terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Avaliação do processo eleitoral e os desafios para o PT

 





Núcleo de Estudos d'O Capital - PT/SP


1)      As últimas eleições municipais receberam dois tipos de análise: uma da mídia corporativa, decretando a derrota do bolsonarismo e do PT, tentando equipará-los e louvando uma “volta da política”, com a vitória de legendas típicas de direita (como o DEM), chamadas agora de “centro”; outra da burocracia do PT, tentando minimizar a derrota representada pela ausência de prefeituras petistas nas capitais dos estados;

2)      A primeira erra, ou omite deliberadamente informações, pois a conquista de eleitoral este ano do chamado Centrão fortalece a base de apoio bolsonarista no Congresso Nacional, ainda que pessoalmente Bolsonaro teve colhido algumas derrotas em cidades importantes como o Rio de Janeiro. Também esconde o fato de que a vitória do Centrão levou a um encolhimento expressivo do PSDB em nível nacional, o partido preferido da Faria Lima e da mídia corporativa, que ganhou São Paulo (cidade importante) mas recuou em outros tantos municípios pelo Brasil;

3)      Ainda nessa avaliação à direita, procuram construir uma narrativa de equivalência entre extrema-direita e PT para tentar vender uma “saída Biden”, ou seja, apresentar um candidato do grande capital como uma opção moderada, ainda que a esquerda e centro-esquerda não tenham nenhum traço do tão propalado radicalismo;

4)      A segunda avaliação, da burocracia petista, procura argumentar que não recuamos em relação ao pleito de 2016, e até teríamos voltado a ter prefeituras no embrião do partido, o ABC paulista, com as vitórias em Diadema e Mauá. Mesmo que numericamente seja razoável, esta avaliação desconsidera as dificuldades de renovação das lideranças do partido (basta ver o continuísmo na eleição para vereadores em São Paulo) e de apresentação de um discurso anti-hegemônico que combata tanto o antipetismo quanto o neoliberalismo, em doses diferentes no bolsonarismo e no Centrão;

5)      Os analistas políticos, petistas inclusive, insistem em apontar a singularidade local das eleições municipais, e que elas não permitem aferir a correlação de forças para a disputa nacional. Neste ano, havia um motivo para federalizar as eleições: a pandemia. Contudo, em quase todas as cidades, os temas locais continuaram falando mais alto. Pensando em 2022, os resultados das últimas eleições talvez tenham pouco peso, mas o retrato cru e frio aponta para a falta de renovação nos quadros petistas;

6)      O partido em São Paulo não conseguiu apresentar um nome competitivo, o que não seria problema em outros tempos, dada a sua capacidade de mobilizar a base militante. Mas a forma como ocorreram as prévias e a indicação de Jilmar Tatto como candidato levaram ao boicote dissimulado de parte das lideranças e dos candidatos a vereador, que escondiam o candidato majoritário em seus materiais. Muitos acabaram votando em Guilherme Boulos já no 1.o turno, e Jilmar ficou abaixo dos 10% de votos, atrás de um candidato de extrema-direita agora em litígio com o bolsonarismo, Artur do Val;

7)      O fenômeno eleitoral de Boulos deve ser analisado tendo em vista essa peculiaridade: foi favorecido pela ausência de um nome conhecido do PT, como Eduardo Suplicy ou Fernando Haddad, e acabou conquistando parte do eleitorado petista, contando ainda com a memória da gestão petista de Luiza Erundina, sua vice na chapa. Boulos teve uma vitória pessoal, que não pode ser creditada a algum crescimento exponencial do PSOL. Pois, apesar de ter obtido 200 mil votos a mais nas eleições proporcionais, não foi capaz de uma maior penetração nas periferias. Continua forte apenas em alguns nichos de classe média, como o meio acadêmico e artístico;

8)      Dito isso, precisamos olhar o quadro geral do pós-eleição 2020: Bolsonaro está diante de um dilema, que é assumir um programa econômico fascista típico, com forte presença estatal, ou continuar com uma agenda de austeridade fiscal que poderá ser fatal para sua reeleição, dada a situação econômica do país. Se conseguir se livrar da Agenda Guedes, será um candidato difícil de ser batido em 2022;

9)      A direita neoliberal tenta viabilizar nomes para ser um pretenso “centro democrático”, de Luciano Huck a João Dória, mas terá dificuldades de conquistar não só o voto conservador (fiel a Bolsonaro), como também apresentar algo que não seja o pacote econômico derrotado em 4 eleições seguidas, e que ficou invisível em 2018 devido à excepcionalidade daquela campanha;

10)   Ciro Gomes, que se desespera ao ver a resiliência eleitoral do PT, vai dando sinais de desembarcar de uma possível frente de esquerda e acena vigorosamente para o DEM de Rodrigo Maia e ACM Neto. A questão para ele é como conciliar suas propostas, que pressupõem um papel ativo do Estado na condução econômica, com o neoliberalismo puro sangue do grande capital, vocalizado pelo DEM. Corre o risco de perder votos tanto à esquerda quanto à direita;

11)   O PT é o único partido de esquerda estruturado nacionalmente, com uma bancada expressiva de parlamentares no Congresso Nacional e nas casas legislativas estaduais e municipais. Nenhuma alternativa progressista pode passar ao largo das forças petistas, ao contrário do que prega os Ferreira Gomes. Mas a dificuldade em analisar a grande derrota do impeachment 2016, iniciada em 2013 e coroada em 2018, impede por enquanto o partido de apresentar uma proposta convincente;

