Foto: CTB
O tabuleiro de Agosto
Agnaldo dos Santos
O mês de agosto ficou famoso no Brasil devido a históricos acontecimentos políticos de enorme gravidade, sendo o suicídio de Getúlio Vargas um dos mais marcantes, registrado até em romance pelo escritor Rubem Fonseca. Para além de teorias místicas sobre o mês do “cachorro louco”, é sem dúvida um momento no ano parlamentar muito importante, porque o recesso de julho possibilita articulações as mais variadas para serem executadas no retorno dos trabalhos. Há um temor que estejamos vivendo algo bastante parecido agora, quando a presidência de Dilma Rousseff será colocada sob intensa artilharia.
Tanto o julgamento sobre as contas fiscais de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (órgão auxiliar do Legislativo com inconfundíveis interesses partidários), quanto o outro sobre as contas da campanha presidencial do PT sob análise do Tribunal Superior Eleitoral, são os desafios mais claros. Mas haverá, nesse meio tempo, o possível indiciamento do famigerado Eduardo Cunha pela Procuradoria Geral da República acerca do recebimento de propinas e achacamentos, identificados na Operação Lava Jato, e a convocação da passeata contra a presidenta, capitaneada por grupos proto-fascistas e pelo PSDB, no próximo dia 16. Cunha, sob pressão, percebe que sua sobrevida política depende em acatar e colocar em votação os pedidos de impeachment que, repletos de erros crassos, em outros tempos teriam como destino a gaveta.
Muitos analistas sugerem que, apesar desta pressão enorme, o pedido de impedimento da presidenta não prosperará devido à total falta de legitimidade do Congresso Nacional, cujo presidente Renan Calheiros também se vê envolvido em denúncias, além do conteúdo ainda por se revelar da Lava Jato, que já se aproximou do governo tucano paulista e de figuras como José Serra (vide o artigo de Mino Carta, “Respeitem a Constituição”, na edição desta semana de Carta Capital).
Ocorre que, sem base legal, o impeachment seria um golpe político que precisaria ter a chancela do Supremo Tribunal Federal, colocado sob suspeita depois do seu comportamento no caso do assim chamado Mensalão. Isso sem falar dos juízes como Sérgio Moro e procuradores como Dalton Dallagnol, que não escondem mais que o único foco é investigar o PT e a base de apoio governamental, desprezando os fortes indícios do envolvimento do PSDB em diversas obras de infra-estrutura pelo país.
Isso nos leva a seguinte questão: o PT e as forças progressistas, mesmo as que fazem oposição ao atual governo de coalizão, estarão em condições de fazer frente a está avalanche de cunho golpista? Porque os interesses são muito evidentes: o desmonte de empresas brasileiras de infraestrutura (cujos executivos tem um modus operandi de corrupção tão antigo quanto o Estado brasileiro) para dar espaço ao capital externo, o enfraquecimento da imagem da Petrobras no contexto de forte concorrência com as multinacionais do setor, e a prisão do almirante Othon Pinheiro da Silva no cerco às atividades da Eletronuclear, numa área extremamente sensível como a energia nuclear e que foi resgatada no Governo Lula.
Não estamos mais falando da permanência de uma sigla no comando do Palácio do Planalto. A dinâmica política começa a seguir um caminho de reação similar ao que levou ao golpe de 1964, mesmo com muitas diferenças em relação àquela fase histórica. Se não temos mais uma Guerra Fria, temos a reorganização da pauta neoliberal após a crise de 2008, sendo a capitulação do Syriza na Grécia frente ao Euro um forte símbolo desta retomada. A esquerda no mundo ainda não conseguiu criar uma alternativa real ao modelo liberal neste novo século, ainda que experimentos tenham sido desenvolvidos e incomodem o capital global. A pressão sobre o Brasil é muito parecida ao que ocorre neste momento na Venezuela, no Equador, na Bolívia e na Argentina, sempre classificados pejorativamente pela nossa mídia como bolivarianos.
Ao PT cabe fazer uma leitura mais global e lúcida da gravidade do processo, que está muito além da sua permanência no aparato estatal, ou de contornar eventuais processos jurídicos. Acreditar no “espírito republicano” da direita é caminho certo para a bancarrota, e os exemplos do Judiciário já deveriam ter lhe ensinado algumas lições. Reanimar a militância, inclusive com o re-empoderamento de suas bases, resgatar uma agenda de desenvolvimento e de projeto nacional, além de apresentar propostas de “democratização da democracia” (instrumentos participativos para além dos eleitorais, regulamentação econômica da mídia, reforma tributária no sentido da progressividade) são os únicos caminhos possíveis para preservar e ampliar as conquistas - ainda tímidas - da última década. As manifestações convocadas pela Frente de Esquerda para o dia 20 de agosto também podem marcar o momento desta retomada.
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