domingo, 2 de novembro de 2025

NOTAS INCIPIENTES SOBRE TEORIA MARXISTA DO VALOR E CAPITALISMO

Vimos que o capitalismo, enquanto modo de produção, encerra como traço distintivo a produção de determinada mercadoria, inexistente nos modos de produção historicamente precedentes, a saber, a mercadoria consistente na força de trabalho, decorrente da dissociação entre trabalhador e meios de produção.

Logo, a teoria econômica do valor, que se exiba adequada a elucidar como se determina o valor da força de trabalho, é aquela que melhor descreve o modo capitalista de produção, parecendo lícito destacar que cada modo de produção, historicamente verificado, encerra sua própria e específica teoria econômica do valor.

Mas vimos também que o valor da força de trabalho é determinado por dois fatores conjugados, vale dizer, a violência (que promove a aludida dissociação entre trabalhador e meios de produção, liberando o trabalho eminentemente manual) e o trabalho (especificamente o labor educacional dos professores, que desenvolvem o aspecto intelectual do trabalho, no modo de produção capitalista maduro).

Ante o exposto, ousamos postular o quanto segue. 

Ora, sabemos que a teoria marxista do valor, descrita em O Capital, encerra aporia e tautologia ao preconizar que o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de subsistência básicos do respectivo trabalhador, o que se exibe infenso à hipótese de determinação do valor da mercadoria pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção, afora desconsiderar por completo a violência necessária à produção de tal força de trabalho enquanto mercadoria. 

Pois bem, ventilo aqui a hipótese de, que nos períodos históricos de subsunção formal e real do trabalho no capital, em que a força de trabalho ainda não é produzida pelo trabalho educacional dos professores no ambiente escolar (dado o caráter eminentemente manual do trabalho industrial), o principal fator determinante do valor da força de trabalho consiste na violência (como nos casos do escravismo colonial e da assim denominada acumulação primitiva de capital, em que se enceta a dissociação entre trabalhador e meios de produção), bem assim que o trabalhador (seja o escravo colonial ou o empregado assalariado) recebe como pagamento, pelo respectivo empregador, apenas o equivalente aos meios de subsistência básicos, vale dizer, necessários à sua sobrevivência.

Somente no período hodierno da subsunção total do trabalho no capital, com o advento da revolução digital e do trabalho eminentemente intelectual, utilizado na produção de programas de computador ou software, somente agora observa-se a maturidade da força de trabalho como mercadoria, porquanto produzida não apenas pela violência (que separa trabalhador e meios de produção), mas também pelo trabalho educacional dos professores em ambiente escolar, de tal sorte que a acima mencionada teoria marxista do valor, exposta na obra O Capital, adquire vigência destituída de aporias e tautologias, o que denota a maturidade ampla do modo capitalista de produção e de sua mercadoria característica, a força de trabalho.

Mas, colimando completar e oferecer acabamento à teoria do valor (aplicável ao modo capitalista de produção em sua fase hodierna e madura), cabe ainda investigar, com profundidade, em que exata medida a violência também determina o valor da força de trabalho, cabendo, nesse caso, admitir preambularmente que:

1. em um primeiro momento histórico, a violência socialmente instituída serve para dissociar o trabalhador e os meios de produção, como no caso do escravismo colonial e da acumulação primitiva de capital;

2. em um segundo momento histórico, a violência socialmente instituída serve para preservar e manter a mencionada dissociação entre trabalhador e meios de produção, como no caso do capitalismo maduro hodierno, em que o monopólio estatal da violência tem seu custo repassado para a sociedade mediante o sistema tributário. 

Hipóteses incipientes e sub judice.






por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.  

sábado, 1 de novembro de 2025

VIOLÊNCIA E TRABALHO COMO FATORES SOCIAIS E HISTÓRICOS DA PRODUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO ENQUANTO MERCADORIA CAPITALISTA POR EXCELÊNCIA

Como vimos, aquilo que distingue o modo capitalista de produção dos demais modos de produção, que historicamente o precedem, não é a produção de mercadorias, mas a produção de uma mercadoria específica: a força de trabalho. 

Ademais, faz-se  mister obtemperar que a força de trabalho é produzida por dois fatores sociais e históricos fundamentais: a violência e o trabalho, senão vejamos.

