segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A onda conservadora e o impasse da esquerda - Antonio David






Antonio David, especial para o Viomundo


Em seu mais recente artigo na Folha de S. Paulo (25/12/2015), Vladimir Safatle procura desconstruir a imagem de uma “onda conservadora” na política brasileira.

Reconhecendo que “o Brasil sempre foi um país com uma grande parcela de sua população claramente identificada ao pensamento conservador”, Safatle enumera episódios da história recente do Brasil nos quais o conservadorismo aflorou, para então concluir: “nada disto mudou muito, só perdeu seu contraponto”.

Nesses termos, o problema residiria no contraponto, isto é, na esquerda:

“Mas seria interessante se perguntar se o fenômeno que vemos hoje é realmente uma onda conservadora ou simplesmente a decomposição radical do que poderíamos chamar de ‘campo das esquerdas’. Uma decomposição que não foi fruto de complôs internacionais e de recrudescência do ódio, mas de impasses e erros próprios”.

Onda conservadora – Se é verdade que o conservadorismo deita profundas raízes na sociedade brasileira, é difícil concordar que a atual conjuntura não tenha produzido algo de novo a partir do velho conservadorismo, ou seja, que não estejamos diante de um novo conservadorismo, mais forte e com novas feições.

A onda conservadora existe. Trata-se de algo novo e complexo, que vai do individualismo consumista produzido pelo lulismo nas classes subalternas até o sentimento de mal-estar na classe média tradicional em face da perda relativa de prestígio e status produzida pela mobilidade social dos últimos anos. As recentes manifestações pró-impeachment amparam-se nessa segunda vertente.

Talvez seja no cinema o campo em que aparece de maneira mais nítida a produção do conservadorismo a partir do tecido social.

Em meio a isso tudo, soa simplista a afirmação de que o fortalecimento de ideias e manifestações conservadoras na sociedade decorra da ausência do contraponto de esquerda. Na verdade, o que a experiência ensina é o exato oposto: o contraponto de esquerda tende a alimentar ainda mais o conservadorismo, como bem mostram nossos vizinhos latino-americanos, que não estão melhores do que nós.

Além disso, seria honesto lembrar que nossa onda conservadora foi sendo incrementada a conta gotas por contrapontos de esquerda, muitos dos quais vindos do governo (como o programa Mais Médicos, a Comissão da Verdade e as políticas das secretarias nacionais vinculadas à presidência da República, só para dar alguns exemplos). Não é por acaso que o alvo principal de Bolsonaro, Feliciano e cia. seja o PT. Uma leitura do conservadorismo no Brasil atual não pode deixar esses dados de lado.

É certo que o objetivo de Safatle é contrapor-se a um tipo de intervenção, próprio de uma militância governista fanática, para quem todos os problemas devem ser imputados à direita. Trata-se de um embate intelectual, no campo da crítica. Todavia, negar pura e simplesmente a existência de uma onda conservadora acaba sendo tão empobrecedor quanto atribuir todos os problemas à dita onda. Se o que se quer é polarizar com a militância governista, o resultado foi um nivelamento por baixo da polarização. Enquanto para uns tudo é onda conservadora, para outros não há onda conservadora. Entre uns e outros, é o pensamento crítico que perece, deixando o campo aberto para o fanatismo.

Impasse da esquerda – Se a decomposição radical do campo das esquerdas foi fruto de erros próprios, resta saber por que razão a crítica de Safatle não alcança o lugar de onde ele fala, isto é, a esquerda socialista. Isso inclui a esquerda do PT, bem como seu próprio partido e a tese à qual ele associou-se no interior do PSOL.

Tem sido lugar comum entre os intelectuais de esquerda a ideia de que apenas e tão somente o PT deve ser criticado. Para estes, a razão pela qual só o PT merece ser criticado é tão óbvia, tão autoevidente que sequer merece justificativa. “A culpa é do PT”, é o que se lê aqui e acolá.

