John Kennedy Ferreira*
"E
justamente quando parecem estar empenhados em transformar a si mesmos e as
coisas, em criar algo nunca antes visto, exatamente nessas épocas de crise
revolucionária, eles conjuram temerosamente a ajuda dos espíritos do passado,
tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem, o seu figurino, a
fim de representar, com essa venerável roupagem tradicional e essa linguagem
tomada de empréstimo, as novas cenas da história mundial” 18 Brumários, K Marx.
1) O governo Bolsonaro se apresentou à sociedade brasileira como um
intervalo entre o Estado de Direito e uma Ditadura, incorporado por uma
liderança de ultradireita, abriu uma luta contra a cultura e a qualquer crítica
que possa ser formulada na sociedade. Tudo isso é parte de uma articulação ultraconservadora
que visa no plano econômico o máximo de liberdade econômica (assessorada pelo o
Estado), e de outro lado, o máximo de controle individual.
2) No aspecto controle
individual a luta contra a emancipação política das mulheres, dos LGBT, negros,
índios... É fundamental para manter o controle social e ampliar ao máximo de
exploração sobre as classes trabalhadoras.
3) Foi dessa forma que,
ancorado nas teses políticas do Escola Sem Partido, Bolsonaro e seus aliados se
instalaram no governo. Desde o primeiro momento o alvo foi a educação (e a
cultura). Não foi apresentado nenhum plano de governo, só discursos sobre a
necessidade de cortes e ideias obscurantistas como a de obrigar os alun@s a
cantarem hino nacional, militarização das escolas, redução do conteúdo à
linguagem, à matemática e à bíblia como base do saber. Concepções que levou à queda do primeiro
ministro Vélez e sua substituição pelo ministro Abraham Weintraub.
4) Weintraub declarou guerra ao
ensino cortando cerca de 25% da educação básica e 30% da educação
universitária. Os cortes na educação básica afetam capacitação profissional
(25%), Educação de Jovens e Adultos (35%), programas de educação infantil
(15,7%), manutenção e estrutura de creches e escolas (30%). Todos os cortes foram
justificados em nome da Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige o pagamento
dos juros ao sistema financeiro e aponta os cortes nas áreas sociais como
equilíbrio econômico.
5) Na educação universitária os cortes estão na casa de 30%
(dependendo da instituição). O mesmo vale para os Institutos Federais, com
cortes que podem ir além de 40%. Igualmente as bolsas e cursos de pós-graduação
passaram a ser profundamente atacados pelas políticas de Bolsonaro. Trata-se
antes de tudo, de uma política ideológica contra a educação, contra o
conhecimento e a ciência brasileira, responsabilizadas por um suposto
"marxismo cultural", por balbúrdias e atitudes ilícitas, porém atrás
dessas críticas há os interesses das empresas privadas de educação.
6) O alvo de propaganda são as áreas de humanas, notoriamente a
sociologia e a filosofia, mas os cortes se dão com maior profundidade nas áreas
ligadas à saúde e exatas, afetando a produção de vacinas, tratamento de câncer,
paralisando obras de construção de
hospitais, pesquisas sobre energias, agriculturas etc.
7) Durante as últimas 4 semanas tivemos uma intensa campanha de
propaganda e de fake news, com
imagens descontextualizadas, fotos de outros países etc. Tudo no sentido de construir um consenso sobre o papel negativo
das universidades e da educação pública e sua necessária privatização. A
surpresa foi a reação dos professores, funcionários, pais, população e
principalmente estudantes que correram escolas, bairros distantes, fizeram
cartazes, panfletos e construíram uma imensa mobilização em “15M”, que alcançou
mais de 220 cidades e contabilizou mais de 2 milhões de participantes.
8) 15 de Maio foi o primeiro grande ato popular contra o Governo
Bolsonaro!!!!
9) Deve-se salientar que o Governo vem sofrendo desgaste e está
perdendo a confiança de sua base eleitoral. A incapacidade de chegar a um
acordo com o Centrão sobre o tamanho do Estado, a (contra) reforma da
previdência, o pacote de (anti) crime do ministro Moro, o desgaste com os
militares protagonizado nas mensagens de Twitter do guru astrólogo Olavo de
Carvalho, o enfrentamento com o STF e a desmoralização da imagem do país no
estrangeiro dão o tom das trapalhadas do governo Bolsonaro. Igualmente o Brasil perdeu mercado
estrangeiro na China, UE, Rússia, Argentina e Oriente médio, causando prejuízos
à setores que o apoiaram e fazendo com que boa parte da população se pergunte:
afinal quando ele começará a governar?
