quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

NOTA SOBRE A TROCA DESIGUAL

 

Lincoln Secco

O problema da troca desigual gerou amplo debate. Uma das explicações utilizadas dizia respeito às diferentes composições orgânicas do capital. Assim como ocorre a transferência de valor do setor concorrencial ao capitalista, aconteceria também entre países industrializados e os exportadores de matérias-primas mediante o nivelamento da taxa de lucroi. O mérito dessa explicação está em integrar a violência política como veículo da exploração internacional, como supôs Rosa Luxemburgo.

Mandelii sugeriu outra explicação. Para ele o centro e a periferia trocam seus produtos exatamente pelo valor das mercadorias produzidas. Há uma troca de equivalentes. A troca desigual estaria no fato de que valores iguais correspondem a quantidades desiguais de trabalho. Mandel supõe que haja menos de horas de trabalho no centro do que na periferia, o que é visível se compararmos as limitações legais das jornadas de trabalho. Se a troca fosse feita em função das horas trabalhadas, o país imperialista só poderia importar uma parte da produção da periferia.

É possível supor que haja essa diferença entre jornadas de trabalho devido ao uso da maquinaria, a qual permite intensificar o trabalho mediante tarefas padronizadas. No capítulo X do primeiro volume de O Capital Marx utiliza uma medida invariável do valor. Num dado tempo o trabalhador produz sempre o mesmo valor e o aumento da produtividade apenas distribui essa medida invariável por um número maior de produtos. O valor unitário da mercadoria é o inverso das produtividades.

Se é assim, por que os países centrais não vendem suas mercadorias mais sofisticadas por um valor unitário menor? Afinal, a produtividade maior de mercadorias consumidas pela classe trabalhadora diminuiria o valor da força de trabalho porque ela poderia consumir mais com um salário menor.

No capítulo XIII (Maquinaria e Grande Indústria) Marx cita a elevada tensão da força de trabalho e o preenchimento de poros da jornada de trabalho. Assim, uma jornada de 10 horas intensas pode ser igual a outra de 12 horas mais porosa em que o operário precisa de momentos de parada.

No capítulo “Variação da grandeza do preço da força de trabalho e mais valia” Marx afirmou que “a jornada de trabalho mais intensiva de uma nação representa-se numa expressão monetária mais elevada que a da jornada de trabalho menos intensiva das outras”. O exemplo que ele fornece é o do fabricante inglês que pode extrair mais trabalho que o continental, suficiente para compensar a diferença entre a jornada inglesa de 60 horas semanais e a continental de até 80 horasiii.

Marx pressupõe um “grau normal, socialmente habitual” de intensidade. Esse padrão não é o da periferia e sim o do centro. Quanto maior a intensidade, menor deve ser a jornada de trabalho. Por isso o meio para reduzir a diferença é a limitação da jornada na periferia.

A pergunta é: no exemplo de Mandel ocorre a troca de jornadas intensas por porosas. Se o país imperialista troca uma jornada de 8 horas por outra de 16 horas e elas tem a mesma quantidade de trabalho, não haveria transferência de valor, apenas o valor na periferia está mais diluído e exige mais tempo de produção. Caímos numa aporia. Há intercâmbio igual e desigual ao mesmo tempo.

A resposta de Marx é que ocorre modificação na grandeza do produto-valor, independentemente da natureza do artigo produzido. A hora de trabalho num caso é mais plena, sem perdas de tempo.

Não seria o poder dos monopólios de impor preços administrados a resposta? Ou seja, as mercadorias do centro são de fato vendidas acima do seu valor e as da periferia abaixo do valor? Isso obriga os capitalistas da periferia a impor jornadas de trabalho mais extensas e salários reais mais baixos. Assim, a semi colônia oferece capital constante (matérias primas e auxiliares) abaixo do valor social médio para o país imperialista e, com isso, ameniza a queda da taxa de lucro.

Parece que as duas alternativas estão interligadas. O centro é mais produtivo, mas corrige a diminuição do valor unitário dos produtos tanto mediante preços políticos (acima do valor) quanto impondo o grau normal de intensidade do trabalho. Esse padrão é politicamente estabelecido. Afinal, tanto o grau normal de intensidade, quanto o nivelamento da taxa de lucro são abstrações matemáticas que pressupõem a luta de classes para seu funcionamento.

iGomes, Rosa e Secco, L. Economia Política da Violência: uma nota sobre Rosa Luxemburgo e Henryk Grossman. Revista Mouro, n. 9. São Paulo, 2005.

iiMandel, E. O capitalismo tardio, São Paulo, Abril Cultural, 1985, p. 253.

iiiMarx, K. H. O Capital, v. I, T. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 117.

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