segunda-feira, 19 de março de 2018

Louis Althusser cometeu exageros, mas era um comunista sincero






Luís Fernando Franco Martins Ferreira




Além do bicentenário do advento de Karl Marx, este ano de 2018 marca o centenário de nascimento do polêmico filósofo marxista Louis Althusser, destacado dirigente do Partido Comunista Francês falecido em 1990, após dez anos de ostracismo intelectual por ter cometido, em 1980, homicídio contra sua própria companheira durante um surto psicótico decorrente de transtorno bipolar, doença então conhecida como psicose maníaco-depressiva, sendo certo, todavia, que este protagonista foi considerado inimputável e internado em manicômio judiciário.

A obra de Althusser, influente e multifacetada, é geralmente associada ao marxismo e ao estruturalismo, e guarda entre suas características mais evidentes o assim designado "anti-humanismo teórico", pelo qual, grosso modo, examina o processo histórico de forma radicalmente objetiva e desprovida de sujeitos humanos, pois os indivíduos representariam meros vetores de determinações estruturais do capital.

Meu camarada Lincoln Secco, professor livre-docente de história da USP, certa vez me asseverou, com razão, que Althusser cometeu exageros, mas era um comunista sincero. Eu também acredito nisso, pois podemos divisar, de certa forma, no anti-humanismo teórico desse filósofo uma vereda para o humanismo prático, nos seguintes termos:

Minha hipótese, resumidamente, consiste na ideia de que, em "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels, reside o argumento de que, enquanto houver divisão em classes sociais, a "humanidade" somente pode ser um conceito vago e abstrato, ou seja, ideológico, sendo certo que sua realidade concreta somente será efetiva com o advento do comunismo a nível internacional, ou seja, com a extinção das classes sociais e também da divisão política entre países. Logo, o comunismo é que inaugura a humanidade em seu sentido prático e concreto, e os indivíduos deixarão de ser meros vetores de determinações estruturais do capital para desfrutarem da verdadeira liberdade, uma liberdade também prática e concreta. Nesse sentido, o humanismo em "A ideologia Alemã" é um humanismo histórico, prático e concreto, que peleja e luta pela construção da verdadeira humanidade sob a égide do comunismo, quando então os indivíduos concretos associados figurarão como efetivos sujeitos de sua própria história, com desdobramentos inclusive no plano da psique, pois as estruturas objetivas e inconscientes cederão espaço para uma consciência mais abrangente e uma razão mais poderosa.

Não sei, e obviamente nunca poderei saber, se Althusser concordaria com tal hipótese, mas posso dizer, sem rebuços, que seu anti-humanismo estruturalista inspirou-a de forma bastante dialética, pois resgatou seu negativo na forma de um humanismo bem evidente no jovem Karl Marx e mesmo em "A ideologia alemã"


quinta-feira, 15 de março de 2018

NOTAS SOBRE a BASE NACIONAL do CURRICULO COMUM – BNCC









John Kennedy Ferreira*

Essa pequena nota é parte de um esforço para entender a reação conservadora no ensino nacional. Tomei como base, artigos de especialistas   como Luiz Carlos Freitas, Salomão Ximenes, Fernando Penna, Fernando Cassio entre outros. Artigos publicados em sites e revistas como Jornal da Ciência, FioCruz, Blogs, Ação Educativa, Revista da Unisinos, notas de universidades e  associações profissionais. Além de troca de opiniões com estudades e colegas.
I. histórico
A criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC),  iniciou-se através da  lei 9394/96  que institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e determina que: 
A BNCC tem como função regular a elaboração dos currículos que serão aplicados em todo rede  pública e privado de ensino infantil ao ensino médio.  É um documento de caráter normativo e tem com finalidade definir os conhecimentos, competências e habilidades que todos estudantes devam saber na educação básica. 
Em sua primeira fase, 1997 a 2000, foi organizada os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que são as diretrizes educacionais elaboradas pelo MEC para a rede de ensino pública e privada, este processo envolveu a participação de educadores.
A partir da portaria nº 10/2008 do MEC é desencadeado o processo de organização da Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010, envolvendo professores, pais, alunos e interessados. Nesta é instituído a Base (CONAE) assumida como parte do Plano Nacional de Educação.
 De 2010 a 2012 foi instituído as Nova Diretrizes Curriculares Nacionais que atualizam os currículos e formaliza as metas das Educação Básica do pais para um período de 10 anos e através da lei  13005/14 instituiu o Plano Nacional de Educação - PNE -que estabeleceu 20 metas para melhoraria da qualidade da Educação Básica.                
Entre as ações estratégicas  está a Base Nacional Comum Curricular.
Em 2015, é organizada o debate entre especialistas e em seguida apresentada (consulta) a população através dos conselhos estaduais e municipais de educação. Em seguida o MEC redigiria o documento que seria sancionado no Conselho Nacional de Educação (CNE) e por fim   BNCC seria sancionada  pelo governo federal
II. As 4 versões da BNCC
A primeira versão da BNCC é apresentada em março de 2015, gerando polêmica entre o ministro da Educação Renato Janine Ribeiro e os especialistas. O centro da polêmica deu-se em cima do currículo de literatura e história que não contemplava áreas como cultura pré-colombiana, África, Ásia, Revolução Industrial etc.
A segunda versão é feita em maio de 2016 já com Aloizio Mercadante como ministro da educação, que inicia um processo de revisão da primeira proposta, tentando sanar as debilidades. A versão seguiu para aprovação em junho de 2016, mas com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff ocorreu troca de comando do MEC e a segunda versão foi suspensa.
Em setembro de 2016 o MEC, já com Mendonça Fillho,  estabelece através de Medida Provisória (MP)  746/16 a Reforma do Ensino Médio (novo ensino médio), Este impactou a construção integrada e orgânica de todos os ciclos  da Base (artigo 36 da LDB q foi alterada).  Dessa maneira a BNCC foi desmembrada em duas etapas, uma que que versa  sobre o ensino infantil e fundamental e outra sobre  ensino médio, sendo esta margeada pela MP 746. Sobre o ensino médio a MP impõem medidas complementares mas toda rede deve se equacionar a 746/16  nas diretrizes curriculares, capacitação, formação etc
Com o desmembramento da educação, a terceira versão da Base, é focada apenas na educação infantil e fundamental
A quarta última versão, a que foi aprovada e sancionada pela 
Presidência da República, foi apresentada no dia 5 de dezembro ao Conselho Nacional de Educação e votada em 15 de dezembro.

