A partir da crítica histórico-dialética da matemática e da cosmologia, propomos que tanto o número quanto o infinito, categorias fundamentais da lógica matemática moderna, e também a singularidade do Big Bang na cosmologia padrão, não são expressões neutras da racionalidade científica, mas formas simbólicas derivadas de um construto ideológico: a noção de indivíduo, tal como instituída no horizonte histórico da propriedade privada dos meios de produção.
I. Número, infinito e a ideologia da delimitação
O número consiste em uma delimitação abstrata, na construção de uma unidade lógica isolada a partir de um contínuo indiferenciado. Essa unidade é o correlato direto da noção de indivíduo jurídico burguês, a quem a ordem moderna atribui propriedade, autonomia e identidade. Essa abstração gera dialeticamente seu oposto: o infinito, a ausência de limites, o horizonte aberto de acumulação que constitui o próprio ethos do capital. Número e infinito formam, portanto, um par dialético que reproduz a lógica expansiva do capital e sua dependência da atomização social.
II. A singularidade cosmológica como projeção ideológica
Na cosmologia do Big Bang, o universo origina-se de uma singularidade: ponto de densidade infinita onde colapsam espaço, tempo e leis físicas. Essa singularidade funciona como metáfora da origem absoluta, e repete no plano cosmológico a ideologia do sujeito proprietário: sem causas, sem história, indivisível. Ela naturaliza a ideia de que tudo deriva de um ponto originário, assim como o sujeito burguês é apresentado como origem e fim de sua própria ação. A singularidade é, assim, a transposição do construto ideológico do indivíduo para a física do cosmos.
III. Parte e todo: a tensão dialética mascarada
A cosmovisão burguesa concebe a parte como anterior ao todo: o indivíduo precede a sociedade, o ponto precede o espaço. Na dialética, parte e todo são co-constitutivos, mas a matemática do conjunto e a cosmologia da singularidade mascaram essa tensão. O número natural, o sujeito jurídico e o instante zero são todos formas reificadas que ocultam sua condição de produtos históricos e sociais. O todo não é a soma das partes, mas o campo de suas determinações recíprocas — algo que o pensamento burguês sistematicamente encobre.
IV. Conclusão: rumo a uma ontologia materialista do espaço e do número
A crítica dialética da matemática e da cosmologia revela que categorias como número, infinito e singularidade expressam formas ideológicas de individualização reificada. A superação dessa visão exige uma ontologia que recupere a totalidade contraditória, a mediação e a historicidade das formas. Este é o horizonte aberto pela crítica unificada das formas sociais da abstração capitalista, capaz de recolocar a questão da parte e do todo como núcleo de uma nova ontologia materialista radical.
Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.
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