Pela violência, temos a separação entre trabalhador e meios de produção: assim, tanto no escravismo colonial, descrito por Jacob Gorender, quanto na acumulação primitiva de capital, descrita por Karl Marx, observa-se aludida dissociação social e violenta, sendo certo que tanto o senhor de engenho, no Brasil colonial, quanto o ulterior capitalista industrial britânico pagam similarmente por esta violência produtora de força de trabalho, o primeiro na aquisição de escravos e o segundo no adimplemento de tributos estatais, pagamento este que é transferido para o preço das demais mercadorias finais, como açúcar e produtos têxteis.

Já no período que denomino como de subsunção total (e não meramente formal ou real) do trabalho no capital, quando se estabiliza a produção social desta força de trabalho (que agora é explorada tanto em suas potencialidades manuais quanto intelectuais) pelo sistema educacional estatal e pelo exercício do monopólio da violência pelo Estado, o custo integrado de tal produção da força de trabalho, através do trabalho educacional dos professores e da violência das forças públicas (que preservam a dissociação entre os trabalhadores e os meios de produção), é consolidado no sistema tributário estatal suportado por toda a sociedade.

Hipóteses sub judice





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.  

domingo, 26 de outubro de 2025

ESQUETE SOBRE VALOR E VIOLÊNCIA

"Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie"

Walter Benjamin


Vimos que a forma-mercadoria pressupõe a propriedade privada dos meios de produção dessa mercadoria, bem assim que tal propriedade privada dos meios de produção funda-se no trabalho e na violência, sendo certo que, por esta última instância, o indivíduo ou grupo proprietário adquire ou impede a turbação de sua propriedade por outrem, de tal sorte que trabalho e violência desenvolvem-se dialética e ulteriormente, na escravidão, em uma classe social que só trabalha e outra que exerce a violência sobre a primeira. 

Mas aduzimos outrossim que o valor de dada mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, em homenagem ao trabalho como instância fundamental da propriedade privada dos meios de produção de tal mercadoria: o que dizer, no entanto, da violência, a segunda instância de tal propriedade privada dos meios de produção dessa mercadoria? Não deve ser considerada na determinação do valor dessa mercadoria?  

Ousaria responder afirmativamente a tal indagação. 

Sem embargo, podemos tomar o exemplo do antigo sistema colonial tão bem descrito, verbi gratia, por Fernando Novais e Jacob Gorender, em que o preço do produto final das colônias escravistas, como o açúcar no Brasil colonial, era composto em grande medida, ainda que indiretamente, pelo custo de escravização no continente africano.

Ademais, no capitalismo hodierno, o papel da violência na determinação do valor ou preço final das mercadorias exibe-se pressuposto no custo dos tributos que sustentam o aparato burocrático-militar estatal que, em última instância, serve apenas como mantenedor, pelo monopólio legal da violência, da propriedade privada capitalista dos meios de produção contra a massa de trabalhadores despojados dessa propriedade e que, portanto, devem alienar sua força de trabalho pra sobreviver.

Destarte, a violência, e não apenas o trabalho, funciona como fator determinante do valor mercantil, segundo o acima exposto.

Hipóteses sub judice.




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

TEMAS INCIPIENTES SOBRE ABSTRAÇÃO E VALOR DE TROCA

À abstração do indivíduo, ou grupo, isolado, que se dissocia da história passada de que na verdade é fruto, corresponde a abstração do valor de troca da mercadoria, que adquire autonomia como dinheiro, ou seja, como circulação de mercadorias. 

Isso porquanto a TROCA de mercadorias pressupõe distintos PROPRIETÁRIOS dessas mercadorias que são trocadas, isto é, os indivíduos ou grupos isolados somente se relacionam entre si na troca de merdadorias como seus respectivos proprietários, pois, nota bene, não faz sentido cogitar em troca de mercadorias entre indivíduos que são coletivamente detentores ou proprietários de um conjunto de objetos meramente compartilhados, e não trocados, entre os mesmos.  

Logo, a propriedade privada do objeto a ser trocado como mercadoria consiste em pressuposto da relação social ou de produção consubstanciada nessa troca de mercadorias. 