III. O impacto da nova BNCC sobre o ensino e as licenciaturas.
A nova BNCC foi discutida e aprovada em apenas 10 dias, sem que tivesse  tempo hábil para qualquer debate na sociedade, destaca-se que as principais associações e entidades científicas do campo educacional, como Anfope ([Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação), ANPed (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade), Forundir (Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação e Equivalentes) e outras se posicionaram contrários ao seu conteúdo. 
Dessa forma a nova BNCC apresenta as seguintes características:
Ensino Médio
 A nova BNCC prioriza uma educação centrada a escola de tempo integral, segundo a meta  6 (seis)  do PNE (lei 13.005/14) até 2024,  50% da escolas e 25% das matriculas (dos diferentes ciclos) deverão estar no ensino integral. 
Isso significa que a jornada passa a 4.200 horas no ciclo médio, sendo que 42% serão compostos por disciplinas do BNCC e os demais serão atividades técnicas, recreativas etc
O  currículo é composto  de treze disciplinas obrigatórias - português, literatura, matemática, geografia, história, física, química, biologia, filosofia, sociologia, língua estrangeira, artes e educação física. As disciplinas obrigatórias - vão do primeiro à metade do segundo ano - e parte escolhida pelos estudantes, conforme seus interesses e preferências – da metade do segundo ao terceiro ano. 
Na MP 746/16 Sociologia e filosofia são saberes “estudos e práticas” desejadas, mas não citam como disciplinas em questão, podendo ser excluídas da grade 
Os três anos do ciclo médio terão como disciplinas obrigatórias apenas: português, matemática (e inglês), que comporão 60% da grade escolar as demais disciplinas serrão flexibilizadas e 40% serão escolhidas conforme a área de afinidade do aluno 
Serão ofertadas 5 áreas de conhecimento chamados de Itinerários Formativos: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional
As SEEs definirão quais as áreas de conhecimento em regiões e cidades. É bem possível que numa determinada região ou cidade  seja ofertada apenas uma área de conhecimento. Levando-se em conta que 53% das cidades brasileiras tem apenas uma escola com ensino médio, significa que muitos alunos que não se adequarem ao itinerário ofertados, serão obrigados a deixar a escolas. Isso pode fortalecer a tendência de alta da evasão escolar do fund 2 p o médio conforme mostra relatório de 2017 do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ) e os dados PNAD/IBGE-2014.  De forma tácita, o ensino privado será priorizado em detrimento do público, já que possivelmente as escolas privadas ofertarão as 5 áreas de conhecimento. Destaco que o Maranhão figura entre os estados com maiores índices de evasão nas séries iniciais e terminais de todos os ciclos o que pode agravar o quadro no estado.
A flexibilização também implica em  fatores organizativos como: alguns professores terão mais hora/aula entre um semestre ou noutro, haverá descompasso entre as disciplinas e a capacidade sistematizadora dos cursos, as matérias técnicas tendem a tirar espaço das matérias propedêuticas.
Esse modelo prioriza a tecnização e a vinculação da educação as necessidades imediatas do mercado o que implica na adequação dos equipamentos e no   aparelhamento  com investimentos em infraestrutura. Não há clareza de onde virão os recursos. A lei de teto fiscal (Emenda Constitucional 95) impossibilita realocamento de recursos ou ampliação da Receita por 20 anos. Além desses limites houve   cortes na educação (foram de 12% em 2017 e  de   32.9% em 2018  aprovadas na Lei Orçamentária Anual- LOA). 
Segundo anúncio do MEC as verbas poderão vir de empréstimo externo entre o MEC e o Banco Interamericano de desenvolvimento (BID) firmados em maio de 2017. Ou seja, congela-se o orçamento com a educação e endivida-se externamente.
Também aqui abre-se a possibilidade para que o fornecimento da infraestrutura do escolar seja feito por gestão privada através de cessão do uso ou por parceria público privada (PPP).
Igualmente, em detrimento dos cursos de licenciaturas serão ofertados certificados de Notório Saber ( arti 61- inciso 5) para técnicos, bacharéis etc que lecionem em disciplinas técnicas, da mesma forma serão certificados instituições privadas que possam fornecer essa certificação.  .
No aspectos das disciplinas e do modelo educacional optado, teremos a implantação de uma educação   estandardizadas em modelos avaliativos na forma de testes, em termos pedagógicos  conteúdos como racismo, homofobia, machismo e o trato com a diversidade social  etc. poderão deixar de ser capítulos nos livros didáticos ou mesmo figurar nas disciplinas. O que significará na prática uma modificação nos livros didáticos de educação física, biologia, química, ciências, história, artes, geografia, português, filosofia e sociologia.
Fundamental I e II
A BNCC foi aprovada em dezembro apenas a parte do ensino fundamental, essas traz mudanças que destacaremos  
 antecipa a alfabetização do 3ano  para o 2 ano do fund 1 é definido o  aprendizado para bebês e crianças com menos de 6 anos
Na nova BNCC o ensino de história é organizada sobre fatos e cronologia; a língua inglesa torna-se obrigatória e a lingua espanhola optativa, amplia-se em 20% o uso de tecnologia e volta o ensino religioso como obrigatório.
fica definido que até 2020 o ensino religioso passa a ser parte obrigatório do currículo, as crianças deverão estar alfabetizadas até o 2 ano, a questão de gênero, será discutida numa comissão especifica da CNE, mas há  uma forte tendência para ser colocada dentro do ensino religioso, as redes de ensino deverão  adequar seus currículos segundo a BNCC. O material didático será produzido segundo as novas diretrizes e os professores serão capacitados / preparados essa nova ordem.
Na nova BNCC serão quatros as disciplinas obrigatórias para o fund2 e fund1, a saber: matemática, português, inglês e ensino religioso.
Há um sério debate sobre o ensino religioso e o Estado laico. Foi indeferida pelo STF  Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439/17 que determina que o ensino religioso  deveria ser ministrado de forma confessional ou não, desde que as mariculas fossem facultativas como previsto na Constituição de 1988, A nova BNCC isso não foi levado em consideração 
Cada estado da federação definirá a religião que deverá ser ensinada, ex. se um estado tem um sociedade ligada as tradições new pentecostais, esse será o perfil do ensino religioso.

