Paul Krugman
Os republicanos não podem estar falando sério
Publicado em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/07/economia/1438958232_893555.html
- Artigo sobre a "época dos extremos" -
É certo que o título do famosos livro de Eric Hobsbawm é aqui usado como ilustração. Ele, como sabemos, é mais amplo.Contudo, vale no intuito de chamar atenção para o fato das polarizações a direita. A dita "decepção" em relação à política eleitoral atual, tem como efeito colateral a produção de candidatos tão ruins quanto os apresentados pelo artigo de Krugman. Embora tenha impulsionado partidos e figuras de esquerda, como na Grécia e Espanha, parece que tudo, em termos de poder, se curva a uma facção do Capital, a saber: o capital financeiro. Esse passou a ser um operador político mundial, assim não tem muita importância, do ponto de vista do poder econômico, quem irá assumir uma ou outra presidência. Todos terão que renderem-se ao poder dos mercados financeiros!
Os republicanos não podem estar falando sério
De acordo com muitos analistas, este seria o ciclo eleitoral em que
os republicanos demonstrariam a qualidade dos seus quadros. A corrida
para a nomeação incluiria governadores hábeis como Jeb Bush e Scott
Walker, intelectuais inovadores como Rand Paul, e novos atores atraentes
como Marco Rubio. No entanto, Donald Trump está liderando com larga margem. O que aconteceu?
A resposta, dizem muitos dos que não perceberam o fenômeno antes, é a
credulidade: as pessoas não sabem distinguir alguém que parece saber do
que está falando de alguém que realmente leva as coisas a sério. E não
há dúvida de que no mundo há muita credulidade. Mas se me perguntarem,
os especialistas foram ao menos tão crédulos quanto a opinião pública, e
continuam sendo assim.
Embora seja verdade que Trump é, basicamente, um personagem absurdo, seus rivais também o são.
Se você prestar atenção ao que qualquer um deles realmente está
dizendo, em vez de em como diz, descobrirá uma incoerência e um
extremismo tão ruim quanto o que Trump tem para oferecer. E não é por
acaso: dizer bobagens é o que deve ser feito para conseguir algo no
atual Partido Republicano.
Por exemplo, as ideias econômicas de Trump (os habituais
lugares-comuns conservadores, misturados com protecionismo em uma
espécie de estranha barafunda) são decididamente confusas. Mas, por
acaso são piores do que a convicção profunda no vodu de Jeb Bush,
sua afirmação de que pode dobrar a taxa subjacente de crescimento da
economia norte-americana? Além disso, a credibilidade de Bush não
melhora com as evidências para tal afirmação: o crescimento
relativamente rápido experimentado pela Flórida durante a imensa bolha
imobiliária que aconteceu quando era governador.
Como é sabido, Trump é um dos que puseram em dúvida que o presidente
Obama nasceu nos Estados Unidos. Mas será que isso é pior do que a
declaração de Scott Walker de que não tem certeza de que o presidente é
cristão?
A intenção declarada de Trump de deportar todos os imigrantes ilegais é decididamente extremista,
e exigiria graves violações das liberdades civis. Mas será que há
alguém que defenda essas liberdades no atual Partido Republicano? Olhem
para o entusiasmo com que Rand Paul, que se define como um libertário,
se juntou à caça às bruxas contra a Federação Norte-americana de
Planejamento Familiar.
E enquanto Trump decididamente se reporta ao movimento anticatólico e anti-imigrantes de meados do século XIX, Marco Rubio, que nega a mudança climática,
fez do “eu não sou cientista” sua frase característica. (Um lembrete
para Rubio: os presidentes não têm que ser especialistas em tudo, mas
têm de ouvir os especialistas e decidir em qual deles acreditar).
A questão é que, apesar dos perfis lisonjeiros que os meios de
comunicação dedicaram aos adversários de Trump, retratados como pessoas
sérias –Jeb, o moderado; Rand, o inovador; Marco, o rosto de uma nova
geração–, sua suposta seriedade é só fachada. Se forem julgados pelas
opiniões e não pela imagem, o que temos é um bando de malucos. E, como
já disse, isso não é por acaso.
Faz tempo que é óbvio que as convenções da informação e o comentário
político tornaram quase impossível dizer o óbvio, ou seja: que um dos
nossos dois grandes partidos perdeu o norte. Ou, como os analistas
políticos Thomas Mann e Norman Ornstein afirmam em seu livro It’s even worst than it looks
[É ainda pior do que parece], “o Partido Republicano se tornou um
‘excêntrico insurgente’... que não se deixa convencer pela forma
generalizada de entender os fatos, as provas e a ciência”. É um partido
em que não há lugar para posições racionais sobre as questões mais
importantes.
Ou, dito de outra forma, os políticos republicanos de hoje não podem
estar falando sério. Não se quiserem ganhar as primárias e ter algum
futuro em sua formação. Economia extravagante, ciência extravagante e
política externa extravagante são elementos imprescindíveis do currículo
de um candidato.
No entanto, até agora os republicanos de destaque tentaram manter uma
fachada de respeitabilidade, o que ajudou os meios de comunicação a
continuar fingindo que estavam lidando com um partido político normal. O
que distingue Trump não são tanto suas opiniões, mas sua falta de
interesse em manter as aparências. Acontece que as bases do partido, que
exigem posições extremistas, também preferem estas sejam manifestadas
de maneira direta. Por que algumas pessoas ficam surpresas com isso?
Lembram que, depois de seu ataque contra John McCain, Trump supostamente iria desmoronar?
McCain –que encarna a estratégia de parecer moderado e adota ao mesmo
tempo posições extremas–, é muito apreciado pelos jornalistas, que
constantemente o trazem à televisão. Mas, por outro lado, os eleitores
republicanos não se importam nem um pouco com isso.
É possível que Trump realmente consiga a nomeação? Não faço ideia.
Mas, mesmo se no final o afastem, não prestem atenção em todas as
análises que lerão declarando o retorno à política normal. Isso não vai
acontecer: a política normal abandonou o Partido Republicano faz tempo.
Na melhor das hipóteses, presenciaremos um retorno à hipocrisia normal,
do tipo que encobre as políticas radicais, e ao desprezo pela evidência
com uma retórica de tom convencional. E isso não será nenhuma melhora.
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia de 2008
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