Mas se estamos diante da decomposição do campo das esquerdas, como nota Safatle, não seria o caso de dirigir a crítica à esquerda no seu conjunto? Se a esquerda socialista é pequena ou muito pequena – argumento o mais das vezes utilizado por ela própria para eximir-se da crítica -, cabe notar que sua pequenez não é um dado da natureza, nem deve ser imputado pura e simplesmente ao sistema. Aqui também são os erros próprios que devem ser vislumbrados.

As duas últimas eleições presidenciais mostram que há espaço para uma terceira via. Um espaço eleitoral, político e social que, se ocupado pela esquerda socialista, empurraria a conjuntura para a esquerda. Não é exatamente a capacidade de a esquerda socialista ocupar um espaço social à esquerda a chave para o necessário contraponto à onda conservadora? A quem interessa uma esquerda socialista pequena e isolada, enquanto Marina e o PSDB polarizam com o governo e o PT?

Dizemos isso porque é o próprio Safatle quem lembra: “a última eleição teve uma candidata com 20% de votos e, no fundo, sem partido”. Ocorre que Marina chegou onde chegou não por acaso, mas fundamentalmente porque ela acertou. Não saiu do governo antes de o governo começar, mas na hora certa e do jeito certo. Não fez oposição ao lulismo, antes apresentou-se como continuação e superação deste.

Ao contrário do que muitos pensam, o espaço ocupado por Marina não se situa na classe média tradicional, mas na nova classe trabalhadora. Sobretudo entre os jovens e nas grandes cidades. Esse espaço não poderia ter sido ocupado pela esquerda socialista? Sim, mas as condições para isso não seriam simples. Exigiriam da esquerda socialista e do PToutra estratégia política. Uma estratégia de esquerda, na qual lulismo e esquerda socialista convergiriam.

Apesar de central, a eleição majoritária não resolve o problema da composição do Congresso Nacional. Quanto a isso, tanto quanto é pobre a afirmação de que o Congresso representa a população – como se existisse representação política perfeita -, a negativa também é simplista e empobrecedora. (Para um estudo sério sobre o assunto, ler André Singer, Esquerda e direita no eleitorado brasileiro, Edusp, 1999; há inúmeras monografias produzidas recentemente sobre o assunto).

Ao contrário do que Safatle argumenta, não há uma tendência do voto de presidente influenciar o voto proporcional, ao menos não como Safatle quer fazer crer. Os resultados estão disponíveis para quem quiser ver.

Finalmente, imaginar que, sob outras leis eleitorais e com outra mídia, o Congresso Nacional seria qualitativamente mais à esquerda, soa como uma maneira de apaziguar a consciência. Primeiro porque as leis eleitorais e a mídia são as armas do inimigo, e numa guerra nunca o inimigo abdica de suas armas (1); segundo porque as pessoas pensam, de modo que o voto é sim expressão de uma percepção do eleitor(a) sobre a posição que o candidato(a) e/ou o partido ocupam no espectro ideológico. E, afinal, “o Brasil sempre foi um país com uma grande parcela de sua população claramente identificada ao pensamento conservador”.

Crítica e autocrítica – Veja-se o caso da Espanha: o Podemos teve uma votação impressionante, como bem lembra Safatle. Mas convém notar: com as mesmas regras eleitorais de sempre (2). Nós também podemos, desde que façamos como eles: entendamos o Brasil e inovemos nossa estratégia. Criemos uma estratégia adequada ao Brasil, capaz de fazer frente às condições tais quais existem.

O problema é que isso exige autocrítica, e toda autocrítica coloca em risco a própria identidade e a coesão do grupo, e nem todos estão dispostos a enfrentar o fantasma da crise de identidade e da quebra da coesão. Mais cômodo e seguro é aferrar-se à situação atual, ainda que seja de derrota.

A paralisia não acomete apenas o PT e o governo – que também devem fazer uma dura autocrítica.