12)   Além disso, é preciso reconhecer que o nascimento e a construção do PT foram fruto de uma conjunção de fatores que não existem mais, como um operariado numeroso nos centros urbanos e a capilaridade das comunidades eclesiais de base católicas nas periferias. Consegue ainda resultados eleitorais razoáveis, mas encontra cada vez mais dificuldades em falar com os novos perfis da classe trabalhadora, pulverizada na informalidade e capturada pelo conservadorismo pentecostal. E ainda encontra um desafio inexistente nos anos 1980: o crime organizado em grande escala, em especial as milícias;

13)   O quadro econômico brasileiro é muito delicado, desde antes da pandemia e ainda mais após sua eclosão. Se Bolsonaro insistir numa agenda neoliberal de austeridade, dificultará sobremaneira sua reeleição. A esquerda em geral, e o PT em particular, devem calibrar uma narrativa que apresente alternativas progressistas no campo econômico, ao mesmo tempo que precisa tomar do bolsonarismo o discurso anti-sistêmico, porque nele é falso. Apenas uma agenda clássica de esquerda, de proteção ao trabalho, somada a temas ascendentes no século XXI (como meio ambiente, gênero e etnia), poderá ter chances contra a extrema-direita. Mas, para isso, terá que saber conciliar o melhor de sua tradição – materializada na figura de Lula – com a necessidade de romper com a mera lógica eleitoreira. E isso passa necessariamente pela renovação dos quadros partidários e do abandono de práticas viciadas ainda em voga. Mais do que nunca, o Brasil precisa de um PT forte e renovado. 


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

HIPÓTESES ALEATÓRIAS E INCIPIENTES SOBRE PLANIFICAÇÃO ECONÔMICA

1. Consoante atesta o professor de história da Universidade de São Paulo, Lincoln Secco, em sua obra "História da União Soviética" (São Paulo, Maria Antônia Edições, 2020), página 115: "Apesar de subidas e descidas bruscas em virtude de guerras, a União Soviética teve altas taxas de crescimento até 1978. Desde o ano seguinte, a renda nacional teve aumento medíocre. A economia desacelerou pouco a pouco nos anos 1980. Sob Brejnev, a taxa média de crescimento nos anos 1970-1975 foi de 5,5%, e na segunda metade daquele decênio, foi de 4,3%. Em 1981-1985, às vésperas da Perestroika, foi de 3,2%. Os países capitalistas passaram pela mesma desaceleração econômica a partir da década de 1970"

2. Destarte, verifica-se coincidência bastante significativa no ano de 1978: no mesmo momento histórico em que o crescimento econômico da antiga URSS começa a declinar, a China, sob o novo comando de Deng Xiaoping, enceta reformas que, poucos anos depois, hauriram taxas de crescimento econômico estratosféricas, as quais lograram posicionar, hodiernamente, esse gigante asiático em emulação com os Estados Unidos da América pela supremacia econômica mundial.

3. Os acontecimentos de 2 parecem estar imbricados, ainda, com os pródromos da revolução microeletrônica e digital da década de 1980 no Ocidente capitalista. 

4. No livro primeiro de sua obra máxima "O Capital", Karl Marx descreve os fenômenos correlatos de concentração e centralização de capital, típicos da acumulação capitalista, parecendo pertinente aventar que tal acumulação pressupõe também a tendência à concentração e centralização de dados econômicos sobre produção e consumo. 

5. Tal tendência à concentração e centralização de dados econômicos, suposta em 4, parece confirmar a procedência e a viabilidade teóricas da planificação econômica centralizada nos moldes soviéticos. 

6. Sucede, todavia, que o crescimento econômico aumenta a quantidade e qualidade de dados sobre produção e consumo submetidas à planificação centralizada, o que incrementa também, se não estiverem disponíveis sistemas microeletrônicos de armazenamento e processamento digitais de tais dados, a burocracia estatal economicamente improdutiva empregada na planificação centralizada, o que ocorreu, ao que parece, na antiga URSS, que não passou pela revolução digital e microeletrônica observada no Ocidente capitalista, vindo a desmoronar, por isso, em 1991. 

7. O Partido Comunista Chinês, ao contrário do seu congênere soviético, encetou reformas bem sucedidas para atingir tal revolução digital em seu país, conquanto em detrimento tanto da planificação econômica centralizada quanto da abolição da propriedade privada dos meios de produção. 

8. A China hodierna, prestes a obter a total independência no campo microeletrônico em relação ao Ocidente capitalista, poderia teoricamente adotar um modelo de planificação econômica centralizada, porém descentralizadamente alimentada e atualizada pelos próprios produtores e consumidores via internet, de tal sorte que todos os dados desses produtores e consumidores (pressuposta a estatização dos meios de produção) alimentariam contínua e atualizadamente um algoritmo digital e central de planificação econômica apto a coadunar, assim, oferta e demanda econômicas.

9. Evidentemente, o modelo teórico de planificação econômica em 8 seria otimizado se aplicado em âmbito mundial. 

10. São singelas hipóteses para incentivar o debate. 


(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)                                           

    

terça-feira, 17 de novembro de 2020

COMPANHEIRO CLOVES CASTRO, PRESENTE!