Mas, na verdade, a propriedade privada de dada mercadoria decorre da apropriação, pelo trabalho e pela violência, de determinados meios de produção dessa mesma mercadoria, de tal sorte que o aspecto abstrato da mercadoria, ou seja, seu valor de troca, é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a respectiva produção, cabendo não olvidar que seu valor de uso consiste na sua qualidade concreta de satisfazer a necessidades humanas concretas. 

Dessume-se, portanto, que o aspecto abstrato da mercadoria, isto é, seu valor de troca, corresponde ao aspecto abstrato do indivíduo, ou grupo isolado, como proprietário privado de determinados meios de produção.

Em suma, a abstração da mercadoria exibe-se homóloga à abstração do indivíduo ou grupo isolados como proprietários privados.   





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

OS TEMPLOS DOURADOS, OU EXÓRDIO DO PREÂMBULO DE UM BOSQUEJO ENSAÍSTICO.

Há dois templos católicos brasileiros, de estilo arquitetônico colonial, que, somados, encerram bem mais de uma tonelada de ouro adotada como adorno, a saber, a basílica de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto e a igreja de São Francisco em Salvador, mas tal abundância em metal precioso não se exibe, de forma alguma, como aleatória, muito pelo contrário, pois é cediço que o ouro consiste na manifestação concreta mais apropriada e longeva da relação de produção consubstanciada no dinheiro, que nada mais é do que a denominação por excelência da circulação de mercadorias, as quais, por seu turno, guardam uma dupla faceta como valor de uso, seu aspecto concreto consistente na satisfação de necessidades humanas, e como valor de troca, seu jaez abstrato, sendo certo ainda que esta última qualidade da mercadoria destaca-se dela e adquire autonomia para funcionar precisamente como dinheiro, mas convém lembrar que, previamente a tal autonomia, a troca simples de mercadorias se impunha como forma de simbiose entre agrupamentos humanos, de tal sorte que as aludidas relações de produção, isto é, a mercadoria e sua troca simples, que teve como sucedâneo o dinheiro ou a circulação de mercadorias, exsurgem como formas alienadas e heterônomas de relações sociais entre os seres humanos, que os governam e regem à sua revelia como uma opressão de origem e caráter divino, razão pela qual a troca simples de mercadorias produziu o politeísmo, enquanto o dinheiro ou a circulação de mercadorias engendrou o monoteísmo, na exata medida em que, neste último caso, o instrumento monetário pode ser substituído e corresponder a qualquer tipo de mercadoria, vale dizer, pode transfigurar-se em qualquer valor de uso, mas o mais fascinante em toda essa história é que, em dado momento, o dinheiro cai dos píncaros divinos da circulação de mercadorias para voltar ao universo demasiado humano da produção de tais mercadorias, agora como capital propriamente dito ou em sentido estrito, o que pode ser apreendido na forma adquirida por um acontecimento histórico emblemático designado como Revolução Industrial, acontecido na Inglaterra durante o século XVIII da nossa era, ou seja, a era cristã, alusão esta bastante oportuna e conveniente, eis que a figura grandiloquente de Jesus Cristo pode ser interpretada como um monstruoso vaticínio do capital, na medida em que também é uma maneira de ascensão do abstrato ao concreto enquanto manifestação humana e corpórea da própria divindade monoteísta de uma determinada tradição religiosa, encetada pelo povo hebreu, sendo certo, como corolário geral do acima exposto, que os templos católicos inicialmente mencionados foram adornados com ouro abundante para mostrar seu jaez e caráter precisamente divino e transcendental, enfim, para exibir o aspecto concreto e material da divindade corporificada no Salvador.    






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

DO ABSURDO EXISTENCIALISTA (ao camarada LINCOLN SECCO, exímio curador marxista brasileiro)

Muito provavelmente, a faceta mais radical do existencialismo consista na ideia de absurdo, esta ausência de sentido no mundo, desenvolvida teoricamente, verbi gratia, por Albert Camus e conduzida ao paroxismo por Emil Cioran, para quem, no limite, o suicídio pode configurar uma saída trágica, mas honesta, para esta falta de esperança na existência humana.

Mas, efetivamente, o que conduz a esse pessimismo exacerbado, a esse abismo vertiginoso?

O contraponto dos existencialistas ao racionalismo absoluto de Hegel, na verdade, não introduziu nada de sistemático em seu lugar, remanescendo no âmbito do irracionalismo individualista que conduz, em última instância, àquela ideia de abismo e absurdo suicidas. 