Há também na esquerda socialista uma situação de paralisia, ou seja, uma fixação ideológica que impede a inovação estratégica: tanto quanto o PT não consegue incorporar em sua estratégia a esquerda socialista, que não ocupa lugar algum na estratégia do lulismo, esta – esquerda socialista – igualmente não consegue incorporar o lulismo em sua estratégia. Enquanto a única alternativa que o lulismo produziu foi Marina, a estratégia do PSOL segue sendo a mesma dez anos depois de sua fundação: oposição.

Se há paralisia, o ponto é que a paralisia é da esquerda no seu conjunto e só dessa perspectiva ela pode ser compreendida. Daí a razão pela qual a superação dos impasses da esquerda no atual momento histórico exige um esforço mais elevado de crítica, de uma crítica dirigida à esquerda no seu conjunto. Crítica dirigida apenas ao PT ou apenas à esquerda socialista não é crítica, mas caricatura de crítica.

A recusa de Safatle em associar à crítica ao PT a autocrítica – não dele, pessoal, mas do lugar de onde ele fala – é emblemática do momento por que passamos no campo intelectual e político na esquerda brasileira. Momento que carece superarmos.

(1) É conhecido o argumento, preponderante entre a esquerda socialista, de que o PT (o governo) poderia mudar as leis eleitorais e a mídia se quisesse, e de que a mudança não ocorreu porque o PT (o governo) não quis. Por vezes, o argumento é mais sofisticado: o PT e o governo poderiam mobilizar a população para, nas ruas, desequilibrar a correlação de forças do Congresso e, com isso, aprovar quaisquer medidas; mas o PT e o governo abdicaram da mobilização como estratégia – o que é verdade, embora não seja verdadeira a ideia de que a mobilização provavelmente conduziria a um resultado favorável.

Há, enfim, quem compare o Brasil com a Venezuela, ignorando que o chavismo surgiu de processos muito particulares (cada país tem a sua história) e que o PSUV sozinho logrou por muitos anos ter maioria no parlamento venezuelano. Com argumentos como esse, demonstra-se apenas uma profunda ingenuidade, uma visão romântica da política brasileira, na qual se ignora a situação concreta das classes sociais no Brasil – alguns na esquerda socialista chegam a atribuir à classe média uma feição progressista! – e na qual se atribui ao PT (e ao governo) um poder que estes definitivamente não têm. No fundo, estes argumentos apenas demonstram uma fantasia a respeito das classes sociais no Brasil e o desejo de um governo com superpoderes, o que não deixa de ser irônico em face da pouca força daqueles que argumentam nesse sentido.

(2) Para compreender como o Podemos construiu uma estratégia original a partir de uma leitura avançada da situação concreta da Espanha, conferir: Pablo Iglesias, Entendendo o Podemos, Revista Mouro, janeiro de 2016, tradução de Joana Salém Vasconcelos (contato@mouro.com.br)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Ebook para baixar: A Conjuntura Econômica e Política Brasileira e Argentina





O presente livro condensa os resultados das discussões e das reflexões ocorridas no XIV Fórum de Análise de Conjuntura “Os rumos da política e da economia brasileiras no ano de eleições”. O Fórum de Conjuntura, um dos eventos mais tradicionais da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, destina-se a discussão de temas candentes da conjuntura política, social e econômica nacional e internacional. Nesta edição o tema do evento consistiu na conjuntura eleitoral, que foi abordada ao longo das mesas em seus múltiplos aspectos. Os trabalhos apresentados também buscaram situar o Brasil no contexto de crise do capitalismo global, além de traçarem um paralelo da situação brasileira com a de alguns países da América Latina, em especial com a Argentina.

XV Fórum de Análise de Conjuntura - Unesp Marília


terça-feira, 22 de setembro de 2015

Análise:

As Aporias da Ortodoxia Econômica





Tornou-se lugar comum, no âmbito da ortodoxia econômica, culpar certo “populismo do PT” pela atual crise por que passa o Brasil, de tal sorte que, segundo tal tese, a trajetória de crescimento da dívida pública acima do crescimento do PIB seria a causa da recessão em que nos enredamos hodiernamente.