 


 


Por CIRO SEIJI, do Núcleo de Estudos d´O Capital do Partido dos Trabalhadores 

 

Hoje fui ver a despedida do Cloves.  Foi velado numa fábrica no bairro Serraria em Diadema, nem me pergunte como algo tão adequando encontrou seu caminho. Era quase uma multidão que convergiu para aquela quebrada para cantar a Internacional, e jovens e velhos militantes se revezaram para tecer uma impressionante colcha de retalhos, cada pedaço com uma riqueza de cor e textura, como preciosas frestas da história classe operária, só que por ela mesma; ouro puro: ...Ele quase escapou antes de ser baleado! Dizia um, ...prometi naquela tarde no Anhangabaú que não desistiria!, dizia uma companheira lembrando companheiros presos, ...meu pai ficou furioso comigo porque coloquei a faixa do Boulos no muro de casa.. dizia  Thiago não contendo as lágrimas.” Era um militante disciplinado! cumpria as tarefas! no PCB, na ALN, na Oposição Sindical, no PT, na AE...” disse Adriano Diogo tentando pescar lacunas na memória. O gigante  negro Miltão Barbosa eu nem ouvi, começou rindo e terminou chorando debaixo de por um monte de outros abraços negros. E vinham mais outros retalhos desta história mililtante : sobrinha acolhida como filha, filhos companheiros, companheiros irmão de luta, e não dava para escutar a todos porque de vez em quando passava um caminhão com caçambas de cavaco – vocês nem sabem o que é isto... quem acha que a classe operária acabou não viu aquelas fábricas  e favelas se espalhando dali até o pé da serra do mar, onde a água da represa conteve este formigueiro de gente e cimento. E ao fundo ainda a cadência das prensas Shuller  tremendo o chão, sério, não é poesia não -  é um baque surdo... a gente sente no coração. Valter Pomar termina a homenagem tão forte quanto afetuosamente: “viveu e morreu como um proletário”. E ainda desafiou a nossa burocracia que rifou a militância do combate do dia 15, e disse que a vida do Cloves serve para lembrar como é lutar sem se perder pelo caminho. Fui embora pensando na minha morte solitária. Fui embora pensando na minha morte provavelmente solitária,  e que inveja poder morrer abraçado por tantos!





segunda-feira, 27 de julho de 2020

TOMEMOS O EMPIRISMO "CUM GRANO SALIS"

De proêmio, exoro licença aos meus eventuais leitores para remetê-los ao singelo texto de minha autoria intitulado "O sujeito cognoscente como ser social, ou brevíssimas considerações sobre epistemologia materialista", publicado neste blog aos 16 de julho de 2019. 

Nesse diapasão, é mister observar com muito cuidado que o empirismo está hodiernamente em voga na produção científica, parecendo lícito ventilar, contudo, que esta tendência exacerbada de entronizar o material empírico pode ser uma forma de ideologia individualista típica de nossa época de hegemonia neoliberal. 

Sim, porquanto tomar o empírico pelo concreto constitui inversão característica das ideologias: ora, o material empírico, vale dizer, aquilo que se apresenta aos cinco sentidos do indivíduo não passa de mera abstração se não for mediada pelo pensamento. 

Destarte, o empírico puro, imediato, que se apresenta ao indivíduo singular, antolha-se-nos abstrato, eis que o concreto consiste no empírico pensado, mediado pelo pensamento, mas este pensamento deve ser capaz de apreender o concreto como síntese de múltiplas determinações, unidade do diverso, como já preconizava o velho Karl Marx.

Assim, a categoria da "mercadoria", verbi gratia, é a unidade que abroquela uma miríade de valores-de-uso empiricamente constatados, a síntese concreta de uma diversidade empírica que somente fica acessível ao conhecimento por mediação do pensamento.   

Todavia, o pensamento somente apreende tal unidade ou síntese se estiverem dadas as condições históricas para tanto: por isso que apenas tardiamente na história da humanidade restou acessível à ciência a intelecção da lógica dialética que comanda o evolver do tempo histórico, primeiramente de forma idealista com Hegel e, depois, de forma materialista e concreta com Marx e Engels. 

Tomemos, então, o empirismo cum grano salis, pois ele é uma etapa necessária, mas não suficiente para a apreensão do concreto pelo pensamento e, portanto, pelo conhecimento científico. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador formado pela USP) 

   

    

terça-feira, 7 de julho de 2020

IMPROVISO SOBRE A VOCAÇÃO HISTÓRICA DA FORMA-MERCADORIA

1. A vocação histórica da forma-mercadoria consiste na extração do máximo de excedente econômico dos produtores, comprimindo-lhes o respectivo consumo, mediante o mínimo de trabalho improdutivo, seja ele militar ou civil. 

2. Nesse diapasão, temos que, no escravismo antigo, sobretudo no Império Romano, observa-se uma máxima compressão do consumo dos produtores escravizados, mas o excedente econômico assim haurido é completamente consumido na atividade bélica improdutiva das forças armadas latinas, restando relativamente pouco excedente econômico convolado em consumo suntuário da classe dominante dos proprietários fundiários, com resultar em comércio bastante estiolado nas fímbrias do sistema, o que obsta o pleno desenvolvimento da forma-mercadoria. 

3. Já no medievo ocidental, o consumo dos produtores em condição de servidão exibe-se maior do que o dos escravos antigos, inclusive com desinibição de excedente econômico apropriado por tais servos da gleba, excedente este que fomenta um comércio marginal mais desenvolvido que no escravismo antigo.

4. Tal comércio desenvolve-se muito na época moderna dos Estados absolutistas mercantilistas, cabendo destacar que a forma-mercadoria desinibe-se exponencialmente como produto exótico de ultramar, de tal sorte que a burguesia mercantil apropria-se do excedente econômico literalmente "comprando barato e vendendo caro", comprimindo ao máximo o consumo dos produtores diretos europeus e ultramarinos.   

