neste portal eletrônico, a primeira revolução industrial incidiu sobre o processo de produção sem atingir o processo de circulação de capital, eis que manteve praticamente inalterados os valores de uso nela implicados.

Mas esta revolução industrial do século dezoito colimava maximizar a mais-valia absoluta extraída do capital variável, sendo certo que o aumento da força produtiva do trabalho dela decorrente consistiu em resultado secundário das mudanças no processo de produção.

Outro resultado destas mudanças foi o declínio tendencial das taxas de lucro derivado do aumento da composição orgânica do capital. Esta tendência declinante acabou por engendrar uma nova onda de salto tecnológico no final do século dezenove para compensar tal tendência, sendo certo que, agora, tal onda incidiu no processo de circulação de capital mediante criação de novas necessidades humanas e novos valores de uso respectivos, máxime nos setores de transportes e telecomunicações, os quais guardavam o condão de acelerar o processo de circulação de capital, além de exibir preços elevados em razão de sua utilidade inédita.

Mas esta segunda revolução industrial também teve como resultado secundário um novo aumento da composição orgânica do capital, com o decorrente declínio tendencial das taxas de lucro, o que conduziu a uma terceira onda de inovações tecnológicas no segundo quartel do século passado, a assim designada revolução digital ou microeletrônica.

Esta, por seu turno, logrou a proeza de manter ou diminuir a composição orgânica do capital, pois o seu produto ou mercadoria mais significativa consiste em algo de jaez ou utilidade mais virtual do que material, a saber, o denominado software, que demanda um processo de produção com relativamente pouco capital constante, enquanto utiliza muito capital variável consubstanciado no trabalho eminentemente intelectual.

Mister assinalar, outrossim, que o software também guarda o condão de acelerar o processo de circulação de capital e exibe elevados preços de acordo com sua aptidão inovadora. Dessume-se, portanto, que o aumento da força produtiva do trabalho, ou produtividade, consiste em resultado secundário ou efeito colateral das revoluções industriais do capitalismo, e não seu escopo primordial.

São conjecturas sujeitas ao crivo crítico.

(Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador)

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

A utopia do capital

Parece que, efetivamente, o aumento da composição orgânica do capital conduz a um declínio tendencial das taxas de lucro, de tal sorte que a utopia do capital consiste em aumentar esta taxa mediante a criação de novas necessidades humanas e novos valores de uso respectivos, os quais exibem elevada utilidade e altos preços, sem afetar a composição orgânica.

A primeira revolução industrial compensou este aumento da composição orgânica mediante aumento da mais-valia absoluta, enquanto a segunda revolução industrial compensou o aumento da composição orgânica mediante criação de novos valores de uso no âmbito dos transportes e telecomunicações, os quais exibiam elevados preços e aumentavam a velocidade de rotação do capital.

A terceira revolução industrial, do último quartel do século passado, simplesmente logrou a façanha de evitar o declínio tendencial das taxas de lucro ao manter ou diminuir a composição orgânica do capital, eis que seu processo produtivo e suas mercadorias exibem-se primordialmente virtuais, vale dizer, prescindem de capital constante em grande quantidade e utilizam intensamente o capital variável consubstanciado no trabalho eminentemente intelectual, sendo o software sua principal mercadoria.

São conjecturas a conferir.

(Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador)

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

AMARTYA SEN

Em recente entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo e publicada aos 12 de novembro do corrente ano, o conspícuo economista indiano Amartya Sen sugere, em linhas gerais, que "a economia é secundária, as pessoas é que importam", formulação esta muito interessante e oportuna no Brasil em tempos de oposição entre austeridade fiscal e responsabilidade social, e onde os "humores do mercado" interferem em políticas públicas.

Este antagonismo entre pessoas e economia proposto por Sen, conquanto muito interessante e oportuno, não constitui, todavia, constatação inédita: ele reflete, na verdade, o vetusto fenômeno que o arcabouço teórico marxista denomina "alienação"

Sim, pois o velho Karl Marx já admoestava que os seres humanos, na produção e reprodução da sua vida imediata material, contraem relações de produção que escapam à sua volição e os separam em classes sociais distintas e antagônicas, bem assim em diversos Estados-nações em permanente, ou latente, conflito.

Nesse diapasão, seria inclusive inapropriado cogitar na existência de uma "humanidade", dados os antagonismos acima mencionados: eis o fundamento, verbi gratia, do anti-humanismo teórico formulado pelo filósofo marxista-estruturalista Louis Althusser, para quem os indivíduos não passam de meros vetores estruturais do capital.

Eu, particular e humildemente, discordo em parte do grande Althusser, pois quer me parecer que ele desconsidera o fato de que o evolver do tempo histórico, na sucessão dos distintos modos de produção, conduz à constituição de uma classe social proletária que, completamente despojada dos meios de produção, exibe um jaez universal capaz, potencialmente, de superar os aludidos antagonismos de classes e Estados-nações, para atingir um novo modo de produção em que a verdadeira humanidade aflorará, com suplantar o fenômeno da alienação e proporcionar um patamar superior de consciência social. 

