quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Análise:

Entrevista com Luis Fernando Franco - Historiador e membro do NEC







Carlos Cesar Felix: O ano de 2015 vive novamente os impactos de uma crise financeira, desta feita na China. Essa parece ser um prolongamento da quebra do Lehman Brothers em 2008. A Luz do marxismo como explicar essas crises do Capital?

Luis F. Franco: Quanto a isso, poderia divisar duas grandes vertentes teóricas antagônicas no âmbito do marxismo. A primeira foi inaugurada por Rosa Luxemburgo e é conhecida como teoria “subconsumista”, a qual define as crises do capitalismo pelo aspecto da superprodução: o maior problema de tal vertente consiste em sua inclinação a conceber cada crise econômica como colapso final do sistema. A outra corrente teórica vislumbra o caráter cíclico das crises econômicas, sendo certo que foi fortemente influenciada pela tese dos ciclos longos de Nikolai Kondratiev: seu problema mais evidente consiste na inclinação a atribuir um caráter perene ao capitalismo, porquanto seria capaz de superar todas as suas crises e seguir adiante. Eu particularmente sustentaria uma tese intermediária, segundo a qual o capitalismo suplanta de fato suas crises cíclicas, mas de forma cada vez mais difícil e problemática, isto é, a solução de cada crise cíclica apresenta-se cada vez mais limitada e chegará um dia em que isso será praticamente impossível, hipótese esta que eu exponho de forma bem breve no pequeno texto intitulado “Conjecturas sobre capital, obsolescência e universalidade”.

CCF: Muitos afirmam que atual crise é reflexo de um choque nos preços do petróleo, inversa a de 1973. Os preços hoje quantificados em "commodities" estão abaixo de 50 USD o barril. A três anos atrás estavam na faixa dos 100 USD isso porque houve um aumento considerável de produção. Como explicar isso, seria uma crise de superprodução como Marx afirmava? Se sim, você poderia explicitar como se dá esse tipo de crise em Marx?

L.F.F: Bem, consoante já delineado acima, não me inclino a seguir literalmente a tese subconsumista, mas uma teoria intermediária sobre o caráter das crises do capitalismo, até mesmo porquanto, além do petróleo, praticamente todas as outras commodities sofreram queda de preço, em larga medida em razão da retração da economia chinesa, o maior parque industrial do planeta. Ainda quanto à natureza das crises do capitalismo, devo destacar a interessante tese defendida pelo professor de história da USP, Lincoln Secco, para o qual os ciclos econômicos longos atrelam-se fortemente às revoluções tecnológicas, tese esta que eu acolho praticamente sem ressalvas.

CCF: Nos últimos 10 anos as tecnologias de extração do óleo avançaram imensamente. Nos EUA hoje eles conseguem extrair petróleo de xisto e há também a tecnologia de extração em águas profundas, dominada pela Petrobras. Toda essa inovação fez com que o mundo dependesse menos do Oriente Médio. Você acredita que o eixo de interesse do capitalismo mundial pode se virar para o Brasil, uma vez que os EUA parece, no Governo Obama, ter mudado a sua política externa naquela região (acordo Irã, isolamento de Israel, política em relação a Arábia Saudita, entre outros)?

L.F.F: Essa tese é muito interessante, de fato o processo atual de desmonte da Petrobras pode estar atrelado ao interesse dos EUA no potencial produtivo do pré-sal no Brasil, sendo certo que a quebra do monopólio do petróleo brasileiro virá a seguir. Mas quanto ao avanço tecnológico, eu acredito que a revolução digital foi ainda mais importante, principalmente com a internet e as telecomunicações, para alavancar o conjunto da economia capitalista, de forma que o incremento da velocidade de circulação de capital, assim proporcionado, funcionou como força infensa à lei da queda tendencial das taxas de lucro proposta por Marx: a revolução digital tirou o capitalismo da crise dos anos 1970, quebrou a URSS e engendrou a globalização e o neoliberalismo, mas agora está em vias de se esgotar, com a economia mundial talvez entrando numa fase recessiva do ciclo longo de Kondratiev.

CCF: Outra questão que se coloca diante da crise é a relacionada a "troca de comando" no capitalismo mundial com a China ocupando a posição de protagonista que antes cabia aos EUA. Como o marxismo vê isso?

L.F.F: Não estou completamente convencido desta “troca de comando”, com o suposto novo protagonismo da China, até mesmo porque, nos EUA, o Vale do Silício, berço da revolução digital, continua representando o motor da economia mundial, sendo certo que, enquanto a China está em forte retração, os EUA voltaram a crescer e suas empresas voltaram a dar lucro. Mas não acho a “troca de comando” uma hipótese completamente estapafúrdia, pois é a tendência de longo ou médio prazo, caso a China continue a crescer mais do que os EUA.

CCF: Aparentemente, todas as "trocas de comando" entre os capitalistas, após a consolidação do Estado Moderno, tem sido acompanhada, ao final do ciclo, por guerras. Você acredita nisso ou o capitalismo hoje prescinde do Estado para se realizar, e dai, não ser mais necessário um confronto de proporções catastróficas?

L.F.F: Bem, a tese de que o capitalismo depende do empreendedorismo do Estado para realizar-se está relacionada ao subconsumismo catastrófico, com o qual eu não concordo plenamente, mas não se pode negar que, numa eventual “troca de comando” entre EUA e China, haja rusgas que podem resultar em guerra por mercados consumidores. O problema é que uma guerra franca entre eles tende a destruir não apenas o capitalismo, mas o próprio planeta como o conhecemos, dado o potencial atômico dos dois países.

2 comentários:

  1. Belíssima entrevista e muito esclarecedora. Como sempre o camada Luís Fernando Franco expõe de forma rigorosa suas premissas.
    Coaduno com sua opinião de que a visão escatológica (no sentido religioso do tema) não é a melhor explicação para as crises do capital.
    Com relação a uma posição intermediária [entre Rosa e Leontief] penso que é o posicionamento de Schumpeter, apesar dele não acreditar no triunfo do socialismo, quando este sustenta que as crises podem ser geradas e depois superadas através da "criatividade destrutiva" que nada mais é do que afirmado pelo amigo Luís Fernando quando das "revoluções tecnológicas" - lembrando que para Schumpeter esta criatividade destrutiva é aquela que modifica o modo de produção atual, gerando crise.
    Outro aspecto a se observar da entrevista é com relação a se a crise do capital é meramente financeira, ou seja, do setor especulativo do capital ou se é do setor produtivo. Creio que devam ser tratados de formas distintas.
    Por fim, com relação a uma guerra global por mercados, a humanidade já provou, mais de uma vez, que é capaz disso, então é sim uma hipótese a ser considerada.

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  2. Perguntas e respostas trazem ao leitor excelente aula de conjuntura! Obrigada!

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