5. Ainda na época mercantilista, cabe destacar que o aparato militar mantenedor do sistema ainda exibe-se relativamente muito oneroso, obstando um maior consumo suntuário das classes dominantes e assim dificultando, contraditoriamente, a própria expansão e pleno desenvolvimento da forma-mercadoria. 

6. Esta forma-mercadoria realiza-se de maneira plena somente quando apropria-se do próprio processo produtivo, com a conversão da força de trabalho e dos meios de produção em mercadorias, bem assim com a redução relativa do aparato militar mantenedor do sistema, que se torna difuso, o que permite uma maior desinibição do consumo suntuário da burguesia industrial e uma acumulação acelerada de capital.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)

segunda-feira, 22 de junho de 2020

WALTER BENJAMIN NA CALIFÓRNIA: LIGEIRAS IMPRESSÕES

O objeto de investigação de Walter Benjamin em seu opúsculo A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, concebido em 1935/36, corresponde primordialmente ao cinema e sua capacidade de massificação do consumo da produção audiovisual, notadamente em uma época de patente ascensão do fascismo e decadência da democracia na Europa e outras plagas, parecendo lícito aventar que tal autor preocupa-se sobretudo com as tendências de jaez político e cultural desse fenômeno de massas. 

É cediço que Hollywood encerra a mais acabada expressão do fenômeno cinematográfico em âmbito mundial, e não por acaso foi também na Califórnia, nomeadamente no Vale do Silício, que se desinibiu com maior intensidade o processo de ampliação e aprofundamento da tendência histórica de reprodutibilidade técnica e massificação do consumo da produção audiovisual, evidente com a eclosão da assim designada revolução digital ou microeletrônica.

Ex positis, faz-se mister investigar, na esteira dos estudos de Walter Benjamin na década de 1930, alguns aspectos da atual era de revolução digital, a saber:

1. A relação possível entre tal revolução técnica e a emergência de movimentos políticos de matiz neofascista, com a correlata crise da democracia em âmbito global. 

2. As tendências econômicas de tal fenômeno, especialmente quanto à criação de novos valores-de-uso e novas necessidades humanas, com a massificação do respectivo consumo, máxime no que pertine à sua influência no hodierno ciclo do capitalismo, sem olvidar a hipótese de que tal revolução digital e consectários possam ter ingerência sobre os problemas da demanda efetiva e queda tendencial das taxas de lucro.       

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)
       

quinta-feira, 18 de junho de 2020

RAPSÓDIA DA MERCADORIA

1. Vimos que, historicamente, a forma-mercadoria enceta por convolar os valores-de-uso em depósitos de valores-de-troca, engendrando a contradição primordial entre esses dois aspectos dos produtos do trabalho humano. 

2. Posteriormente, com a acumulação primitiva de capital, a própria força de trabalho é convolada em mercadoria, engendrando a contradição entre capital e trabalho e as classes sociais respectivas. 

3. A contradição entre valor-de-uso e valor-de-troca, ínsita à mercadoria, precede historicamente, portanto, a contradição entre capital e trabalho. 

4. O socialismo consiste no modo de produção que supera a contradição entre capital e trabalho mediante erradicação da propriedade privada dos meios de produção. 

5. O comunismo consiste no modo de produção que supera a contradição entre valor-de-uso e valor-de-troca, ínsita à mercadoria, mediante a instituição da relação imediata entre produtores e consumidores através das formas digitais de comunicação, abolindo portanto a forma-mercadoria. 

6. O socialismo precede historicamente o comunismo.

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)

quarta-feira, 10 de junho de 2020

SINGELOS PRELÚDIOS À ANTIMERCADORIA

1. A forma-mercadoria enceta por transformar os valores-de-uso, a saber, os produtos do trabalho humano concreto em meros repositórios de valor-de-troca, vale dizer, em "gelatina" de trabalho humano abstrato.

2. Em 1, portanto, o conteúdo (valor-de-uso) subsume-se na forma (valor-de-troca).

3. Com a acumulação primitiva de capital, quando os produtores de mercadorias são destituídos de seus meios de produção, o próprio trabalhador subsume-se na forma-mercadoria, transformando-se em alienador, vendedor de sua força de trabalho como mercadoria. 

4. Em 3, portanto, o conteúdo (ser humano concreto) subsume-se na forma (força de trabalho).

5. Ainda em 3, temos que a força de trabalho, todavia, não é produto do trabalho humano abstrato, logo não exibe valor e, sob prisma meramente lógico-formal, não poderia funcionar como mercadoria. 

6. A aparente contradição ou aporia dimanada de 5 é resolvida pela lógica dialética, porquanto a força de trabalho exibe-se como negação dialética da forma-mercadoria. 

7. A resolução histórico-concreta, não meramente lógica, mas prática de tal contradição ou aporia, isto é, a negação da negação, supera completamente a forma-mercadoria, devolvendo a subsunção da forma no conteúdo, de tal sorte que o valor-de-uso (2) e o ser humano concreto (4) derrotam as formas abstratas, respectivamente, do valor-de-troca e da força de trabalho. 

8. Eis o movimento dialético e diacrônico que ascende historicamente do abstrato ao concreto. 


( por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador) 
        


         

terça-feira, 12 de maio de 2020

Companheiro Geraldinho, Presente!