10) Avesso a qualquer discussão democrática a opção do governo Bolsonaro
foi rápida, imediatamente convocou suas bases ao confronto no dia 26/05. A mobilização tem como mote a denúncia
"da ingovernabilidade do país por conta dos grupos corruptos que infectam
o parlamento e o necessário impeachment
de membros do STF" e contará com apoio de setores conservadores,
reacionários e, pelo menos, boa parte das igrejas evangélicas
neopentecostais.
11) Ao menos por enquanto o governo mantém-se fechado a qualquer
diálogo com os setores opositores. A PEC 95 (a da Morte) colocou o Estado numa
situação de ingovernabilidade especialmente agora que se aproxima uma nova
recessão econômica mundial. A situação econômica é totalmente refém da lei de
responsabilidade fiscal. Essa armadilha que o governo aceitou apresenta-se como
o principal problema para a negociação, pois se resolver suspender os cortes na
educação, terá que tirar verbas das forças armadas.
12) O fato é que o Bolsonaro conhece uma perda de credibilidade e pode
conhecer nos próximos dias uma imensa derrota popular. A quebra de sigilo
bancário de seu filho, o Senador Flávio Bolsonaro e de seu assessor Fabrício
Queiroz e o envolvimento do senador com os milicianos e com a morte da Marielle
Franco é visto como contundentes. Tal
fato pode inclusive chegar à presidência da República, já que a esposa do
presidente Michele Bolsonaro, também terá suas movimentações bancárias
investigadas.
13) O movimento de Bolsonaro apresenta-se como uma cartada definitiva
apontando para o fechamento do congresso e do STF e visa aprofundar o golpe de
2016. Dois cenários emergem daí: se forem vitoriosos, teremos uma ditadura; se
forem derrotados, o governo marcha para seu fim o que possibilita a renúncia negociada impedindo o
prosseguimento das investigações criminais.
14) Do lado da oposição de esquerda, as manifestações de 15 Maio deram
alento e revigoraram as vontades. Aparentemente a tática do governo foi crer
que os cortes mobilizariam apenas a chamada educação de elite (universidades e
os institutos federais), mas a força dos sindicatos dos professores em maior
grau e a mobilização da estudantada possibilitou que o movimento paralisasse a
maioria das escolas de ensino médio e fundamental das grandes cidades. Vale
dizer, que a derrota do governo não significa a derrota do neoliberalismo e de
sua agenda e pode-se tirar o atual presidente e ter-se outro neoliberal por
mais 8 anos como ocorreu na queda de Collor de Melo.
15) O movimento pode crescer e tem terreno para isso, mas precisa
alcançar e mobilizar a juventude da periferia que não tem clareza do que
significam os cortes e de que forma eles podem afetar desde o acesso ao livro
básico à refeição, emprego e futuro. As entidades estudantis têm fundamental
importância nesse processo mobilizatório, mas para tanto precisam rever a
situação elitista em que se encontram e o seu apartamento dos problemas
cotidianos das escolas e faculdades.
16) O Núcleo do avanço das manifestações deve estar nas relações
sociais concretas como a questão do combate ao desemprego, a questão da
previdência, o aumento de salário, da soberania nacional e da estima nacional e
a reorganização do país. São os fatores concretos que mostram a possibilidade
de aproximação com o povo. Será o concreto casando uma mobilização efetiva
tendo como centro a Greve Geral de
14/06 que possibilitará a passagem do cenário de defensiva.
17) Igualmente a questão da reorganização constitucional brasileira e
da soberania está em pauta, a Libertação de Lula e de outros presos políticos é
tarefa fundamental na atualidade, a superação do golpe e da agenda passa pela
revogação da desnacionalização, passa por novas eleições presidenciais,
inclusive com Lula podendo se candidatar ao cargo.
21/05/2019
* Doutor em História Econômica (USP), Professor de Sociologia da UFMA