(publicado originalmente em Estadão Noite: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,os-destaques-do-estadao-noite-desta-quinta-feira--10,10000020600)
Agnaldo dos Santos
O fenômeno da corrupção não é
novo, nem exclusivo de nossa Pindorama, Terra de Santa Cruz. Quem se habituou a
assistir enlatados de USA, desde os westerns
até os policiais contemporâneos – para não falar dos seus seriados sobre
presidentes e crimes – sabe que a sociedade moderna nasceu sob o signo da “mão
leve” e do abuso do poder econômico. Logo, é bom deixar o vira-latinha do
complexo de inferioridade longe daqui, como nos ensina Jessé de Souza a
respeito da intelligentsia
brasileira. Qualquer análise que desconsiderar isso é desonesta e/ou pueril.
Olhando para a terra de
Macunaíma, desde as ordenações manuelinas o Estado (naquele tempo, metrópole
portuguesa) prestava-se a ser o aparato dos que possuem poder. Outros tempos,
revoluções burguesas depois, e eis que a essência mudou muito pouco. Há Estado
de Direito, que aparece funcional apenas quando os da Casa-Grande são pegos com
a boca na botija (vamos lembrar do duplo habeas
corpus do banqueiro Daniel Dantas em menos de 24 horas no Supremo Tribunal
Federal).
Decerto que houve avanço, cá e
acolá: Declaração Universal dos Direitos do Cidadão, legislação trabalhista,
sufrágio universal. Mas quando notamos os processos políticos no país ao longo
do século passado, vemos a maldição de Lampedusa: tudo muda para nada mudar.
Ensaio para reais mudanças existiu: a Constituição de 1988 prevê uma
“democracia participativa”, que em tese deveria estar no mesmo patamar da
“representativa”. E que poderia fazer retroceder em alguma medida a captura do
político pelo econômico, com o empoderamento efetivo dos conselhos de políticas
públicas, das conferências nacionais e instrumentos similares. Evidente que,
para isso, torna-se mister a proibição do financiamento privado nas eleições,
real fonte de corrupção. Só que ali na CF-88 também havia um ovo de serpente
sendo chocado: a chamada “autonomia” do Ministério Público, inspirada em grande
parte pelo medo dos tempos bicudos da ditadura. Ocorre que, tal qual a
autonomia do Poder Judiciário, é espaço que não contempla nenhum tipo de
controle social, como o Executivo e Legislativo. E o primeiro parágrafo da CF-88
é claríssimo: todo poder emana do Povo. Não pode ser, portanto, uma república
platônica de notáveis.
Combater a corrupção é um dos
anseios da população, que trabalha suado para pagar seus impostos, mas isso
está longe de ser prioridade para quem não tem emprego ou vê seus filhos
padecerem na miséria. Nossa história é pródiga de exemplos de como essa
palavrinha mágica foi mobilizada para atacar os que, de alguma maneira, não
contentavam a Casa-Grande ou dela não se originaram. E como ela é esquecida
logo em seguida, quando tudo “volta ao normal” – a ditadura militar, resultado da
última panaceia anticorrupção, foi o paraíso dos velhacos e dos espertalhões.
Os excessos e abusos legais de
membros do Judiciário e do Ministério Público, que usam cargo público para
fazer política partidária, são a ponta de lança de Estados de Exceção. A
chamada condução coercitiva pela Polícia Federal de um ex-presidente da
república, que não havia sido convocado a dar esclarecimentos (logo não poderia
ser submetido ao expediente) deu o sinal de alerta. Qualquer indício de
eventual crime deve seguir o rito previsto na legislação, não poder ser
adequada às preferências políticas de quem quer que seja.
A despeito das críticas de
grandes nomes do mundo jurídico, a sanha inquisitória e parcial (sim, porque as
mesmas acusações feitas à oposição são engavetas uma após a outra) parece jogar
contra a legalidade, contando, pois, com o apoio do bloco também monolítico e
partidarizado da grande imprensa. Se o Supremo Tribunal Federal não se
manifestar clara e rapidamente sobre tais ilegalidades, as nuvens cinzas que
estão se formando poderão se transformar numa tempesteaste contra a democracia.
Oxalá o bom senso e legalidade prevaleçam.