Geraldo José da Costa, o Geraldinho do Butantã, nos deixou hoje. Foi servidor público na Universidade de São Paulo, militante do Sindicato dos Trabalhadores da USP e do Partido dos Trabalhadores, no Diretório Zonal do Butantã. 
Abaixo, uma singela homenagem de Ciro Seiji, do Núcleo de Estudos d’O Capital, ao saudoso companheiro. Geraldinho: presente!

“Geraldinho calcula o tempo final da intervenção, passeia a esmo com as mãos para trás, do fundo da Quadra do Sindicato dos Bancários, e segue pelo centro da plenária do IV Congresso dos Diretórios Zonais “Paulo Freire”, em junho de 2019. Eu quero acreditar que as quadras de esportes no Brasil foram feitas para comportarem jogos de vôlei com saques muito altos, do tipo “jornada nas estrelas” do Bernard, por isso a acústica torna as intervenções cansativas porque se misturam com o eco atrasado, microfonia, conversas se misturam e reverberam nas paredes do amplo ginásio localizado na Tabatinguera, bem perto da antiga sede-biblioteca do Núcleo de Estudos d’O Capital, por acaso em frente ao Diretório Nacional, ali colado à Praça da Sé.

Geraldinho tinha calculado e chega no tempo exato em que uma companheira termina a fala, toma o microfone e sai aos gritos denunciando a direção, a burocracia, os acordos e sei lá mais o quê, porque a mesa, do alto do palco da quadra dos bancários, corta o microfone.
A plenária cheia de militantes veteranos em idade e tempo de luta acorda pela primeira vez, a mesa protesta, mais magoada do que surpresa, porque é esperado que Geraldinho fizesse algo: “- Pôxa,companheiro Geraldinho!!!” ...

Geraldinho volta calmamente com um sorriso enorme no rosto, vai para o fundo do plenário, onde estava a banquinha do Núcleo de Estudos D’O Capital, cujos militantes (eu, Edu
e Agnaldo) estão no chão gritando e gargalhando. O ginásio não reverberou muito a voz dele, mas a única coisa que se ouvia éramos nós rindo muito.

Naturalmente não vendemos uma única Revista Mouro naquele dia.

Não me lembro, mas sei que naquele trecho entre a banquinha e o microfone que ele tomou de assalto, ele ia sorrindo e como sempre cumprimentando os companheiros, fazendo troça disso ou daquilo que lhe ocorria ou via. Era simpático e alegre, multidões, plenárias, passeatas, assembleias, mutirões eram o seu lugar. Gente era a sua substância.

Geraldinho não foi feito para viver enfurnado e acossado por qualquer que seja o maldito vírus ou o verme fascista. Deve ter partido porque este tipo de espécime só vive ao ar livre, nada de teto baixo.

Um grande abraço camarada,
Ciro”


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Política em tempos de Coronavírus



É tão válido representar um modo de aprisionamento por outro, quanto representar qualquer coisa que de fato existe por alguma coisa que não existe”. In:  a Peste de Albert Camus 

John Kennedy Ferreira*


Não são poucos os que comparam o comportamento dos governantes neoliberais ao do Príncipe Próspero de Edgar Alan Poe; isso é ainda mais gritante quando observamos a atitude de governantes como Trump ou o histriônico Bolsonaro.
As faixas de moradores isolados nas sacadas de Lisboa, Madri ou Bologna denunciam   o descaso e omissão de seus ricos aliados da UE e dos EUA. Mais claro que isso, só o desespero do primeiro-ministro — neoliberal — sérvio, Aleksander Vucic sobre a situação de seu enfermo país. Tudo isso vem acompanhado de um agradecimento arrependido a Cuba e a China.
Estamos aqui diante do primeiro dado empírico que merece ser estudado. Os países com economia planificada têm maior capacidade de lidar com uma emergência (pandemia) do que os países que deterioraram ou privatizaram seu sistema (de saúde), favorecendo determinados grupos do Capital Monopolista Financeiro. 
II.
Em seu livro sobre a peste de 1665, Daniel Defoe nos conta que os interesses dos ricos comerciantes, nobres fundiários e seus parlamentares eram de que a doença não alcançasse a City. Líderes políticos e econômicos traçam planos para manter a insanidade para além dos muros, enquanto os desesperados enfrentaram as baionetas dos soldados e esmurraram inutilmente duros muros de pedra em busca de salvação.
Aos médicos e enfermeiros é destacado o papel de cuidar dos doentes mas, tecnicamente, viabilizar os planos dos poderosos. Aqui são desenhados os hospitais e as camas de campanha, aqui são selecionados os destinos de vida ou morte.
Camus, nos conta através do Dr Rieux, que abandona o seu conforto e dedica-se aos trabalhadores pobres e moribundos, um universo de solidariedade — que ele não conhecia —  e destaca o incômodo do médico frente as orientações que mais extermina do que salva, que mais esconde do que revela.
Assim são as orientações neoliberais que traduzem o incômodo do Dr Rieux, nos trazem uma sensação de insegurança de um lado, apontando como caminho a reclusão “juntos” aos seus iguais, nos mostra como sociabilidade o Whatsapp, o Twitter etc.  Tal qual aos dez jovens de Boccaccio que se escondem da peste num castelo, alienados do restante do mundo, buscam viver suas aventuras sem que a realidade os alcancem. Assim nos é apresentada a nova vida social. Por outro lado, e enquanto isso, é escondido — da realidade — o abandono a que estão destinados a grande maioria dos brasileiros que vivem em parcas economias e muitas carências. 
Cerca de 10% dos brasileiros vivem em favelas e cortiços, quase 50% da população não têm acesso a coleta de lixo e saneamento básico, quase 40% dos trabalhadores vivendo na informalidade e 65% dos brasileiros tendo uma renda de até R$ 400,00. A nossa teia de saúde e previdência foram sucateadas etc. mostrando que a vida Severina foi selada antes de nascer.  Os dados da OMC, e de pesquisadores, corroboram com isso: teremos uma catástrofe social.
III
De seu palacete a Marquesa de Angélica via os corpos sendo trazidos da quarentena do sítio de Higienópolis e chorava, em consolação, pelos mais pobres que tinham morrido na gripe espanhola de 1918.  Hoje, nem isso poderemos esperar dos mais ricos. Christopher Lasch (A Rebelião das Elites), nos fala que as classes dominantes abandonaram qualquer compromisso com a sociedade, se refugiam no seu próprio mundo e suas redes. Hoje, eles estão se refugiando em resorts nas ilhas Maldivas e em outros “paraísos” onde poderão curtir sua quarentena, mesmo correndo o risco de serem contaminados pelos trabalhadores que lhes servem.
De lá dirão o que deve ser feito: as medidas fiscais, o arrocho dos salários, a cesta básica aos necessitados; os R$ 200,00 mensais aos uberizados, uma bolsa família ali ou acolá e etc.  Entre um drink e outro, receitarão aos seus ideólogos que passarão a profilaxia econômica-social a sua imprensa e ao seu Estado.
 Definirão ainda, como ficaram patentes na Itália e Espanha, aqueles que não precisam mais viver. Isso será legitimado por técnicos de saúde que dentro de sua roupagem positivista, se apresentam como cientistas neutros e isentos de opiniões políticas e submetidos aos mesmos juramentos morais que nos levaram ao cemitério clandestino de Perus, aos crematórios de Auschwitz ou recentemente as marchas orgulhosas contra Dilma pela manutenção de seus status quo.

