Sob prisma histórico, o capital cinge-se, de proêmio, ao âmbito da mera circulação de mercadorias, como dinheiro tão somente, sendo certo que atingirá o âmbito da produção de mercadorias após o advento da acumulação primitiva e da maquinaria e grande indústria, esta última atrelada à revolução industrial inglesa do século XVIII.
Ao atingir o âmbito da produção de mercadorias, o capital engendra, dialeticamente, o seu oposto, a saber, a mercadoria consubstanciada na força de trabalho, a qual, todavia, em um primeiro momento, não é produzida pelo trabalho assalariado, o que conduz à aparência da existência de uma aporia na teoria marxista do valor, porquanto esta mercadoria denominada força de trabalho não exibiria valor, na exata medida em que não seria fruto do trabalho assalariado, mas do âmbito familiar.
Nada mais enganoso: esta aparente aporia consiste na verdade no movimento contraditório e dialético da história do capital, decorrente da reduzida qualificação da força de trabalho em um primeiro momento histórico, a saber, o da revolução inglesa do século XVIII, estudada por Karl Marx em sua obra O Capital, no livro primeiro.
Todavia, à medida que avança historicamente o capitalismo, a produção capitalista exige maior qualificação desta mercadoria especial, a força de trabalho, de tal sorte que sua produção desloca-se do âmbito familiar para o âmbito escolar, isto é, a qualificação da força de trabalho demanda maior tempo de trabalho assalariado dos professores na sua produção, de tal sorte que aquela aparente aporia dissolve-se historicamente: agora a força de trabalho é sim produzida por trabalho assalariado dos professores, que exorbita o âmbito meramente familiar, de tal sorte que seu valor mensura-se precisamente pelo tempo de trabalho na escola, necessário à sua produção.
A revolução digital do último quartel do século passado (que instituiu o software como principal mercadoria, bem assim exacerbou o aspecto intelectual da força de trabalho, exigindo maior tempo de trabalho no âmbito escolar para sua qualificação), provocou um aumento, portanto, do valor da força de trabalho, reduzindo então a taxa de mais-valia e, via oblíqua, a taxa de lucro do capital.
Observe-se, neste particular, que ocorre uma inversão do movimento da tendência declinante da taxa de lucro: se, nas duas primeiras revoluções industriais do capitalismo, tal declínio decorre primordialmente do aumento da composição orgânica do capital, com a atual revolução digital a diminuição da taxa de lucro resulta primordialmente do aumento do valor da força de trabalho e consequente diminuição da taxa de mais-valia.
São conjecturas a conferir, sujeitas ao crivo crítico.
(por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador)