Respeitar a História é também respeitar a história dos mais velhos!
A defesa do mandato legal e legítimo da
presidente Dilma Rousseff é prioridade que se impõe à luta dos liberais e
progressistas de um modo geral, e, de forma muito particular, à ação das forças
de esquerda e suas organizações. Defender a Constituição, afinal, é o dever de
todos os democratas.
Mas essa defesa não encerra a história toda, nem
os desafios todos, pois a tentativa de depor a
presidente Dilma, via impeachment ou isso ou aquilo não é o
objetivo final da onda conservadora, mas, tão-só o meio de que se vale a
direita brasileira em seu projeto de reconquista do poder, a qualquer custo,
para nele, desta feita, instalar uma república conservadora, ainda mais
intolerante do que aquela que foi a base e a obra do golpe militar de 1964.
Não se trata, apenas, de golpear uma mandatária
legitimada pela voz soberana dos votos; trata-se, mais, de abrir caminho para a
instauração de um regime autoritário de raízes protofascistas, antecipado nas
palavras de ordem que ecoam nas ruas e nos meios de comunicação de massa. A
direita mira um horizonte para além de 2016 e 2018. Iludem-se os liberais de
hoje como se iludiram os que em 1964 diziam que estávamos apenas em face de
‘mais uma quartelada’, que logo tudo voltaria ao melhor dos mundos.
A direita, no Brasil e no mundo, não guarda
qualquer apreço seja pela democracia, seja pela ética, seja pela moralidade.
Esses valores não passam de meio subordinado ao projeto final, perseguido e
muitas vezes alcançado a qualquer custo, o que compreende mesmo, em nome da
moralidade de fancaria, associar-se a figuras públicas e reputação duvidosa –
como o deputado Eduardo Cunha (e o inefável ‘Paulinho da Força’) – para derrubar
uma presidente
consabidamente honrada.
Mas, repitamos, a questão não se encerra no
mandato da presidente.
O projeto da direita brasileira não é mesmo,
tão-só, a desmoralização política da esquerda com vistas a eventual retomada do
poder em 2018; seu objetivo de médio e longo prazos mira uma sociedade
autoritária.
O moloch reacionário, em sua fome
insaciável de poder, pretende consumir as conquistas sociais, políticas e
econômicas das últimas décadas. É um projeto que opõe classe contra classe; é o
almejado império da Casa Grande em face de uma senzala que, no que cresce em
reivindicações, precisa ser contida. O capitalismo reage assim, com violência,
em todos os momentos de crise.
Essa é, por exemplo, a história do século XX, com
suas crises, suas convulsões, suas guerras e suas ditaduras. Essa é a história
do autoritarismo, da xenofobia, dos fundamentalismos e, em alguns momentos, a
história do antissemitismo. Quando a crise econômica ameaça a acumulação
capitalista, a alternativa é conter o andar de baixo para preservar os
interesses do andar de cima. E eis a que serve o Estado autoritário.
Os liberais de 1954 acreditaram no cantochão
moralista do udeno-lacerdismo e se associaram aos golpistas que levaram Getúlio
Vargas ao suicídio. Só muito mais tarde, na autocrítica de Afonso Arinos, é que
se deram conta de que simplesmente haviam servido de instrumento de uma maquinação
contra os interesses nacionais e populares.
A campanha contra o ‘mar de lama’, de resto
inexistente, tinha como alvo verdadeiro a política social de Vargas e as
empresas estatais por ele criadas para assegurar o desenvolvimento econômico
nacional. Deixaram-se iludir de novo os liberais em 1964 supondo que pedindo a
queda de Jango estavam defendendo a Constituição, e assim alimentaram com seu
decisivo apoio uma cujo ponto de partida foi exatamente a destruição da ordem
constitucional.
Foram anos de ditadura, com seu inventário de
torturados, mortos e desaparecidos, 21 anos de exílio da política e de
supressão das liberdades, é preciso repetir mil vezes chamar a atenção dos
surdos e cegos e desmemoriados de hoje.
Os que hoje juntam suas vozes ingênuas aos que
arquitetam o golpe, estão, na verdade, associando-se a uma aventura reacionária
de ranço fascista, cujos desdobramentos ainda não podem ser mensurados. Assim
como os militares golpistas, derrubando Jango, assumiram o governo civil em vez
de retornarem à caserna, a onda reacionária de hoje – que em meio à punição de
corruptos pede a volta dos militares, aplaude Eduardo Cunha e os Bolsonaros da
vida, pede a eliminação física de adversários e agride seus oponentes – não
saciará a fome de poder nem com a deposição de Dilma, nem com aniquilamento
político e eleitoral de Lula, nem com a liquidação do PT e, com ela, a
liquidação dos partidos e das organizações de esquerda. Iluda-se a
extrema-esquerda se quiser.
O primeiro quartel do terceiro milênio lembra os
anos 20/30 do século passado, quando, em nome disso e daquilo foram derrubadas
as democracias, abrindo caminho para as ditaduras, o fascismo e o nazismo.
Assim na Europa (por exemplo: Alemanha, Itália, Espanha, Portugal), assim na
Ásia ( Japão), assim no Brasil com o Estado Novo. Onda similar se
reproduz globalmente com o avanço da direita no Velho Continente, a ascensão do
Tea Party nos USA e as convulsões, muitas estimuladas de fora para
dentro, que ameaçam os governos progressistas na América Latina e
particularmente na América do Sul.
Crise do capitalismo, crise das democracias. Em
todo o mundo e em todos os tempos a crise econômica se divorcia da ascensão das
massas.
O Brasil não é uma ilha.
Quando nossos liberais e democratas dar-se-ão
conta desse histórico papel de marionetas a serviço de frações perversas e
corrompidas da classe dominante, subordinadas a interesses externos?
A propósito, a direita não tem apego a princípios
morais ou democráticos, simplesmente deles lança mão como aríete de seus
objetivos. E, alcançados esses e realizados seus interesses, daqueles
princípios se descarta. A legalidade democrática interessa-lhe quando na
oposição, tanto quanto a pregação moralista, pois, no poder, logo se desfaz
desses valores como penduricalhos incômodos, e sem qualquer cerimônia se vale
da opressão, do autoritarismo, do estado policial para realizar seus projetos.
De igual modo não preserva princípios éticos na
condução da coisa pública, pois a corrupção é sua essência. Haja vista o que
ocorreu com o modelo social democrata europeu, que vigeu no pós Segunda Guerra.
Concebido para enfrentar o fantasma do comunismo, tão logo a União Soviética
foi derrotada, passou a ser sistematicamente demolido.
A organização popular é, dessa forma, o ponto de
partida não apenas para a defesa do mandato presidencial, mas, igualmente, para
assegurar a preservação de seus compromissos populares e fazer face à
onda conservadora. Em síntese: é preciso preservar o mandato da presidente em
sua plenitude, isto é, livre para governar consoante os compromissos assumidos
com as forças que a elegeram, e é preciso, ainda, enfrentar e barrar a onda
fascistóide.
Tudo isso reclama organização popular. Pois a
ofensiva conservadora constrói diversos cenários, seja a ostensiva e grosseira
tentativa de sabotar para finalmente derrubar o governo – nas ruas, no
Congresso, nos Tribunais partidarizados ou mediante o discurso
monopolizado dos meios de comunicação de massa --, seja impondo aos
eleitos o programa dos derrotados nas eleições presidenciais de 2014,
promovendo um ajuste que gera desemprego e recessão, cuja execução já traz como
consequência afastar o governo da sua base popular, única que lhe pode
oferecer sustentação.
O cenário de hoje nos antecipa o fim de promissor
ciclo de avanço da esquerda brasileira, prenunciando para os anos
próximos um ciclo direitista em termos que, há pouco, pareciam inimagináveis.
Isso, a menos que as forças populares se deem conta do perigo que correm
presentemente as conquistas sociais das últimas décadas, e proponham à
sociedade uma ampla aliança com o fito de barrar o retrocesso.
O modo dessa resistência é a política de Frente,
de frentes democráticas e
progressistas unificando a reflexão e a luta, a resistência dos mais
diversos setores e agrupamentos sociais e políticos. É este o pressuposto da
iniciativa que reúne militantes, políticos, partidos, intelectuais,
representações do movimento social em geral e dos movimentos sindicais urbanos
e rurais com destaque para o MST, a CUT e a CTB, a UNE, pastorais sociais
presentemente reunidos em torno do projeto da Frente Brasil. Trata-se de frente
politicamente ampla, unificada na luta objetiva pela democracia, pela
preservação e avanço dos direitos dos trabalhadores, pela defesa da soberania
nacional e o desenvolvimento com distribuição de renda.
Na luta pelas reformas estruturais (e são apenas
exemplares a reforma política, a reforma urbana, a reforma agrária, a reforma
tributaria/fiscal, a reforma da educação) e pela reforma e democratização do
Estado, bem como a defesa e aprofundamento dos processos de integração latino-americana
em curso como o Mercosul, a Unasul, o Celac. Por fim, a defesa da produção e do
trabalho sobre o rentismo. Uma frente ampla e forte o suficiente para
alteraratual correlação de forças, que inibe e coarta o governo. Uma
correlação de forças que, finalmente, possa democratizar os meios de
comunicação de massa.
Essa Frente Brasil-Popular, que será lançada no
próximo dia 5 de setembro em Belo Horizonte, não é partidária, mas não
prescinde dos partidos nem os substitui; é política mas não se unifica em torno
de calendários ou projetos eleitorais. Gestada a partir de um núcleo popular de
esquerda, ela se lança à ampliação, aberta a todos os democratas. É popular
porque enraizada no movimento social. É estratégica, posto que não se mobiliza,
apenas, em torno da defesa do mandato da Presidente Dilma. Defende-o, e de
igual modo defende o processo democrático, mas defende a preservação, no
governo, das teses do campo popular, e se propõe, ao lado de todas as forças
progressistas, a enfrentar o rolo compressor da direita, no governo Dilma e
para além dele.
É uma Frente nacional que se reproduzirá em todo
o País, nos Estados, nos municípios, procurando tecer a mais extensa rede de
atuação.
Essa Frente, porém, não conterá todas as formas
de luta, nem anulará outras iniciativas. Ela não substitui as frentes de
partidos, nem eventual frente eleitoral progressista organizada para fazer face
à frente conservadora, nem outras formas de frente e de lutas que a realidade
objetiva exigir. Ela, enfim, se completará em uma série de outras iniciativas,
e uma delas é, com os mesmos objetivos, uma Frente Parlamentar, reunindo todas
aquelas forças democráticas comprometidas com a questão social e o
enfrentamento da onda conservadora.
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