IV
Manifestações virtuais e as panelas batidas pedem muita coisa, acima de tudo nos lembram que somos e continuamos sendo humanos e que podemos agir mesmo confinados. Não faltam vigorosos manifestos exigindo mais direitos, mais saúde, mais cuidado, mais ciência e menos, muito menos ignorância.
O papel do Estado ganha relevo. Lideranças sindicais e políticas expressivas pedem mais Estado, mais funcionários, mais investimentos etc. E colocam o Estado como o representante da produção de vacinas, de máscaras, de ventiladores.  O Estado é representante da educação, da ciência e da saúde, o Estado é o representante do interesse nacional que está sendo atacado pelo Capital financeiro, o neoliberalismo e o imperialismo. Apesar de ganhar algum espaço no debate/conflito entre as frações das classes dominantes e mesmo ter algum apelo junto a setores médios, trata-se de uma quimera:  o Estado não é neutro e sempre representa os interesses do condomínio das classes dominantes, mesmo com uma autonomia relativa. 
Essas lideranças expressivas bem-intencionadas miram-se numa aliança com uma suposta fração da burguesia interna que teria autonomia e interesses distintos dos da grande burguesia nacional-estrangeira. Mera utopia, basta ver o balancete das 200 maiores empresas nacionais para observar que os capitais industriais e financeiros se fundiram, e que tal qual ao príncipe Próspero, este, protegerá seus parentes, amigos, cortesãs, sua arte, cultura e beleza no seu mais exótico castelo contra a gentalha e seus operários em construção.
V
Na fome das batatas irlandesas de 1845, os capitalistas e os cientistas da época, diziam que a responsabilidade vinha de um fungo. Marx mostrava que a Irlanda foi destruída pelas forças econômicas de um país poderoso, a Inglaterra. No seu estudo, a Irlanda não fora destruída pelos fungos, mas sim pela conquista, pela pilhagem, pela escravidão, pela inflação e por todas as medidas econômicas que as classes dominantes inglesas e suas intermediárias nativas impuseram ao povo irlandês. Tal qual hoje, estudos sérios mostram que o vírus corona é resultado da devastação impetuosa do meio ambiente.

VI
A crise sanitária encontrou uma crise de superprodução, que está se manifestando na grande produção de petróleo e derivados e no conflito comercial envolvendo China, Rússia, EUA, Arábia Saudita, Israel e EUA. Ao fim e ao cabo, os grandes conglomerados monopolistas financeiros optarão que seus Estados estatizem ao Norte  e semi-colônias ao Sul? Manterão o liberalismo extremado? Construirão grandes políticas planejadas????
A resposta das classes dominantes é previsível e sabemos o quanto pode custar em vidas e em trabalho e mais valia. A classe trabalhadora deve perceber que será responsabilizada pelo ônus da crise, com mais impostos, mais trabalhos, mais pauperização.   A resposta do trabalho deve ser outra: tal qual a Máscara Rubra ataca e destrói o príncipe Próspero, os seus aliados e o seu castelo. Cabe, então, ao trabalho saber que os trabalhadores e os pobres herdarão o mundo, e para tanto têm que se comportar como herdeiros e destruir o Estado neoliberal.
*Doutor em História Econômica/USP. Professor de Sociologia/Desoc/UFMA.

terça-feira, 17 de março de 2020

Resenha - "Anatomia de um credo" (de Ronald Rocha), por J.K. Ferreira



ANATOMIA DE UM CREDO - O capital financeiro e o progressismo da produção (RONALD ROCHA). Editora O Lutador, 148 pp.