Ouçamos, a propósito, o atual presidente do Insper, e outrora secretário de política econômica do governo Lula, Marcos Lisboa, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, aos 20 de setembro de 2015: “As despesas no Brasil crescem por dois motivos principais. Primeiro, por causa das regras de vinculação da despesa pública. À medida que o país cresce, aumentam as despesas com educação, saúde e vários outros programas. Quando o país para de crescer, não é possível reduzir essa despesa. Na média, portanto, essas despesas crescem acima do PIB.”

À primeira vista brilhantemente sintética e esclarecedora, tal explicação, no entanto, enveredou por uma aporia, ou seja, uma contradição lógica sem solução, senão vejamos.

De fato, o que o nobre economista Marcos Lisboa explica é na verdade o efeito da recessão, e não sua causa, pois quando há redução do crescimento do PIB e as despesas públicas, por causa da vinculação precedente, permanecem inalteradas, ocorre, com efeito, um aumento da dívida pública em relação ao PIB, o que esclarece porque essa dívida pública cresce sob ponto de vista de percentual do PIB, mas isso nada diz a propósito das causas da própria redução do crescimento do mesmo PIB, ou seja, isso nada elucida em relação à própria recessão, de tal sorte que aquilo que era para ser explicado, ou seja, a causa da recessão, remanesce incógnito.

A aporia ortodoxa parece-nos sintomática de um equívoco muito comum nessa vertente da teoria econômica, qual seja, o consistente em examinar a crise do capitalismo, como sistema mundial, sob prisma meramente nacional, o que conduz à esterilidade desse tipo de estudo e de suas recomendações de política econômica.

Cabe, pois, retomar o exame da crise do capitalismo sob viés mundial, máxime à luz do marxismo, seja em seu aspecto subconsumista, seja em seu aspecto cíclico. O certo, no entanto, é que o capitalismo mundial, além de socialmente injusto, por engendrar desigualdades injustificáveis, apresenta-se, acima de tudo, economicamente ineficiente, com seu desenvolvimento errático e caótico.

Por Luis Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Lançamento: Frente Nacional na Colômbia (1958-1974)







Lançamento livro: A Frente Nacional na Colômbia (1958-1974): a ditadura democrática das classes dominantes

Neste livro, o leitor terá em mãos uma instigante análise histórico-política sobre o período da Frente Nacional na Colômbia, a forma de domínio implementada pelas classes proprietárias na Colômbia num período de intensificação da luta de
classes, cuja repressão exercida no âmbito de uma democracia restringida teve como resposta extrema a organização armada de camponeses e vários grupos de esquerda.
Trata-se de um período crucial para se entender os atuais impasses em que se encontram as forças políticas e sociais na Colômbia.
O livro também conta com um importante Prefácio escrito por Carlos Lozano, jornalista, dirigente do Partido Comunista Colombiano e uma das principais lideranças no país identificadas à luta pela paz, a democracia e o socialismo .

Sinopse do livro:
“A resistência armada nem sempre é uma escolha.
A Colômbia é o exemplo mais patente de um processo de repressão sem-fim de adversários políticos sob instituições aparentemente livres. A violência institucional e extralegal das classes dominantes condicionou o modelo organizativo da esquerda colombiana e a conduziu a uma situação histórica crucial em que só podia reagir pela luta armada ou perecer.
Mais do que se imagina, a “Democracia Restringida” não é uma peculiaridade colombiana, e sim uma característica permanente da América Latina, embora Ana Carolina Ramos revele as singularidades do processo histórico de um país dependente e de enorme diversidade geográfica e cultural.
Este livro nos ensina que a Democracia plena e participativa está no futuro e não no passado”.

Lincoln Secco
Professor Livre-Docente de História Contemporânea na Universidade de São Paulo (USP).