segunda-feira, 18 de julho de 2016

Socialismo, Não?









Socialismo, Não?

Pedro Crem*


Dia desses escutei, novamente, uma frase muito repetida: socialismo não, porque você não pode pagar a mesma coisa para quem não faz nada. Fiquei pensando com os meus botões, é dessas coisas que todo mundo repete, como um dogma, mas por quê? Então imaginei que deve ser porque parece verdade.

Ora, por que eu premiaria um preguiçoso? Parece justo não lhe dar valor. Quando meu filho era bem pequeno, várias vezes eu li para ele uma fábula sobre a galinha que convida a todos os animais para ajudá-la a plantar, colher, moer o trigo e a fazer o pão e ninguém aceita as tarefas. Feito o pão, todos se prontificam a comê-lo, mas a galinha responde que é só para ela e seus pintainhos. Uma história singela para ensinar às crianças o valor do trabalho, a colaborar com o próximo e a não se aproveitar do esforço alheio. Mas principalmente, era toda rimada, e o moleque adorava. Deve ter ajudado a desenvolver-lhe o duvidoso gosto pelo rap...

Mas então você olha de novo para a frase, prestando mais atenção, e tenta entender o que ela diz, qual é a relação de causa e efeito proposta, como o argumento leva à conclusão, e as coisas começam a ficar um tanto confusas. Vamos colocar a frase de uma forma mais clara:

Os argumentos são:

- quem trabalha merece ser recompensado,

- quem não trabalha não merece ser recompensado

A conclusão é:

- portanto, o socialismo não é aceitável.

Mas, espere aí, como se chegou a essa conclusão a partir desses argumentos? Alguma coisa não está sendo dita. A maior parte das ideias ficou implícita, como se não precisassem ser apresentadas, por óbvias. Que ideias são essas? Acredito serem as seguintes:

- no socialismo, todos recebem a mesma recompensa, independentemente de seu esforço, competência ou produtividade e isso seria injusto, além de incentivar a preguiça e a indolência, tornando a sociedade atrasada e improdutiva.

- no capitalismo, todos são recompensados proporcionalmente a seu esforço, competência e produtividade, o que é justo e incentiva o trabalho, a competência e a produtividade.

Portanto, chega-se à conclusão: não posso apoiar um sistema injusto e improdutivo que incentiva os preguiçosos e levará ao atraso e em última consequência, à fome, pois ninguém irá plantar o trigo e fazer o pão, como na fábula da galinha.

Opa! Mas essas ideias não são nada óbvias. Quem disse que no socialismo todos são recompensados igualmente? Quem disse que no capitalismo quem se esforça mais ou é mais competente é melhor recompensado?

A começar pelo capitalismo, que está à nossa volta, todos conhecemos bem: desde quando quem trabalha mais ganha mais? A sabedoria popular já forjou um ditado bem mais verdadeiro, “quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro”. E desde quando quem é mais competente é mais recompensado? É só olhar à sua volta, quem foi promovido no lugar onde você trabalha? Foi mesmo por competência? E entre os comerciantes, os industriais, os empresários, quem se estabelece? Quem progride mais? Os competentes e esforçados? Ou os que herdaram o maior capital, conhecem as pessoas certas, porque são seus parentes, colegas de escola, vizinhos, e não tem escrúpulos em torcer e às vezes até violar as leis para favorecer seus negócios?

Outro dia li um artigo sobre um senso feito em Florença, na Itália, há quase 500 anos atrás, que documentou o nome, patrimônio e renda de seus habitantes. Esses documentos foram, recentemente, disponibilizados na internet e dois economistas italianos se debruçaram sobre eles, cruzando com dados atuais. Descobriram que as famílias mais ricas da época ainda são as mais ricas hoje, mas, o mais impressionante, é que também descobriram que as famílias mais pobres continuam a ser as mais pobres até hoje. O artigo também citava um estudo similar, feito na Inglaterra, sobre um período ainda maior, de 800 anos, que demonstrava a mesma situação. Desde o século 12, na Inglaterra, os mais ricos continuam a ser os mais ricos e os mais pobres continuam a ser os mais pobres.

A conclusão inevitável é: a tão propalada mobilidade social no capitalismo é balela. E ainda conclui: Michelzinho (Temer), aos sete anos, tem um patrimônio de dois milhões em imóveis e tudo o que fez para merecê-lo foi nascer, a forma mais eficiente de enriquecer. Aí está outra frase que escuto desde criança: uma pessoa tem duas oportunidades de enriquecer: quando nasce e quando casa. Trabalho, esforço e competência são recompensados no capitalismo? É preciso muita inocência para engolir essa.

