sábado, 24 de abril de 2021

PLATÃO E MARX, OU BREVÍSSIMAS CONJECTURAS PARA UMA NOVA CATEGORIA DE "MODO CAPITALISTA DE PRODUÇÃO E CONSUMO".

Antolha-se-nos bastante evidente a grande influência exercida pelo platonismo na obra de Karl Marx, bastando enfatizar, verbi gratia, que a oposição entre valor-de-uso e valor-de-troca, ou entre processo de produção e processo de circulação de capital, inscrevem-se na dicotomia filosófica, de matriz platônica, que opõe corpo e alma, empírico e racional, concreto e abstrato, sensível e inteligível etc. 

A obra magna de Karl Marx, O Capital, radicou primordialmente na Revolução Industrial inglesa do século XVIII, a qual revolucionou efetivamente o processo de produção de capital, mas não incidiu com a mesma intensidade no processo de consumo ou circulação, porquanto deixou praticamente intocados os valores-de-uso envolvidos, a saber, os produtos do ramo têxtil da indústria, vale dizer, tal revolução não chegou a criar novos valores-de-uso ou novas necessidades humanas, conquanto tenha atingido implacavelmente o processo de produção.

Já as revoluções industriais ulteriores do capitalismo parecem ter incidido tanto sobre a produção quanto sobre o consumo, engendrando novas necessidades humanas e novos valores-de-uso, o que restou bastante evidente na revolução microeletrônica da segunda metade do século XX.

A teoria subconsumista do imperialismo, ventilada por Rosa Luxemburgo, também parece ter enfatizado o processo de produção de capital, da valorização de valor (conquanto lastreada no livro segundo de O Capital), em certo detrimento da elasticidade do capitalismo derivada de sua capacidade de engendrar continuamente novos valores-de-uso e, portanto, novas necessidades humanas, o que permite a tal formação sócio-histórica uma grande flexibilidade de superar crises, sem necessariamente recorrer a movimentos de anexação de novos mercados consumidores, porquanto apta a revolucionar continuamente seus próprios mercados consumidores preexistentes com tais novos valores-de-uso ou novas necessidades humanas.

Ante todo o exposto, parece-nos oportuno esgrimir uma nova categoria expressa na locução "modo capitalista de produção e consumo", hábil a suplantar a excessiva ênfase no processo de produção, em detrimento do processo de consumo ou circulação, encontradiça na tradição teórica marxista, ênfase esta que reputamos derivada de um certo paroxismo de matriz platônica no que pertine à oposição entre valores-de-uso e valores-de-troca. 

São breves conjecturas abertas ao diálogo e ao debate. 

(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador)

Um comentário:

  1. Rosa Luxemburg não aponta tão somente para mercados exteriores, mas também para o consumo do Estado, militarismo antecipando brilhantemente as reflexões de Kalecky, dos Economistas suecos e de Keynes. Obviamente, ela não acreditava que fossem saídas definitivas para o problema da realização da mais valia. Parabéns pelas excelentes hipóteses.

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