Um esforço concentrado para devolver sentido à existência humana foi logrado, todavia, pelo socialismo científico, que deslocou o indivíduo do centro das investigações para entronizar a sociedade dividida em classes sociais antípodas, em que o sentido da necessidade revolucionária de constituição da verdadeira Humanidade, despojada de antagonismos de classes sociais e Estados nacionais, e onde cada indivíduo poderá desenvolver suas plenas capacidades ao obter uma existência materialmente digna desse nome, substitui o vazio e o absurdo individuais existencialistas. 

Nesse diapasão, o socialista Louis Althusser costumava asseverar que os indivíduos, por ora, são meros vetores de determinações estruturais do capital, sendo certo, portanto, que o vazio existencial e o absurdo individual decorrem precisamente do fato de que os seres humanos estabelecem entre si relações de produção, ou de propriedade dos meios de produção, heterônomas e alienadas, que os governam à sua revelia e que os destitui de sentido próprio para existir no mundo. 

Tais relações de produção atingem o apogeu no capital, esta faceta abstrata da forma-mercadoria que obtém autonomia e governa o destino dos seres humanos de forma alienada e heterônoma, parecendo lícito ventilar que, precisamente, este jaez ABSTRATO do capital é que produz a sensação individual de vazio existencial e absurdo do mundo. 

Mas a verdadeira Humanidade já aludida, a ser alcançada no comunismo mundial vindouro, restituirá o sentido da existência aos invidíduos humanos, mas agora em chave coletiva, e não egoísta. 

Eis, portanto, o sentido e a tarefa que se impõem hodiernamente aos seres humanos enquanto coletividade: a revolução que suplantará o capital para alcançar o comunismo mundial. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.          

terça-feira, 21 de outubro de 2025

MACHADO DE ASSIS (em homenagem à estimada camarada MARISA YAMASHIRO)

O meu inigualável herói cinematográfico, o realizador DAVID LYNCH, costumava aborrecer-se quando o mistério de uma película quedava elucidado e resolvido, mas este mesmo cineasta aduzia, em tom mais filosófico, que não era apropriado escrutinar o sentido de um filme, assim como não é relevante procurar pelo sentido da vida ou da existência, de tal sorte que o jaez absurdo das obras deste autor reside, na verdade, em uma postura existencialista radical.

Parece oportuno obtemperar, nesse diapasão, que as origens do existencialismo filosófico fincam espeque na contraposição ao sistema racionalista extremado do último grande filósofo, Hegel, contra o qual se insurgem vozes da estirpe do niilista Nietzsche e do cético Kierkegaard, sendo certo que este último esgrimiu a lapidar sentença segundo a qual "os filósofos constroem castelos de ideias e moram numa choupana"

Destarte, para estes críticos de Hegel, enveredar pela busca de um sentido ou essência da vida consiste em erro grosseiro, eis que o mistério da existência remanescerá sempre incólume. 

Mas Machado de Assis, ao recusar-se, em seu romance "Dom Casmurro", a desvendar o mistério do possível adultério de Capitu contra Bentinho, já em 1899, insere-se nessa grande linhagem existencialista que rompeu com todas as formas de teleologia ou busca por sentido nesta vida misteriosa e fascinante. 

Parafraseando o que asseverou Dostoievski em relação a "O capote" de Gógol, postularíamos que somos todos caudatários de "Dom Casmurro" do bruxo de Cosme Velho, uma linhagem misteriosa que, no cinema, por exemplo, vai de "Os Pássaros" de Alfred Hitchcock a "Twin Peaks" de David Lynch.

MACHADO DE ASSIS, aqui, agiganta-se como digno de integrar o mesmo panteão de Dante, Shakespeare, Cervantes e Goethe. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

PARA VERA COTRIM

Raro encontrar uma pessoa inteira

vemos elas mesmo

aos pedaços

numa réstia da luz do sofrer

Numa fome de tudo perdida

num post logo apagado

É raro


Mas não a Vera

Inteira ela era


É evidente

ontologicamente

Quem pensa fora da caixa

vive fora dela

Quem busca a verdade

exercita até se tornar

Vera


Saudades de conversas inteiras

que eu não entedia a metade

de gente fazendo história fora da aula

sem medo ou pudor

sem patriarcado

Inteira

Vermelha

Vera






Por CIRO SEIJI YOSHIYASSE 

sábado, 18 de outubro de 2025

O FIM DO EGO, TERCEIRA PARTE: LITERATOS.

