Parlamento Grego, Praça Syntagma - Wikipedia
Syriza, a austeridade e nós
Agnaldo dos Santos
É bastante conhecida a história
(com alta dose de ironia) de que, após questionado por um interlocutor acerca
dos impactos da Revolução Francesa na história, o líder chinês Deng Xioping
teria respondido: “É muito cedo para saber”... Para aqueles que se interessam
pelos destinos da esquerda contemporânea, a mesma resposta poderia ser dar à
seguinte pergunta: qual o impacto da queda do Muro de Berlim sobre o movimento
socialista?
Sim, porque após os episódios de
1989-1991 e o fim do bloco soviético, tivemos muitas crises econômicas
internacionais: 1997/98, 2000 e a maior delas, em 2008. E onde estava a
esquerda, principalmente a que se reivindica revolucionária? Muitos destes
grupos, que chegaram a comemorar a queda da “Madrasta do Leste”, continuaram
simplesmente encapsulados em seitas políticas e minúsculos grupos, não só
durante a forte hegemonia neoliberal dos anos 1990 como durante toda a
turbulência do início deste século. Presos a concepções políticas e palavras de
ordem centenárias, com práticas autoritárias baseadas no tal “centralismo
democrático”, a esquerda anticapitalista mostrou total despreparo para as
tarefas que se apresentaram nas últimas décadas.
É verdade, existe uma esquerda
social-democrata que não é anticapitalista e que também vem falhando ao fazer a
gestão do capital, para não dizer o seu trabalho sujo em muitas ocasiões. Quase
sempre preparam o terreno para o retorno eleitoral da direita, com D maiúsculo.
Mas salta aos olhos a total falta de autocrítica da esquerda anticapitalista
ante sua inoperância de propor agendas políticas e mobilizações sociais de
massa. É muito mais cômodo jogar a culpa nos outros, nos traidores, como dizia
Sartre sobre quem é o inferno...
Um bom exemplo sobre este dilema é
o silêncio que se seguiu entre os grupos de esquerda anticapitalista após a
total capitulação do governo grego comandado pela Coligação de Esquerda Radical
- Syriza frente à União Europeia. Após a eleição parlamentar que deu maioria ao
Syriza em janeiro de 2015, empossando Alexis Tsipras como primeiro-ministro,
este governo ameaçou romper com a EU e decretar moratória das dívidas
gigantescas que seu antecessor conservador havia contraído junto a bancos
alemães e franceses, sob a tutela da Troika (Banco Central Europeu, FMI e
Comissão Europeia). Depois de meses de impasse, o governo convocou um
plebiscito para consultar a população sobre a adoção ou não das medidas de
austeridade impostas pela EU, que implicava pesados cortes em programas
sociais, aposentadorias, redução dos salários do funcionalismo público etc.
Mesmo conseguindo uma significativa vitória de mais de 60% contra a
austeridade, comemorada até por economistas como Joseph Stiglitz e Paul
Krugman, o governo Tsipras não resistiu à pressão dos credores e da Alemanha e
assinou em julho um acordo que garantia um empréstimo de 86 bilhões de euros,
em troca de um plano de austeridade. Que por sinal de nada adiantará, pois o
próprio FMI estima que a dívida grega pulou para mais de 200% do seu PIB e é tecnicamente
“impagável”. Então a manutenção da Grécia na Zona do Euro foi um tapa com
luva de pelica no rosto de toda a esquerda europeia e mundial: “não adianta a
retórica, vocês não têm nada para colocar no lugar, quem manda é o mercado”.
Interessante que Tsipras havia
ameaçado renunciar caso o plebiscito não lhe desse a vitória do “Não”, mas o
fez apenas em 20 de agosto, depois de aceitar os termos da Troika, que alegou
ter feito a contragosto em nome da responsabilidade. Um grupo já declarou
rompimento com o Syriza e promete criar nova agremiação mais à esquerda. E não
se sabe como se comportará a partir de agora o grupo espanhol “Podemos”, outra frente
de grupos políticos de esquerda que aguardava ansiosa por uma saída digna da
Grécia para propor o mesmo à Espanha. Notemos: todos estes grupos são
referência para a esquerda anticapitalista brasileira, em especial o PSOL, que
parece resignado e pouco vem debatendo o assunto nas redes sociais e nos
debates públicos. Torna-se mais significativo porque alguns de seus quadros
vinham defendendo que o governo Dilma merecia cair porque aceitou o ajuste
imposto pelo mercado, emudecendo, contudo, sobre o similar grego.
Então, é cedo para avaliarmos a
queda do socialismo do Leste? Ao que parece, toda a esquerda (social-democrata
e anticapitalista) ainda está atordoada com o nocaute de 1989, e não será
tarefa simples construir a contra-hegemonia, uma vez que o capital parece ter
aprendido lições com 1929 e recompôs rapidamente sua hegemonia, impondo sua
agenda. Muito mais difícil ainda será a tarefa enquanto todos estes grupos
preferem apontar os dedos uns aos outros para acusarem-se de traidores,
esquerdistas etc, enquanto caminham todos para se unirem na cadeia com o
recrudescimento político e a possível perseguição jurídica a tudo o que esteja
relacionado à esquerda, radical ou não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário