Há uma película cinematográfica desprezada, de certa forma, pela crítica especializada, mas que, no meu humilde modo de entender, está destinada a se convolar em clássico atemporal: cuida-se do filme intitulado "A estrada perdida" (Lost Highway, no original em inglês) de 1997, realizado por David Lynch, consagrado cineasta estadunidense.
Sob a sombra do lendário britânico Alfred Hitchcock, cuja obra "Um corpo que cai" (Vertigo, no idioma original) é homenageada na personagem da atriz Patricia Arquette (cuja cabeleira muda de cor, como aquela de Kim Novak em Vertigo), David Lynch oferece-nos uma profunda reflexão estética sobre a faceta mimética das artes.
Nesse diapasão, cabe aduzir que Pablo Picasso operou uma revolução abrangente ao romper com o figurativismo clássico, pois, evidenciando que a tela plana de sua obra pictórica não encerra a dimensão da profundidade, pintou figuras que são vistas de vários ângulos e perfis ao mesmo tempo, rompendo com a veleidade de mimetizar tal profundidade em seus quadros.
David Lynch, por seu turno, no filme em testilha, encetou uma ruptura revolucionária da veleidade cinematográfica de reproduzir a dimensão do tempo, supostamente inerente ao cinema.
Sim, a película de Lynch exibe um tempo circular, não linear, em que a narrativa termina da mesma forma como começa, malgrado de forma invertida, e rompe com o princípio da identidade individual de suas personagens, que se transformam em outras tantas ao longo de um enredo alucinatório.
Logo, Lynch convida-nos, com sua obra, a refletir sobre a natureza do tempo: seria uma dimensão objetiva como aquela descrita por Albert Einstein, que colima o movimento relativo dos corpos, ou uma dimensão subjetiva consoante retratada por Henri Bergson, que destaca a memória como promotora da identidade individual?
Enfim, "A estrada perdida" é uma obra underrated até o momento, mas talvez o curso do tempo (ops!) o converta em clássico atemporal.
por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.