Quer me parecer, por derradeiro, que somente nesse novo modo de produção universal e humano as pessoas, como pretende Amartya Sen, serão consideradas mais importantes do que a economia, ou melhor dizendo, a economia estará a serviço das pessoas.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)       

BREVES INCURSÕES DIALÉTICAS

Em sua obra Ciência da Lógica, o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel disciplinou o pensamento a se conduzir de forma dialética, captando o movimento e a dinâmica do tempo histórico mediante, grosso modo, o trinômio tese-antítese-síntese. 

De proêmio, parece que apenas o pensamento obedece tal trinômio dinâmico, sendo certo que a síntese exibe-se como a culminância desse processo cognitivo, a revelar a potência e a relevância da intelecção daquele que a atinge. 

Vejamos, nesse diapasão, exemplos hauridos da ciência da Física:

O cientista escocês James Clerk Maxwell, verbi gratia, ao conjugar as forças da eletricidade e do magnetismo, obteve uma síntese assombrosa no eletromagnetismo, e não por acaso o grande desafio da física moderna consiste precisamente na consecução da síntese entre a teoria da relatividade e a mecânica quântica, na coloquialmente denominada teoria de tudo, ou teoria de campo unificado. 

Mas a síntese dialética não acontece somente no âmbito do pensamento, ela ocorre sobretudo na própria realidade objetiva que o pensamento colima apreender. Senão vejamos. 

A história econômica pode se exibir como um bom exemplo nesse aspecto: a revolução industrial inglesa do século XVIII incidiu primordialmente sobre o processo de produção de capital, sem afetar de maneira importante o processo de circulação, a saber, sem introduzir grandes inovações nas necessidades humanas e respectivos valores de uso, o que levou a um declínio tendencial nas taxas de lucro do capital que, por seu turno, foi combatido, em registro antitético, pelos novos valores de uso concebidos na segunda revolução industrial que ocorreu entre os séculos XIX e XX, os quais apresentavam elevados preços pela sua utilidade inédita e, demais disso, ao revolucionarem os meios de comunicação e transporte, exibiam o condão de aumentar a velocidade de circulação de capital. 

A revolução microeletrônica, ou digital, do segundo quartel do século passado, por seu turno, parece configurar uma síntese desta dinâmica histórica das revoluções industriais do capital, ao afetar de forma homogênea e na mesma intensidade, ao que parece, os processos de produção e circulação de capital, aumentando a velocidade de ambos numa rotação mais célere do capital. 

São singelas incursões sujeitas a ulterior desenvolvimento e ao crivo crítico.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Festina Lente

Faz-se mister encetar uma célere glosa marginal ao texto imediatamente precedente publicado neste portal eletrônico, intitulado “Hipóteses embrionárias sobre teoria econômica”, nos seguintes termos:

Sob prisma histórico, o capital manifesta-se inicialmente apenas como dinheiro, isto é, remanesce adstrito ao âmbito da circulação de mercadorias, sendo certo que penetrará no âmbito da produção de mercadorias somente após a assim designada acumulação primitiva, com o advento da revolução industrial inglesa do século XVIII.

Mas a relação de produção consubstanciada na mercadoria pressupõe o antagonismo entre o âmbito da produção e o da circulação, sendo certo que, se os produtores pelejam pelo predomínio do trabalho como determinante do valor das mercadorias, os mercadores insistem na sua utilidade como determinante do respectivo valor: disso resulta, no plano da teoria econômica, a oposição entre as vertentes marginalista e marxista de determinação do valor das mercadorias.

Os mercadores auferem lucros comprando baratas e vendendo caras as suas mercadorias, de tal sorte que lhes interessam valores de uso exóticos de elevada utilidade marginal e preços exorbitantes, como é o caso das especiarias oriundas do Oriente. O antigo sistema colonial lastreia-se precisamente nesse jaez exótico dos valores de uso: no que pertine ao Brasil, por exemplo, os ciclos econômicos definem-se pelos distintos valores de uso, como açúcar, ouro e café.

O aludido antagonismo entre produtores e mercadores pela determinação do valor e preço das mercadorias resolve-se historicamente de forma favorável a estes últimos, mediante a subsunção real do trabalho no capital advinda com a revolução industrial inglesa do século XVIII, quando o capital apropria-se do âmbito da produção e comprime os ganhos dos produtores à sua subsistência mais básica, extorquindo-lhes a mais-valia.

Mas a revolução do processo de produção conduz tendencialmente a um declínio das taxas de lucro do capital, de tal sorte que as revoluções industriais ulteriores incidiram também no processo de circulação, mediante a criação de valores de uso inéditos de alta utilidade e maiores preços.

(Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador).