1. Na oposição entre valor e valor-de-uso, estampada logo no primeiro capítulo do livro primeiro de O Capital, de Karl Marx, reside implícita a oposição entre o abstrato e o concreto.
2. Quanto mais desinibida a divisão social do trabalho, mais longe de produzir para si próprio, segundo suas necessidades concretas de valores-de-uso, encontra-se o trabalhador, portanto mais abstrato seu trabalho e mais dependente da circulação de mercadorias, vale dizer, do dinheiro, para prover seu sustento concreto. Mister aduzir, outrossim, que quanto mais desinibida a divisão social do trabalho (e portanto mais abstrato o próprio trabalho), mais concretas as necessidades de consumo do trabalhador, em razão do progressivo acréscimo de novos valores-de-uso.
3. O dinheiro, vale dizer, a circulação de mercadorias, consiste na forma abstrata de prover necessidades concretas, vale dizer, necessidades de valores-de-uso, e nessa oposição entre abstrato e concreto radica a contradição primordial entre oferta e demanda ínsita à sociedade capitalista, geradora de crises econômicas cíclicas.
4. O capital consiste, em sua essência, na subsunção dos meios de produção, portanto do próprio processo de produção, ao dinheiro, vale dizer, à circulação de mercadorias, e tal subsunção convola a circulação de mercadorias em circulação de capital, bem assim a produção de mercadorias em produção de capital.
5. Os processos de produção e circulação de capital, destarte, consistem na forma hodierna e vigente de provento abstrato de necessidades concretas; vale dizer, a mediação entre o produtor concreto e suas necessidades concretas (por valores-de-uso) realiza-se abstratamente pelo capital.
6. A tecnologia da informação guarda o condão de aumentar a velocidade de circulação de capital e, via oblíqua, a velocidade de produção de capital, de tal sorte que o aprofundamento da divisão social do trabalho compensa-se por esta aproximação gradativa entre produção e consumo viabilizada por tal tecnologia.
7. A contradição desvelada em 6., acima, guarda também o condão potencial de reunir, pela tecnologia da informação, a produção e o consumo concretos, a saber, de valores-de-uso, sem a mediação abstrata do capital; vale dizer, se forem conectados, pela tecnologia da informação, produtores e consumidores concretos de valores-de-uso, a mediação abstrata do capital torna-se despicienda.
8. Na contradição desvelada em 7., acima, radica a oposição entre forças produtivas (tecnologia da informação) e relações de produção (capital).
(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)