Quanto ao socialismo, quem disse que a premissa é todos ganharem a mesma coisa, independentemente do que façam ou deixem de fazer? Isso é uma distorção do que ele de fato defende.                    A ideia, no socialismo, é que todos tenham a sua dignidade garantida, apenas pelo fato de serem humanos, e nada mais. Portanto, todos os humanos teriam direito a alimentação, saúde, educação, vestimenta, abrigo necessários à sua sobrevivência. Portanto, se o sujeito não quiser fazer nada da vida, ou não tiver a capacidade, ou competência, ou mesmo saúde, ele vai sobreviver e só. Porque negar isso a uma pessoa é indigno, é entregarmo-nos à barbárie. Avilta muito mais à sociedade que o permite que à própria vítima do abandono.

No socialismo, você não precisa se preocupar em acumular para garantir a sua sobrevivência ou a de seus filhos. O estado garante isso. Você não vai ficar desempregado. É uma sociedade de pleno emprego. O medo constante do desemprego e da morte por inanição, tão presente no capitalismo, inexiste no socialismo.

Agora, se o sujeito, se esforçar ou for talentoso e contribuir para o progresso e aperfeiçoamento da sociedade será recompensado. A recompensa material sempre terá um limite, pois no socialismo, um indivíduo não pode acumular bens e riquezas indefinidamente, em prejuízo do bem-estar dos demais, tampouco pode haver uma desigualdade abissal entre as pessoas, pois isso gera revolta e instabilidade.

Mas é preciso também entender que a recompensa pelo trabalho não vem só em bens materiais. É preciso ser muito medíocre, ou mesquinho, para imaginar que tudo o que fazemos é para acumular dinheiro ou bens. Por que trabalhar e estudar então? Por todo o resto, que vem depois da sobrevivência garantida: respeito, prestígio, sabedoria, poder, fama, influência, status, vaidade, o que você puder imaginar. Um médico, que salva vidas, será mais admirado que um trabalhador braçal, anônimo, com pouca escolaridade. Então muitos se esforçarão enormemente para alcançar esse status, mesmo que o salário não seja muito maior. Ser um professor, que forma e influencia tantos jovens, sempre atrairá os esforços de pessoas talentosas, seja qual for o salário. Assim como um agricultor, criativo, que consegue aumentar a produtividade da sua lavoura, se tornará uma referência, da mesma forma que um pedreiro, eletricista, encanador ou um mecânico capazes de realizar seus ofícios com grande habilidade, ou mesmo aperfeiçoar suas técnicas, serão alvo de admiração.

Num mundo socialista, todos podem buscar uma atividade em que possam aproveitar ao máximo seus talentos, sem precisar se preocupar com a sobrevivência imediata. No capitalismo, quantos abandonam aquilo que fazem com maestria, mas é mal remunerado, para serem medíocres num ofício que garanta o pão de cada dia? Isso é ser eficiente?

Mas há um ponto ainda mais importante, nessa diferença entre o capitalismo e o socialismo. O desejamos da organização social? Que espécie de sociedade, de relação entre as pessoas? Que consciência queremos que as pessoas tenham de si e de seu papel no mundo?

O capitalismo propõe que cada um lute pela sua sobrevivência por conta própria, livremente, numa disputa pelos recursos disponíveis, sem nenhuma compensação pelas diferenças entre os indivíduos. Favorece a competição e a desigualdade e defende que os fortes submetam os fracos. E aponta para a ideia que os muito fracos não merecem sobreviver. Pouco importa se a força ou a fraqueza não venha dos talentos do próprio individuo, mas de fatores externos a ele como herança, cultura, história, localização geográfica. Nada deve interferir na disputa. Pelo medo da miséria e pela necessidade da sobrevivência, o capitalismo favorece o individualismo, a ganância, o egoísmo. É uma sociedade do cada um por si, regida pelo medo, onde a solidariedade é para os santos.

No socialismo, ao abolir o medo da miséria, garantindo a sobrevivência e a dignidade, buscando proporcionar a igualdade de oportunidade para todos, respeitando as diferenças, não tentando tratar igualmente os desiguais, é favorecida a individualidade, a criatividade a colaboração. A solidariedade passa a ser a regra, e não a exceção. Derrotado o medo, os instintos mais elevados do ser humano, como o altruísmo e a empatia se elevarão.

Concluindo, essa é a questão principal: em que mundo você quer viver, um mundo de medo, onde prevalecem os instintos mais mesquinhos do homem, ou um mundo de solidariedade, onde os aspectos mais elevados e altruístas são realçados?

As pessoas são, em grande parte, moldadas pelo ambiente que as cerca. Mas também tem suas tendências inatas. Dentre todas as pessoas, quais devem se destacar e merecer o respeito e a admiração de todos? Um egoísta mesquinho, avarento e maquiavélico, que não mede esforços nem tem escrúpulos de fazer tudo o que for preciso para acumular bens infinitamente, ou um sujeito solidário, empático, sempre pronto a dar o melhor de si não apenas no seu próprio interesse, mas também no daqueles que o cercam?
Ser capaz de responder essa pergunta é, mais do que qualquer outra coisa, saber fazer a escolha entre capitalismo e socialismo. Eu fiz a minha e odeio aquela maldita galinha rapper capitalista.

*Tecnólogo pela FATEC-SP e membro do Núcleo de Estudos d'O Capital.

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