Manifestações daquilo que venho denominando fim do ego, ou a crise da ideologia do individualismo burguês e da respectiva egolatria típica do capitalismo, ocupam lugar bastante evidente no âmbito da literatura, senão vejamos alguns casos bem interessantes em que a obra sobrepuja em muito a biografia do respectivo autor.

É cediça, nesse diapasão, a reclusão voluntária de Dalton Trevisan, alcunhado de "O vampiro de Curitiba", completamente avesso a aparições públicas e à concessão de entrevistas, bem assim a diretriz inobservada de Franz Kafka ditada a seu amigo Max Brod, para que este descartasse toda a sua obra literária inédita após o seu desaparecimento, que revelam evidente desapego aos louros e privilégios da fama e do dinheiro que afagam o ego das figuras públicas nesse departamento. 

Mas talvez a maior manifestação literária de desapego do ego esteja encerrada na vida e na obra de Fernando Pessoa, que viveu modestamente como burocrata do comércio, mas expandiu tal ego em um universo literário de heterônimos que suplantou de forma exponencial essa humilde e monótona existência pequeno burguesa, uma vida totalmente dedicada à edificação de uma obra que o alçou à condição de um dos maiores poetas de todos os tempos, um reconhecimento também póstumo que evidencia sua integral ausência de egolatria burguesa; um sujeito que, parafraseando o grande Rabindranath Tagore, plantou uma verdadeira floresta sabendo que jamais viria a se sentar à sombra de uma única de suas frondosas árvores.  




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

O FIM DO EGO, SEGUNDA PARTE: GRIGORI YAKOVLEVICH PERELMAN.

Ainda no compartimento dedicado ao fim do ego e decadência do sujeito histórico individual, faz-se mister, com a máxima urgência e solenidade, mencionar o caso do matemático russo cujo nome está em epígrafe, Grigori Perelman. 

No final de 2002 e começo de 2003, esse matemático demonstrou, em artigos publicados no sítio eletrônico denominado arXiv, um dos sete maiores problemas matemáticos, até então não resolvidos, segundo a lista do prestigiado Instituto Clay, isto é, a assim designada conjectura de Poincaré, o que lhe rendeu ensejo ao Prêmio do Milênio no valor de um milhão de dólares, bem assim a também prestigiada Medalha Fields, considerado o maior galardão mundial na seara da matemática. 

Eis a resposta de Perelman ao recusar ambos os prêmios:

"Não estou interessado em dinheiro ou fama, não quero ser exibido como um animal em um zoológico"

Assim procedendo, Perelman retirou-se definitivamente da vida acadêmica e pública e isolou-se na reclusão absoluta, asseverando seu descontentamento com a monetização da ciência e a falta de reconhecimento público de seus predecessores no campo de investigação a que se dedicava.

Tal relato prescinde de comentários, mas talvez Perelman seja um comunista soviético, um stalinista "de raiz"!

Bobby Fischer será objeto da próxima publicação, não percam!





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.      

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O FIM DO EGO

Já tivemos a oportunidade, aqui, de obtemperar que a identidade individual e o ego desenvolvem-se a partir do complexo edipiano descrito por Sigmund Freud, mediante o qual o ser humano afasta-se da família originária e se torna, digamos, livre para constituir sua própria família, processo este que produz a impressão e a ideologia de que o indivíduo está isolado no mundo e que não é fruto das sociedades atual e passada, o que está no fundamento da propriedade privada dos meios de produção, sejam eles fundiários ou capitalistas. 

O socialismo científico de Karl Marx e Friedrich Engels talvez constitua a crítica mais radical de tal ideologia, crítica esta que entronizou, como sujeitos históricos, as classes sociais como sucedâneo dos indivíduos e heróis da historiografia. 

Hodiernamente, esta consciência da ideologia, digamos, egoísta ou ególotra adquiriu alguns contornos interessantes:

Tomemos o exemplo da literatura: Elena Ferrante e Thomas Pynchon fazem absoluta questão de ocultar o ego sob o manto do pseudônimo ou da reclusão absoluta, enquanto, nas artes plásticas, a identidade do artista gráfico Banksy remanesce uma incógnita intransponível. 

