segunda-feira, 27 de julho de 2020

TOMEMOS O EMPIRISMO "CUM GRANO SALIS"

De proêmio, exoro licença aos meus eventuais leitores para remetê-los ao singelo texto de minha autoria intitulado "O sujeito cognoscente como ser social, ou brevíssimas considerações sobre epistemologia materialista", publicado neste blog aos 16 de julho de 2019. 

Nesse diapasão, é mister observar com muito cuidado que o empirismo está hodiernamente em voga na produção científica, parecendo lícito ventilar, contudo, que esta tendência exacerbada de entronizar o material empírico pode ser uma forma de ideologia individualista típica de nossa época de hegemonia neoliberal. 

Sim, porquanto tomar o empírico pelo concreto constitui inversão característica das ideologias: ora, o material empírico, vale dizer, aquilo que se apresenta aos cinco sentidos do indivíduo não passa de mera abstração se não for mediada pelo pensamento. 

Destarte, o empírico puro, imediato, que se apresenta ao indivíduo singular, antolha-se-nos abstrato, eis que o concreto consiste no empírico pensado, mediado pelo pensamento, mas este pensamento deve ser capaz de apreender o concreto como síntese de múltiplas determinações, unidade do diverso, como já preconizava o velho Karl Marx.

Assim, a categoria da "mercadoria", verbi gratia, é a unidade que abroquela uma miríade de valores-de-uso empiricamente constatados, a síntese concreta de uma diversidade empírica que somente fica acessível ao conhecimento por mediação do pensamento.   

Todavia, o pensamento somente apreende tal unidade ou síntese se estiverem dadas as condições históricas para tanto: por isso que apenas tardiamente na história da humanidade restou acessível à ciência a intelecção da lógica dialética que comanda o evolver do tempo histórico, primeiramente de forma idealista com Hegel e, depois, de forma materialista e concreta com Marx e Engels. 

Tomemos, então, o empirismo cum grano salis, pois ele é uma etapa necessária, mas não suficiente para a apreensão do concreto pelo pensamento e, portanto, pelo conhecimento científico. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador formado pela USP) 

   

    

terça-feira, 7 de julho de 2020

IMPROVISO SOBRE A VOCAÇÃO HISTÓRICA DA FORMA-MERCADORIA

1. A vocação histórica da forma-mercadoria consiste na extração do máximo de excedente econômico dos produtores, comprimindo-lhes o respectivo consumo, mediante o mínimo de trabalho improdutivo, seja ele militar ou civil. 

2. Nesse diapasão, temos que, no escravismo antigo, sobretudo no Império Romano, observa-se uma máxima compressão do consumo dos produtores escravizados, mas o excedente econômico assim haurido é completamente consumido na atividade bélica improdutiva das forças armadas latinas, restando relativamente pouco excedente econômico convolado em consumo suntuário da classe dominante dos proprietários fundiários, com resultar em comércio bastante estiolado nas fímbrias do sistema, o que obsta o pleno desenvolvimento da forma-mercadoria. 

3. Já no medievo ocidental, o consumo dos produtores em condição de servidão exibe-se maior do que o dos escravos antigos, inclusive com desinibição de excedente econômico apropriado por tais servos da gleba, excedente este que fomenta um comércio marginal mais desenvolvido que no escravismo antigo.

4. Tal comércio desenvolve-se muito na época moderna dos Estados absolutistas mercantilistas, cabendo destacar que a forma-mercadoria desinibe-se exponencialmente como produto exótico de ultramar, de tal sorte que a burguesia mercantil apropria-se do excedente econômico literalmente "comprando barato e vendendo caro", comprimindo ao máximo o consumo dos produtores diretos europeus e ultramarinos.   

5. Ainda na época mercantilista, cabe destacar que o aparato militar mantenedor do sistema ainda exibe-se relativamente muito oneroso, obstando um maior consumo suntuário das classes dominantes e assim dificultando, contraditoriamente, a própria expansão e pleno desenvolvimento da forma-mercadoria. 

6. Esta forma-mercadoria realiza-se de maneira plena somente quando apropria-se do próprio processo produtivo, com a conversão da força de trabalho e dos meios de produção em mercadorias, bem assim com a redução relativa do aparato militar mantenedor do sistema, que se torna difuso, o que permite uma maior desinibição do consumo suntuário da burguesia industrial e uma acumulação acelerada de capital.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)