sábado, 20 de fevereiro de 2016

Verba Volant, Scripta Manent







Publicado originalmente em: http://brasileiros.com.br/2016/02/verba-volant-scripta-manent/



Lincoln Secco


Para quem a tua mensagem?/ Para ti?/ Para outrem?/ Não sei./ Mais uma que faço sem saber por quê?” (Excerto de uma “poesia” de Michel Temer).

No século passado, portanto bem antes da convenção do PMDB marcada para o próximo dia 12 de março, ficou bem conhecida a troca de telegramas entre um grande político inglês e um notável dramaturgo: “Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver” (Bernard Shaw). A resposta de Winston Churchill: “Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer primeira apresentação. Irei à segunda, se houver”.
No Brasil estamos muito longe daquele humor inglês.  
No fim de 2015 a crise política brasileira foi marcada pela carta de rompimento do vice-presidente. Assustado pela repercussão negativa, apressou-se logo a informar que não se tratava de um rompimento. Talvez fosse só uma lamúria. Para desgraça sua, a presidenta da República, tão acostumada a errar, acertou ao deixar o missivista falando sozinho.
Ele andava com um novo programa econômico ultraliberal debaixo do braço e em visitas a empresários insinuava que a presidenta não chegaria ao fim do mandato. Embora já desse provas contínuas de sua deslealdade, o vice-presidente achou por bem escrever uma carta ao velho estilo. Rejuvenescido por um matrimônio mais ou menos recente e um livro de poesias (sic), ele se tornou uma figura apressada. O que a velhice poderia lhe dar sem parcimônia, ele preferiu trocar pelos ouropéis de uma juventude infiel, posto que perdida.
Após ditar a correspondência, enviou-a de São Paulo a Brasília por e-mail. Sua assessoria a imprimiu e a protocolou no gabinete da Presidência. Assim, o que ele perdia em experiência não podia ganhar naqueles açodamentos que só se perdoam nos jovens.
O vice-presidente começara a sua carreira como oficial de gabinete da secretaria de Educação do governo Ademar de Barros (aquele do “rouba, mas faz”). Todavia, foi como secretário de governos peemedebistas e deputado federal por São Paulo que se estabeleceu no mundo da pequena política por três decênios.
A carta era só uma lista de mágoas por não ter tido atendidos seus pleitos pouco republicanos para a nomeação de amigos. Ainda cometeu o erro de desejar imprimir àquelas palavras a eternidade de um adágio latino que intitula este artigo: a fala voa, mas a escrita permanece. No seu lugar, qualquer um preferiria que aquela missiva desaparecesse…
Como secretário, deputado ou líder de partido ele nunca havia sido um político notado ou notável, mas com o desenrolar da campanha do impeachment passou a ser cogitado… A possibilidade de ascender sem votos ao poder lhe deu a oportunidade de provar aquilo que se começava a falar dele. Que era uma pessoa discreta, bom articulador, capaz de unir o País e outras lorotas que, na América Latina, dificilmente são atributos de políticos estabelecidos.
A carta saiu pela culatra. O pequeno candidato a líder apequenou-se mais. Dividiu seu próprio partido e teve que buscar votos para se manter num cargo que ocupou desde 2001: a presidência do PMDB. Obviamente, os “analistas” leem a história de outra maneira. Ele foi líder do partido porque era capaz de unir. Na verdade, foi porque num partido equilibrado por poderosos interesses regionais o melhor é deixar a presidência da agremiação a qualquer um sem poder real: um político apático, sem voto e de um Estado onde o PMDB é só uma legenda. A época que entrega a um político assim sem humor a possibilidade de chegar ao poder por um golpe de mão nos faz sonhar com Churchill.
Ao menos, pelos seus versos, podemos ter certeza de que a carta do vice-presidente não é a pior coisa que ele já escreveu.



