1. Introdução
Propomos uma analogia estrutural e ontológica entre o desenvolvimento científico das formas geométricas — da álgebra e da geometria euclidiana, passando pela geometria analítica cartesiana e culminando na formulação minkowskiana do espaço-tempo — e a história física do universo, tal como descrita pela cosmologia padrão do Big Bang. Essa analogia não é apenas metafórica, mas epistemologicamente fundada: as estruturas de conhecimento refletem e reproduzem, em nível ideal, os modos de organização da própria realidade. Assim, o avanço do pensamento geométrico espelha o desdobramento ontológico do espaço-tempo físico.
2. A Singularidade como Coincidência Geométrica Absoluta
A singularidade inicial do Big Bang — instante de densidade e curvatura infinitas — representa uma condição em que todas as coordenadas do espaço-tempo colapsam num único ponto. Na linguagem da geometria analítica: x = y = z = ct = 0. Esse ponto representa ontologicamente a inexistência da distinção espacial e temporal. Nenhuma métrica é aplicável, nenhuma distância existe, nenhuma causalidade pode ser estabelecida. Esse colapso das quatro coordenadas de Minkowski pode ser visto como a coincidência absoluta da forma geométrica com a ideia pura de ponto: um ponto sem extensão, sem tempo, sem dimensão, análogo ao ponto euclidiano e ao número isolado.
3. Do Ponto ao Espaço-Tempo: O Desdobramento das Coordenadas
Na medida em que o universo evolui após o instante inicial — segundo a cosmologia padrão — ocorre a expansão do espaço-tempo, isto é: o tempo emerge como sucessão ordenada de eventos; as dimensões espaciais se separam e se diferenciam; a métrica de Minkowski passa a reger as relações causais e geométricas. Esse processo físico de expansão e diferenciação do universo pode ser interpretado como um desdobramento ontológico das coordenadas primitivamente colapsadas. Em termos filosóficos, trata-se do devir da forma a partir da unidade indiferenciada.
4. A História da Geometria como Metáfora e Reflexo da Cosmogênese
a) Geometria Euclidiana e o ponto absoluto: O ponto, a reta e o plano euclidianos são entidades ideais e atemporais, baseadas na ausência de extensão. O número, por sua vez, é uma delimitação arbitrária, uma abstração da continuidade real. Essas categorias correspondem ao estado ontológico inicial do universo: um ponto indivisível.
b) Geometria Analítica de Descartes e Fermat: a emergência do plano coordenado: Introduz-se a ideia de que um ponto é localizável por coordenadas, isto é, por uma relação com um sistema de referência. O espaço torna-se relacional e quantificável. Isso espelha o início da expansão cósmica: a emergência da espacialidade e da temporalidade mensuráveis.
c) Espaço-tempo de Minkowski: a unificação dinâmica: O tempo deixa de ser uma dimensão separada e se funde com o espaço. A causalidade e a métrica passam a depender da estrutura quadridimensional. A geometria agora acompanha a história, não a precede — tal como o espaço-tempo no universo em expansão.
5. Uma Dialética entre o Pensar e o Ser
A correspondência entre o desenvolvimento da geometria e a história física do universo não é uma coincidência superficial, mas uma manifestação da unidade entre forma do pensamento e estrutura da realidade. A geometria surge: primeiro como abstração ideal (ponto euclidiano); depois como sistema relacional (coordenadas analíticas); e finalmente como campo dinâmico em evolução (métrica minkowskiana). Assim como o universo: nasce de um ponto sem forma; expande-se em relações; estrutura-se em uma malha espaço-temporal.
6. Conclusão: Por uma Geometria Ontogênica
Se a geometria tradicional parte da forma para descrever o espaço, e a física parte do espaço para descrever a matéria, a geometria cosmológica proposta parte do nascimento da forma. Ela concebe o ponto inicial não como simples abstração, mas como evento de gênese ontológica, do qual derivam: o número, a coordenada, a dimensão, o tempo e o próprio espaço. A história do universo, portanto, não apenas permite uma geometria — ela é, em si, a realização progressiva da geometria.
Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.
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