Considerações finais 
Licenciaturas
Todas as licenciaturas terão que se adequar as novas diretrizes (Residência pedagógica) e normas em até 2 anos, sendo uma clara contradição com a  liberdade de catedra presente no artigo 206 da LDB e a autonomia universitária. 
Nas novas diretrizes há forte priorização ao ensino privado. As licenciatura públicas além de sofrerem cortes de verbas, enfrentam algumas novas concorrência ex. segundo o novo parecer expresso na CNE/CP n.º 2, de 09/06/2015 é ressuscitada a licenciatura curta, com a redução de horas na formação docente, podendo inclusive no caso da segunda formação, ser cursado em apenas 3 meses. Igualmente o  PBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), tende a ser extinto e foi lançada  à Nova Residência Pedagógica feita em parceria/convênios com SEE e SMEs. Neste projeto os alunos a partir do 5 semestre de licenciatura farão estágio supervisionado pela universidade e terão também  um preceptor, que será o professor de educação básica atuante na escola participante responsável por supervisionar o estágio.
Ainda não foi regulamentado a lei (Projeto de Lei 839/2016,) de notório saber, mas pela MP746/16 é prevista que o certificado é feito por banca de professores notáveis da rede pública indicados pelo dirigente regional ou através de bancas de  instituições privadas, dessa forma o Estado desonera sua obrigação na formação de professores e pode lançar no mercado pessoas com qualificação duvidosa.
No ensino religioso, temos  a construção de um mercado  de cursos de licenciatura em religião, isso pode ser visto pelos projetos apresentado como o PL nº 309, de 2011 de autoria do deputado Marcos Feliciano, isso já é realidade em alguns estado como o Rio de Janeiro.
Nas diretrizes pedagógicas, a educação baseada em testes representa  um modelo cujos os resultados são questionados pedagogicamente e empiricamente nos dados de análise do IDEB/INEP (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) . Esse modelo de vincular aos dados do Ideb  é promovido por empresas que prestam serviços direta e indiretamente à educação e pelos institutos, inclusive por institutos empresariais vinculados a bancos. Tais alterações abre um hiato sobre como será o ENEN em 2018.
Também pode-se observar que com a aprovação da BNCC, as principais preocupações colocadas pelo Movimento Escola Sem Partido (ESP), foram acatadas. Estabelecendo em nível nacional uma verdadeira reviravolta conservadora. 

27/01/2018

* Sociólogo, Doutor em História Econômica/USP e Professor de Sociologia/ DESOC/UFMA