Mas, pasmem, é no âmbito da economia que reside o maior de todos os mistérios hodiernos: quem seria Satoshi Nakamoto, pioneiro misterioso e recôndito das criptomoedas ou moedas digitais? Até hoje não se sabe ao certo se ele existe ou não, se é de fato um indivíduo ou um coletivo!

Façamos uma solene saudação a estas misteriosas manifestações de fim da ideologia do ego, algo que, na política, por exemplo, antolha-se-nos muito distante. 



por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

terça-feira, 14 de outubro de 2025

A LUA E A AREIA

 A LUA E A AREIA

 

Em memória de Arthur Charles Clarke e Stanley Kubrick 

 

 

 

O eventual e nobre leitor destas páginas manuscritas com sangue, na melhor e mais confiável tradição fiduciária encetada por Friedrich Nietzsche, quiçá venha a se recordar de que este humilde servo, que ora lhe dirige estas linhas, algures já ventilou a conjectura de acoplar ao texto agora sob escrutínio uma música incidental oriunda de algum aparelho externo e avulso, apto a amenizar com melodias e acordes a respectiva leitura, e neste caso eu tomaria a liberdade de sugerir uma faixa de jazz intitulada “Moon and Sand”, do álbum Standards, devidamente executada, com maestria técnica e alma engajada, por Keith Jarrett ao piano, Gary Peacock ao contrabaixo e Jack DeJohnette na percussão, para então relatar que em determinada noite de lua cheia, há séculos já passados, em certa ilha inserida no oceano Pacífico à altura do equador, ocorria nas areias mornas do litoral uma cerimônia fúnebre de corpo presente, dedicada ao recém falecido ancião da tribo local, e rigorosamente dirigida pelo sacerdote do grupo, que comparecia na íntegra, chefe religioso este que prolatava sentenças de lamento e profunda consternação pelo acontecido com o velho e sábio membro daquela população temente ao todo poderoso criador do universo, e então o líder confessional já aludido empreendeu uma pausa no inflamado discurso para fitar o luar e obtemperar que aquilo, a morte, também lhe ceifaria o vigor vital algum dia desses, enquanto aquele satélite lunar, e o deus particular que ele encerrava em seu mais recôndito âmago, remanesceriam airosamente e com galhardia, malgrado o finito destino individual de cada rosto ali constante, mas talvez aquela tribo guardasse o condão de se perpetuar nos rebentos dos componentes daquele cortejo de exéquias, e tal reflexão acalmou seu despedaçado músculo do átrio esquerdo do peito, enquanto as ondas oceânicas provocavam inexoravelmente o celeuma típico dos mares daquela região longínqua no meio do nada e olvidada pelo já mencionado todo poderoso.

Neste exato momento, a milhares de quilômetros distantes dali, na região do mesmo planeta hoje conhecida como floresta amazônica, dois pajés de tribos distintas e tradicionalmente inimigas, marcadas por disputas territoriais e guerras infindáveis entre si, encontram-se solenemente em território neutro para trocar presentes e remédios, bem assim para estabelecer colóquio amistoso sobre a vida, com empreender diálogo pacífico sobre a finitude do corpo e a infinitude da alma, ou mais especificamente acerca da maneira como somos capazes de escutar nosso espírito interno através do turbilhão incontido do pensamento, algo que permanece fora do controle de nossa vontade e revela o jaez divino de nossas breves existências materiais, eis que tal entidade mental e desgovernada reúne-se, após a morte corpórea, aos deuses perenes que habitam a floresta e contêm os mistérios da selva que cura e mata com a mesma falta de cerimônia, mas que acolhe com ternura o burburinho musical produzido pelas águas do imenso rio que corre ao largo de forma incessante e que não respeita qualquer celebração fúnebre das tribos que habitam suas adjacências, mas fornece a substância líquida e o alimento vivo imprescindíveis para o corpo individual dos integrantes dos povos que moram ali há dezenas de séculos.  

