Núcleo de Estudos d'O Capital - PT/SP
1) As últimas eleições municipais receberam dois tipos de análise: uma da mídia corporativa, decretando a derrota do bolsonarismo e do PT, tentando equipará-los e louvando uma “volta da política”, com a vitória de legendas típicas de direita (como o DEM), chamadas agora de “centro”; outra da burocracia do PT, tentando minimizar a derrota representada pela ausência de prefeituras petistas nas capitais dos estados;
2) A primeira erra, ou omite deliberadamente informações, pois a conquista de eleitoral este ano do chamado Centrão fortalece a base de apoio bolsonarista no Congresso Nacional, ainda que pessoalmente Bolsonaro teve colhido algumas derrotas em cidades importantes como o Rio de Janeiro. Também esconde o fato de que a vitória do Centrão levou a um encolhimento expressivo do PSDB em nível nacional, o partido preferido da Faria Lima e da mídia corporativa, que ganhou São Paulo (cidade importante) mas recuou em outros tantos municípios pelo Brasil;
3) Ainda nessa avaliação à direita, procuram construir uma narrativa de equivalência entre extrema-direita e PT para tentar vender uma “saída Biden”, ou seja, apresentar um candidato do grande capital como uma opção moderada, ainda que a esquerda e centro-esquerda não tenham nenhum traço do tão propalado radicalismo;
4) A segunda avaliação, da burocracia petista, procura argumentar que não recuamos em relação ao pleito de 2016, e até teríamos voltado a ter prefeituras no embrião do partido, o ABC paulista, com as vitórias em Diadema e Mauá. Mesmo que numericamente seja razoável, esta avaliação desconsidera as dificuldades de renovação das lideranças do partido (basta ver o continuísmo na eleição para vereadores em São Paulo) e de apresentação de um discurso anti-hegemônico que combata tanto o antipetismo quanto o neoliberalismo, em doses diferentes no bolsonarismo e no Centrão;
5) Os analistas políticos, petistas inclusive, insistem em apontar a singularidade local das eleições municipais, e que elas não permitem aferir a correlação de forças para a disputa nacional. Neste ano, havia um motivo para federalizar as eleições: a pandemia. Contudo, em quase todas as cidades, os temas locais continuaram falando mais alto. Pensando em 2022, os resultados das últimas eleições talvez tenham pouco peso, mas o retrato cru e frio aponta para a falta de renovação nos quadros petistas;
6) O partido em São Paulo não conseguiu apresentar um nome competitivo, o que não seria problema em outros tempos, dada a sua capacidade de mobilizar a base militante. Mas a forma como ocorreram as prévias e a indicação de Jilmar Tatto como candidato levaram ao boicote dissimulado de parte das lideranças e dos candidatos a vereador, que escondiam o candidato majoritário em seus materiais. Muitos acabaram votando em Guilherme Boulos já no 1.o turno, e Jilmar ficou abaixo dos 10% de votos, atrás de um candidato de extrema-direita agora em litígio com o bolsonarismo, Artur do Val;
7) O fenômeno eleitoral de Boulos deve ser analisado tendo em vista essa peculiaridade: foi favorecido pela ausência de um nome conhecido do PT, como Eduardo Suplicy ou Fernando Haddad, e acabou conquistando parte do eleitorado petista, contando ainda com a memória da gestão petista de Luiza Erundina, sua vice na chapa. Boulos teve uma vitória pessoal, que não pode ser creditada a algum crescimento exponencial do PSOL. Pois, apesar de ter obtido 200 mil votos a mais nas eleições proporcionais, não foi capaz de uma maior penetração nas periferias. Continua forte apenas em alguns nichos de classe média, como o meio acadêmico e artístico;
8) Dito isso, precisamos olhar o quadro geral do pós-eleição 2020: Bolsonaro está diante de um dilema, que é assumir um programa econômico fascista típico, com forte presença estatal, ou continuar com uma agenda de austeridade fiscal que poderá ser fatal para sua reeleição, dada a situação econômica do país. Se conseguir se livrar da Agenda Guedes, será um candidato difícil de ser batido em 2022;
9) A direita neoliberal tenta viabilizar nomes para ser um pretenso “centro democrático”, de Luciano Huck a João Dória, mas terá dificuldades de conquistar não só o voto conservador (fiel a Bolsonaro), como também apresentar algo que não seja o pacote econômico derrotado em 4 eleições seguidas, e que ficou invisível em 2018 devido à excepcionalidade daquela campanha;
10) Ciro Gomes, que se desespera ao ver a resiliência eleitoral do PT, vai dando sinais de desembarcar de uma possível frente de esquerda e acena vigorosamente para o DEM de Rodrigo Maia e ACM Neto. A questão para ele é como conciliar suas propostas, que pressupõem um papel ativo do Estado na condução econômica, com o neoliberalismo puro sangue do grande capital, vocalizado pelo DEM. Corre o risco de perder votos tanto à esquerda quanto à direita;
11) O PT é o único partido de esquerda estruturado nacionalmente, com uma bancada expressiva de parlamentares no Congresso Nacional e nas casas legislativas estaduais e municipais. Nenhuma alternativa progressista pode passar ao largo das forças petistas, ao contrário do que prega os Ferreira Gomes. Mas a dificuldade em analisar a grande derrota do impeachment 2016, iniciada em 2013 e coroada em 2018, impede por enquanto o partido de apresentar uma proposta convincente;
12) Além disso, é preciso reconhecer que o nascimento e a construção do PT foram fruto de uma conjunção de fatores que não existem mais, como um operariado numeroso nos centros urbanos e a capilaridade das comunidades eclesiais de base católicas nas periferias. Consegue ainda resultados eleitorais razoáveis, mas encontra cada vez mais dificuldades em falar com os novos perfis da classe trabalhadora, pulverizada na informalidade e capturada pelo conservadorismo pentecostal. E ainda encontra um desafio inexistente nos anos 1980: o crime organizado em grande escala, em especial as milícias;
13) O quadro econômico brasileiro é muito delicado, desde antes da pandemia e ainda mais após sua eclosão. Se Bolsonaro insistir numa agenda neoliberal de austeridade, dificultará sobremaneira sua reeleição. A esquerda em geral, e o PT em particular, devem calibrar uma narrativa que apresente alternativas progressistas no campo econômico, ao mesmo tempo que precisa tomar do bolsonarismo o discurso anti-sistêmico, porque nele é falso. Apenas uma agenda clássica de esquerda, de proteção ao trabalho, somada a temas ascendentes no século XXI (como meio ambiente, gênero e etnia), poderá ter chances contra a extrema-direita. Mas, para isso, terá que saber conciliar o melhor de sua tradição – materializada na figura de Lula – com a necessidade de romper com a mera lógica eleitoreira. E isso passa necessariamente pela renovação dos quadros partidários e do abandono de práticas viciadas ainda em voga. Mais do que nunca, o Brasil precisa de um PT forte e renovado.
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