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Uma pesquisa original sobre o PT



LINCOLN SECCO


Voltar os olhos à história do PT em meio a uma onda conservadora que visa não criticar os seus erros mas simplesmente eliminá-lo da vida política brasileira é um desafio e tanto
As Transformações na Organização Interna do Partido dos Trabalhadores entre 1995 e 2009 (São Paulo, Editora Alameda) é um livro desapaixonado, cientificamente rigoroso e intelectualmente honesto. O cientista político Oswaldo E. do Amaral não procurou julgar e se restringiu a uma criteriosa coleta e interpretação de dados sobre a trajetória do mais importante partido brasileiro: o PT.
Ainda assim, transparecem aqui e acolá simpatias e, por isso mesmo, o leitor pode fazer uma leitura apaixonada de certos temas. Para mim, decerto, seus dados sobre os núcleos de base (Nbs) foram os mais significativos para quem vivenciou um pouco da história do partido e enxerga neles o aspecto que mais singularizou o PT na história da esquerda brasileira. Afinal, afirmava-se que os núcleos eram a alma do partido, e Amaral cita frases de lideranças que reforçavam aquela imagem.
Partido de núcleos
Os Nbs nunca organizaram mais do que 10% dos filiados e, segundo o autor, foram asfixiados financeiramente porque as lideranças petistas optaram a partir de 1984 por concentrar os recursos das contribuições dos filiados nos diretórios municipais (DMs). Os partidos possuíam como unidade mínima, segundo a legislação eleitoral, os DMs ou diretórios zonais nas cidades maiores. Os núcleos não eram proibidos, mas não tinham existência “legal”.
Já nos primeiros cinco anos (1980-1985), o número de filiados do PT cresceu 1000% e o número de núcleos somente 10%. O autor mostra que os núcleos não desapareceram, mas se vincularam cada vez mais às administrações municipais petistas. No estado de São Paulo 71,7% deles se localizavam em cidades que tiveram prefeitos do PT entre 2005 e 2010.
O autor mostra que os Nbs perderam importância principalmente porque a ampliação da base social do partido e a maior preocupação com suas tarefas eleitorais reforçaram os diretórios, a burocracia interna e um tipo de militância menos intensa.
Eleitores no PT
Assim, o Processo de Eleição Direta (PED) passou a ser a principal forma de participação militante. Nesse ponto, a pesquisa de Amaral derruba duas crenças que a esquerda e a direita partidárias compartilharam, ainda que por motivos opostos. A primeira é a de que o PED favoreceria alas de centro e direita no espectro partidário, uma vez que envolveria o uso de recursos financeiros e o apelo de lideranças públicas mais conhecidas. Como se sabe, a esquerda perderia nos dois quesitos. A segunda é a de que o PED era negativo por simplesmente introduzir no partido a democracia eleitoral burguesa e afastar a militância.
Acredito que isso aconteceu e que a discussão das teses para os encontros de delegados perdeu sentido. Mas não foi por isso que o PT deixou de ser um partido tão militante como era nos anos 1980.
Na época, as teses eram publicadas meses antes dos encontros e discutidas nos DMs e núcleos. Depois, praticamente só os delegados eleitos o faziam. Por outro lado, aquele partido de militância intensa em núcleos já tinha minguado no final dos anos 1990, portanto o PED não deixou de manter o PT ao menos como o mais democrático dos partidos brasileiros. É, como ressaltou Amaral, mais inclusivo e aberto; porém, individualizou o processo decisório e o separou daquela forma antiga de militância organizada.
Quanto à inclinação da massa “desorganizada” para eleger as grandes figuras públicas, o mito se desfaz quando o autor nos expõe os dados do próprio PED. Ele não desarticulou a eleição do presidente do partido da escolha das chapas do Diretório Nacional nem alterou significativamente o tamanho das alas de esquerda na composição partidária.
Além disso, a crise de 2005, que derrubou líderes históricos do PT, mostrou que o ambiente político externo pode fazer os filiados punir seus líderes. Amaral também revelou que as tendências do PT continuaram a ter um papel importante, contrariando um dogma de alguns cientistas políticos, segundo o qual a ampliação do voto interno favoreceria inelutavelmente a cúpula partidária contra lideranças internas mais ativas na organização.
Há futuro para o PT?
O livro não se propõe a responder tal questão, já que foi escrito como tese de doutorado na Unicamp muito antes da crise do quarto mandato petista. Contudo, é tão rico em informações e análises que o leitor poderá se surpreender ainda com a manutenção de traços organizativos da origem do PT mesmo nos dias atuais: a forma de recrutamento, a existência de núcleos (mesmo com outra dinâmica) e a importância do debate interno.
Se houver futuro para o partido é daí que ele poderá tirar forças para se reconstituir como agremiação eleitoralmente competitiva e socialmente comprometida com a distribuição de renda e a justiça social.