Muito, muito tempo após os acontecimentos acima narrados, deparamo-nos agora no continente africano, mais especificamente no litoral da costa de seu flanco oeste, com um grupo de comerciantes europeus, oriundos da península ibérica, que empreende, com boa dose de altivez, complexas tratativas com as autoridades de determinada nação local, colimando a aquisição de um lote de escravos jovens e hígidos destinado ao labor nas plantações e engenhos de açúcar na porção nordeste do país que ora veio a se denominar como Brasil, parecendo conveniente aventar e aduzir nesse particular que o instituto da escravidão resulta na verdade do desdobramento da apropriação, pelo trabalho humano de certo grupo, de determinado meio de produção ou propriedade fundiária, a qual demanda, por seu turno, a violência como estratagema para sua manutenção contra a desapropriação respectiva, pelas vias bélicas, por outros grupos distintos, de tal sorte que em algum momento o trabalho e a violência dissociam-se e se fazem autônomos para que floresça uma classe de escravos, que somente trabalha, e outra de senhores, que exerce a violência contra a primeira, cabendo destacar ainda que a transfiguração da troca simples de mercadorias em circulação de mercadorias por intermédio do dinheiro, esta faceta autônoma do valor mercantil abstrato em forma de metal precioso, máxime de ouro, encerrou o nefasto condão de recrudescer aquele aludido instituto da escravidão, razão pela qual estamos agora a discorrer sobre tal assunto para, sem embargo, haurir como corolário desta breve digressão de história econômica que à época da troca simples de mercadorias corresponde o politeísmo como manifestação religiosa predominante, enquanto o dinheiro, ou a circulação de mercadorias, engendra o monoteísmo como unificação de todas as entidades divinas que encantavam a natureza em seus variegados fenômenos, tanto animados quantos inanimados, como minerais, vegetais ou animais, de tal maneira que o Deus único e onipresente desta derradeira crença religiosa pode ser compreendido outrossim enquanto culminância da autonomia do pensamento ou da mente humana que se convola em divindade antropomórfica solitária e infalível.

No entanto, o dinheiro monoteísta ainda se exibia deveras arraigado na mercadoria politeísta, na exata medida em que resultava da autonomia completa da faceta mercantil como valor abstrato, bem assim funcionava como mera circulação de tais objetos satisfativos de necessidades humanas, de tal sorte que algum dia o dinheiro seria inapelavelmente compelido a descer dos píncaros onde reinava e se reintegrar ao mundo da produção da vida material dos seres humanos, da mesma forma como o Deus monoteísta seria instado a se comunicar com o homo sapiens novamente, o que Prometeu fez com o Olimpo ao entregar o fogo aos mortais, bem assim o Fausto medieval efetuou ao estabelecer contrato com Mefistófeles, mas a mais acabada manifestação religiosa da ascensão do abstrato ao concreto, ou da aliança entre o Deus monoteísta e os homens finitos, foi decerto a figura grandiloquente de Jesus Cristo, esse Deus onipresente que se fez ser humano, representando o mais acabado e lapidado vaticínio daquilo que seria um dia denominado pelo Mouro de Trier como capital, ou seja, a reintrodução do dinheiro no mundo de carne e osso dos seres humanos, a saber, na produção e reprodução da vida material dos reles mortais, que teve como acontecimento culminante a Revolução Industrial inglesa do século dezoito da era cristã, solenemente saudado e perenizado, por aquele mesmo Mouro de Trier, na imagem do Prometeu desacorrentado.   

Cabe obtemperar que esta ascensão do abstrato ao concreto do dinheiro no mundo, denominada capital, correspondente no âmbito religioso à corporificação do Deus monoteísta em forma de ser humano, consiste na verdade numa massa disforme de máquinas que submete o corpo dos trabalhadores para extrair o lucro, mas a história ulterior demonstrará que também a mente deste operário será subsumida no capital para extração de lucro, sendo certo asseverar que tal subsunção adquirirá a forma de um programa de computação denominado inteligência artificial, que regerá e acelerará o pensamento humano para os fins colimados de enriquecer a classe dos detentores destes meios de produção de coisas ou pensamentos, de tal sorte que, agora, a divisão entre senhores e escravos convolou-se em antagonismo entre capitalistas e trabalhadores, mas esta dissociação e divisão dos seres humanos em classes sociais distintas e inimigas alcançará, como vaticinado pelo Mouro de Trier acima citado, um dia derradeiro, quando então os trabalhadores subsumidos no capital tomarão de assalto as máquinas e a inteligência artificial dos capitalistas numa revolução mundial que restabelecerá a harmonia e a irmandade entre os mortais.

