sábado, 18 de junho de 2022

Que tal um samba?

     Desde que a ouvi, as vozes da minha cabeça estão a cantar a canção nova do Chico. É um samba festivo, que propõe a alegria à brutalidade da realidade atual: para espantar o tempo feio, para remediar o estrago, que tal um trago? um desafogo, um devaneio.

    Chico já fez um samba sobre a possibilidade dessa alegria em contraponto com a obscuridade, outro momento histórico – a ditadura havia durado demais (se durasse apenas um mês, uma semana, um dia, um instante, já seria demais): “eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia”. Se em “Apesar de Você” eu percebo que Chico profetizava a inevitável explosão da alegria popular quando acabasse aquele período sombrio – desaparecimentos, prisões políticas, tortura, repressão – em “Que Tal um Samba”, embora comece com a inspiração de uma certa frivolidade dos pequenos prazeres, um trago, o devaneio, um gol de bicicleta, ele nos convida através da beleza pura de sua música a darmos a volta por cima: “já depois de criar casca e perder a ternura, depois de muita bola fora da meta, de novo com a coluna ereta, que tal? juntar os cacos, ir à luta, manter o rumo e a cadência, esconjurar a ignorância, que tal? desmantelar a força bruta...” A canção veio em boa hora – esse momento de grande exposição midiática da violência sob a floresta restante, produziu uma dor filha da puta, incapacitante, semelhante em muitas formas ao sofrimento que emanava dos porões da ditadura. Todavia, agora é a hora do movimento. Se no ar paira a mudança dos nossos rumos políticos, a transformação do tecido social não se faz num instante, num dia, numa semana, num mês. Num voto. Mas vamos! Fortalecermonos na nossa cultura e basear a reconstrução do nosso país no prazer, na beleza, no riso, na diversidade, no amor. No samba, que engendra a potência. 

Que tal um samba?

Cláudia Corá

18/06/2022

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