John Kennedy Ferreira



Antônio Ermínio de Moraes foi símbolo do capitalismo industrial brasileiro, criticava a ostentação dos novos ricos e o sistema financeiro. Certa feita, entrou numa loja para comprar um relógio importado e o vendedor vendo seus trajes humildes lhe avisou que “não era para seu bico”, mal sabia o comerciante que estava diante de uns dos brasileiros mais ricos.  Vestia-se simples e, reza a lenda, que usava as roupas de seu falecido pai.  Para além disso, sempre foi um crítico contumaz do sistema financeiro, chegou a dizer: “Se não acreditasse no Brasil, seria banqueiro. ” Isso porque em uma época de crise sua empresa pegou um empréstimo que levou 15 anos para pagar.

Nesse período, a estruturação do capital monopolista estava iniciando a sua engrenagem no Brasil e predominava a ideia de que havia uma burguesia nacional progressista, defensora dos interesses nacionais frente aos capitais estrangeiros e financeiros. Antônio Ermínio foi um herói burguês da industrialização tardia, foi saudado na sociedade como líder das “classes produtoras”.  

Antônio Ermínio viveu o apogeu de um capitalismo industrial onde, na maior parte de sua vida empresarial, não havia a fusão monopolista de capitais industrial e financeiro. (GORENDER, pág.107, 1981)

Essa áurea romântica e esse debate que se desenvolveu nos anos de 1950, 60 e até os anos 80, sobre o papel progressista de uma burguesia nacional produtora, voltou requentada com a chegada dos governos social-liberais no ano de 2002 (Boito, 2017; Martuscelli, 2018; Almeida, 2019). O crescimento que se viu com o mercado interno aquecido e com a poderosa intervenção do Estado, favorecendo grupos nacionais em disputas internas e externas, levou a que não poucos observadores imaginassem o surgimento de uma poderosa burguesia interna capaz de gerar uma nova fase de prosperidade ao capitalismo brasileiro.  Não foram poucos os que enxergaram o Brasil como sócio menor do seleto grupo dos países imperialistas. (FONTES, 2009, p. 115).

Pouco tempo depois dessa euforia toda, o governo social-liberal de Dilma caiu sem luta, sem que o seu principal beneficiado, a “burguesia interna”, tomasse qualquer posição concreta para defender seus interesses. O que levou a muitos a se perguntarem por que não houve nenhuma resistência dessa fração política?

Ronald Rocha se propôs a debater a formação atual dos capitais brasileiros e, de sorte, fazer uma anatomia da composição orgânica de sua estrutura en démarche de seus interesses políticos.

Dessa maneira realiza seu trabalho em três grandes abordagens: a primeira será sobre a composição antiga dos capitais financeiros, a segunda sobre os capitais financeiros no século XXI e, por fim, a decorrência política desse novo capital nos dias que se segue no Brasil.

Logo de cara, Rocha mostra que se formou um mantra que se repete ano após ano nos jornais, na academia e mesmo em segmentos da esquerda: uma separação fictícia entre um capitalismo “produtivo” e financeiro. Segundo essa lenda, os capitais especulativos vampirizam a sociedade e os capitais produtivos. Por essa lógica, os capitais usurários seriam uma espécie à parte do capital.

Rocha lembra que desde o século XVIII, os juros modernos advêm da própria realização da mais-valia, isto é: uma manifestação do lucro empresarial que se divide enquanto capital empregado na produção ou comércio e outro, em juros do capital creditício, mas a sua origem é a própria mais-valia extraída da produção da mercadoria.

Destaca que tal mobilidade ocorre em função do desenvolvimento da sociedade civil burguesa nos séculos XVII e XVIII, que apresenta o ser como indivíduo autônomo e exclusivo, que se desenvolve a partir de sua própria iniciativa.  Essa imaginação reificada qualifica e vê a individualidade (de seu capital) como sendo oprimido por um movimento usurário, o que leva a pequena burguesia emparedada - e com pequena margem de lucros entre as grandes corporações - a crer que a sua produção está limitada ao pagamento de juros. Sonha-se até com um paraíso terrestre sem os juros. Evidente que esse setor abstrai o fato concreto de que seus negócios não teriam começado e nem prosperado sem o capital financeiro e, portanto, imaginam-se eles os “produtores” onerados pela financeirização da economia.

Por essa ideação, grandes magnatas brasileiros, suas milionárias federações industriais, mais acadêmicos e imprensa, apresentam esse grupo econômico como “produtores” e vítimas que são massacradas pelo capital financeiro, esquecendo o fato de que as riquezas advêm do trabalho humano expropriado e transformado em mais-valia. Rocha recorda que há mais de 100 anos o capital financeiro centraliza em um todo orgânico toda a mobilidade dos capitais.

Retoma então ao processo que desencadeia a financeirização do mundo, lembrando os estudos e as resoluções dos Congressos da Social Democracia, com a produção intelectual de John Hobson (Imperialismo, 1902) Rudolf Hilferding (O Capital Financeiro, 1910), Rosa de Luxemburgo (Acumulação Primitiva,1914) e Vladimir Lênin (Imperialismo, fase superior do capitalismo, 1917). Deixando claro que a partir do momento que houve a fusão entre os capitais industriais e financeiros, os velhos capitais autônomos entraram em decadência, tendo como futuro ou se fundir aos grandes conglomerados ou perecer.

De lá para cá a financeirização avançou muito, bastando ver que entre 1980 e 2006 cresceu 14 vezes, enquanto o PIB apenas 5 vezes. As terceira e quarta revoluções industriais dotaram o capital de uma imensa velocidade, isso dá a impressão de que o capital não tem base material, mas ao contrário, nunca a exploração e a extração de mais-valia foram tão amplas e intensas. Dessa maneira conforma-se um Capital Monopolista Financeiro.

