Lincoln Secco
Publicado originalmente em http://brasileiros.com.br/2017/02/o-que-o-pt-aprendeu-com-o-golpe/
Quando
o Partido dos Trabalhadores se consolidou como a principal agremiação
política da esquerda latino americana ainda nos anos 1980, parecia
que ele tinha uma vantagem: uma liderança carismática submetida a
um partido organizado e não o contrário.
Ele
não era nem como o peronismo, capaz de forjar tendências de direita
e esquerda, e nem como os partidos centristas sem uma liderança
reconhecida, como foram nos anos 1980 o PMDB e o PSDB no Brasil; e a
APRA e a UCR no Peru e Argentina.
O
PT foi uma novidade até a maior campanha de massas da história
brasileira: as Diretas Já em 1984. A partir de sua derrota aquele
partido federativo de núcleos de base cedeu lugar a um partido de
uma direção majoritária: a Articulação dos 113. Anos depois, as
tendências organizadas estabeleceram um modus vivendi e
ingressaram no comando compartilhado do PT.
A
disputa de tendências mais ou menos radicais escondeu o processo de
sufocamento das organizações de base. Se por um lado a ala
majoritária burocratizava o partido, por outro as alas de esquerda
substituíam a voz das bases.
À
margem do processo Lula permaneceu como elo direto entre as bases
sociais sem organização reconhecida e a máquina partidária.
Quando chegou ao poder, ele atendeu a maior parte das demandas
populares básicas. Mas filtradas por propostas sociais do PT. Ele
realizou o conteúdo, não o método. A exigência de baixo seria
“atendida” pela expertise de burocratas de estado com
sensibilidade social e não pela “doação” do líder, como no
populismo que o PT execrava.
Assim,
a esquerda usufruiu não do melhor do populismo latino-americano, mas
do pior. Obviamente que o populismo aqui não guarda nenhuma relação
com o seu uso jornalístico corrente. A liderança interpelada pelo
povo se radicaliza dentro dos limites da ordem e contornava os
obstáculos burocráticos de um estado impermeável à realização
da vontade popular.
Aqui
se deu o contrário. Embora a capacidade de Lula se impor não fosse
pequena, o partido tinha força suficiente para contrapor-lhe duas
barreiras de contenção: uma forte burocracia dirigente que
transitou do sindicalismo e das máquinas locais ao estado; e uma
ideologia mista republicana e socialista. Não me refiro aqui a Lula
como pessoa, é óbvio, mas como símbolo de uma vontade coletiva.
O
ecletismo ideológico não seria um mal em si na indecisão barroca
do líder, mas se torna um erro fundante num partido com o nível
organizacional do PT. Ele oscilou assim entre a soberba dos
socialistas de Estado (a “nova classe”) e o falso republicanismo.
Não se tratava de ganhos pecuniários, mas no fato de que se achavam
investidos de uma missão: a de organizar o bloco de classes e as
formas de produção adequadas para a construção da Nação.
Não
seria uma novidade se não se cometesse o erro básico de não
preparar o dispositivo de coerção adequado para tal empreendimento.
Afinal, a questão nunca foi o limite burguês dessa leitura pois o
partido nãos e propunha nenhuma revolução mesmo. E sim em esquecer
que no Brasil não há uma classe burguesa nacional, só pode haver
uma vanguarda nacional.
Não
foi a toa que apolítica de redução de juros viesse acoplada à
ilusão de que que empresários industriais optariam por um projeto
nacional com os trabalhadores e não pela sua rentabilidade
financeira. Ao fim das contas era o ajuste fiscal e a diminuição do
custo do trabalho que podiam unificar a burguesia.
Quanto
ao republicanismo, ele foi a outra trava que impediu aos dirigentes
desenvolverem uma teoria do estado Latino Americano ou ao menos uma
visão pragmática do mesmo. Pois nem isso foi possível e o
pragmatismo desceu ao nível elementar dos conchavos de centro
acadêmico ou de manobras de eleições sindicais.
Uma
liderança com sua capacidade populista restrita por um partido muito
bem organizado, mas nada revolucionário, pode pouco diante da reação
do aparelho ampliado de estado contra o seu governo.
Ao
que tudo indica, o partido aprendeu pouco com isso tudo. O apoio
velado ou explícito a candidatos golpistas nas Assembleias
Legislativas e Câmaras Municipais é apenas um exemplo. A
contrapartida de um partido parado em seu comodismo de Estado é a
força de Lula que retorna como o líder das eleições de 2018, caso
haja eleições. E caso ele não seja condenado para que não possa
concorrer. Mas ele só sabe fazer uma política que já foi sepultada
pelo golpe de 2016. E o seu partido nem aquela.
Às
vésperas do VI Congresso o PT só pode retomar algum protagonismo se
denunciar a natureza do Estado. Isso implica assumir a defesa de seus
presos políticos, reconhecer a parcialidade do judiciário e a
manipulação midiática. Isso não será feito sem a diminuição de
suas bancadas mediante a submissão das mesmas a uma direção
compartilhada do partido com movimentos sociais e frentes de
resistência ao golpe.
Quando
há um retrocesso político, a classe trabalhadora se agarra às suas
instituições tradicionais e se mostra pouco disposta ao risco da
radicalização e de novas formas de luta. No entanto, estas também
vieram para ficar e não podem correr o risco da irrelevância ou do
desaparecimento sob o Direito de Exceção, o qual condena a
militância por crimes “comuns”. É preciso unir partidos,
sindicatos, organizações de negros e mulheres e movimentos de todas
as gerações e interesses.
Houve
uma derrota e ela não foi só do PT. Mas da população brasileira.
A estratégia será de longo prazo. O golpe de Estado visa se
legitimar como um regime político com novos instrumentos de força
“nacional”, acomodação de interesses na cúpula política e
mudanças constitucionais.
Seus
artífices sabem que não se arriscaram para devolver o governo dois
anos depois. Mas com eles não haverá “paz social” e eles não
se importarão com isso. Teremos uma resistência organizada ou
mergulharemos numa violência desconhecida? A resposta depende apenas
dos que se comprometem com os requisitos mínimos da “civilização”,
ou seja: uma esquerda que consiga ser popular.
Caro camarada Lincoln, é possível identificar no golpe de Estado de 2016 uma nova fase do ciclo longo do capital? E o que dizer da ascensão de formas políticas fascistas no mundo inteiro, inclusive no Brasil?
ResponderExcluirCamarada Luiz
ResponderExcluirSim. Porque o governo Lula foi possível na fase final de um ciclo longo, quando havia umu certa desorganização do sistema mundial
Valeu camarada, abraço!
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