Rocha demonstra que o núcleo de compreensão do sistema capitalista não está na circulação ou no humor ou outras subjetividades do mercado, mas sim no processo anárquico de produção de mercadoria, o que é determinante para entender as crises de 2008 e 2014 e própria política brasileira.

Aqui observamos de que forma as opções dos Conglomerados Monopolistas  Financeiros decidiram por terminar a experiência social-liberal brasileira, pois essa fração superior do capital  “transformou a massa de empresários em sua tributária, bem como adquiriu um peso dominante na exploração do trabalho, na vida social, no controle da mídia, no funcionamento dos órgãos estatais, na correlação de forças parlamentares, na elaboração das políticas governamentais e no exercício da hegemonia” (pág.87).

A partir do instante em que o condomínio Monopolista Financeiro determina as relações sociais, a própria lógica de superação da dependência se torna uma quimera, já que as relações imperialistas se naturalizaram e tornam-se partes da realidade geral com o imperialismo agindo internamente e externamente em seu próprio proveito. Dessa maneira a questão soberana nacional deixa de ser um apanágio burguês e se “converteu uma tarefa prioritária dos trabalhadores, na exata medida em que a questão proletária se transformou em imperativo nacional” (pág. 91).

De igual forma processa-se uma alteração profunda no aparelho do Estado, que passa a agir conforme os interesses do Capitalismo Monopolista Financeiro, onde o Estado passa a ser um facilitador dos interesses privados. Se antes a bancarrota liberal (1929) levou a burguesia a colocar limites à livre concorrência, nos dias hoje se segue o contrário, o casamento entre os oligopólios nacionais e o Estado é substituído pelo fortalecimento da livre iniciativa monopolista financeira tanto nos aspectos voltados à privatização como nas concessões. São duas faces possíveis da ação e alargamento ou não, das políticas Monopolistas Financeiras e seu Estado.

Ou seja, a caracterização do Estado como Monopolista e Financeiro define ainda dois momentos de análise: o primeiro, mostrando as dimensões e particularidades nacionais em comparações com outras experiências. Rocha toma, por exemplo, os países que fizeram rupturas com o sistema financeiro mundial (Cuba, China etc.), chama a atenção que as concessões feitas ao sistema capitalista foram realizadas por Estados sobre o controle de organismos revolucionários e comunistas e, em seguida, mostra que as concessões feitas pelo Estado brasileiro foram promovidas por um Estado burguês sobre controle do Capital Monopolista Financeiro. Daí decorre algumas falsas compreensões: a mais notória de todas é de limitar o universo das ações do proletariado ao limite da ordem burguesa, crendo por falsa análise da realidade e da história em que há “uma etapa” de democracia burguesa, decorrendo novos pactos com a burguesia nacional antiimperialista e etc.

A segunda, e tão importante quanto primeira, é a limitação teórica que a falsa análise da realidade produz, já que limita a ação e a imaginação dos partidos e movimentos dentro de um Estado dominado (interna e externamente) pela ação imperialista e de seu condomínio Monopolista Financeiro.

Voltemos a Antônio Ermírio de Moraes, este ao fundar o Banco Votorantim (BV), disse que “a ideia era não pagar os juros cobrados pelo mercado e estabelecidos pelo Banco Central”. Poucos anos depois, o BV já era um dos mais importantes bancos financeiros do país. Antônio Ermírio de Moraes Neto, herdeiro desse importante grupo econômico, saúda o crescimento explicando a habilidade e mobilidade que a financeirização possibilitou à corporação.

O livro de Ronald Rocha é uma contribuição que chegou silenciosa e aos poucos vai ganhando voz no debate após o golpe de 2016. Enquanto alguns se preocupam em criar uma nova burguesia, em crer na autonomia das frações burguesas, Rocha mostra o inverso, como deve se organizar e se preparar as classes proletárias e populares para os embates no centro de uma nova realidade concreta: o Capitalismo Monopolista Financeiro.

Por fim, as 148 páginas do livro são bem escritas, acinzentadas, cansando menos ao leitor. O autor é conhecido pelo seu refinado marxismo e exigente erudição, a orelha vem com um bom comentário do líder sindical José Reginaldo Inácio e, na outra orelha, uma breve apresentação biográfica do autor.  Já no corpo, segue uma apresentação muito boa de Carlos Machado, diretor do Sinpro-MG.

Um bom texto e uma boa contribuição para os dias que se seguem!



Referências bibliográficas e obras consultadas



ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues de. Burguesia nacional e burguesia interna: elementos para a análise da atual fase do imperialismo. Revista Lutas Sociais, n. 43.  São Paulo, 2019.

BOITO Armando.  Reforma e Crise Política no Brasil: os Conflitos de Classe nos Governos do PT. Ed  Unicamp/Unesp; Campinas, 2018.

FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. 2 ed. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010

GORENDER Jabob. A Burguesia Brasileira. Editora Brasiliense, São Paulo, 1981.

MARTUSCELLI, Danilo Enrico. Classes Dominantes, Política e Capitalismo Contemporâneo.  Editora em Debate-UFSC.Florianópolis,2018

ROCHA, Ronald. Anatomia de um credo - O capital financeiro e o progressismo da produção. Ed. O Lutador. Belo Horizonte, 2018.


Revista Isto É Dinheiro. Ermírio, o banqueiro edição de 16/04/08 ,https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20080416/ermirio-banqueiro/13009 consultado in 09/ 03/ 2020.