Esta harmonia mundial, que nosso Mouro de Trier uma vez denominou comunismo, não encerrará, contudo, o condão de afastar aquela dicotomia entre a finitude do corpo e a infinitude da alma, tão característica do mundo dominado pela mercadoria, e os seres humanos remanescerão aflitos com a morte, que castiga cruelmente o fluxo contínuo e incontido de seu pensamento, mas eis que alguém logrou a ideia de derrotar a finitude do corpo mediante a fusão dos cérebros humanos com a inteligência artificial, de tal maneira que todos os indivíduos da espécie do homo sapiens teriam suas sinapses cerebrais devidamente mapeadas e copiadas para serem introduzidas em um único e monumental dispositivo algorítmico que contemplará todas as mentes do mundo, e então esses seres humanos renunciarão ao seu corpo físico para cingirem-se a pensamento puro introduzido naquele grande dispositivo algorítmico que abroquelará todos os indivíduos da espécie, os quais lograrão enfim derrotar a morte e a finitude física para ganhar a Lua e as estrelas deste universo tão belo quanto desconcertante, e este seres humanos fundidos no algoritmo gigantesco concederão um novo nome para toda a humanidade vitoriosa contra a morte: DEUS.

 

 

Por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA 

domingo, 12 de outubro de 2025

A HISTORIOGRAFIA MARXISTA ENTRE O CAPITAL E O MANIFESTO COMUNISTA.

A historiografia de inspiração marxista bifurca-se em duas vertentes bem delineadas, cada qual sob a égide de uma das duas principais obras do socialismo científico, a saber, O Capital e o Manifesto Comunista, de tal sorte que, no primeiro caso, temos uma história das relações de produção alienadas que os seres humanos contraem involuntariamente entre si, reificadas nas categorias econômicas que se sucedem no curso do tempo histórico, vale dizer, a mercadoria, o dinheiro, o capital e suas variações; no segundo caso, exibe-se uma história dos seres humanos divididos, pelas relações de produção acima mencionadas, em classes sociais antagônicas, isto é, uma história das lutas de classes. 

Ao historiador marxista cabe colimar a fusão entre estas duas vertentes, para obter uma historiografia totalizante entre os modos de produção e as lutas políticas de classes sociais. 

Eric Hobsbawm talvez seja o modelo mais próximo deste tipo de historiador marxista totalizante. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

O ÚLTIMO FILÓSOFO

Não resta dúvida de que o último grande sistema filosófico coincide com o idealismo de George Wilhelm Friedrich Hegel, o pioneiro a descortinar, pela entronização da razão absoluta, a lógica dialética que rege a história, asseverando que o real é racional e o racional é real. 

Demasiado abstrata, porém, a razão idealista de Hegel, que rege a história universal, reflete, na verdade, o mundo burguês das relações de produção alienadas e heterônomas do capital, em que os seres humanos, segundo Louis Althusser, não são mais do que meros vetores de determinações estruturais deste capital, e que produziu nossa arte e nossa ciência também abstratas, fundadas no indivíduo como proprietário privado dos meios de produção. 

Soren Kierkegaard parece ter sido o primeiro a insurgir-se contra o sistema idealista de Hegel com a lapidar senteça: "O filósofo constrói um castelo de ideias e mora numa choupana", no que foi seguido pelo niilismo de Friedrich Nietzsche, que preconizava liquidar a marteladas com todas as abstrações em nome do advento do sobre-humano e da transvaloração de todos os valores.

Malgrado sua eloquência, todavia, esses precursores existencialistas, críticos de Hegel, deixaram de estabelecer os fundamentos da superação da alienação em que se funda a razão abstrata idealista, quedando, portanto, confinados no âmbito do irracionalismo filosófico. 

Mas Karl Marx logrou superar a razão abstrata do sistema idealista mediante um sistema materialista histórico, fundado na praxis social e na razão concreta, e não no indivíduo isolado dos existencialistas, ao preconizar que "os filósofos cingiram-se a interpretar diferentemente o mundo: cabe, porém, transformá-lo"

Destarte, no comunismo mundial, previsto por Marx, a razão concreta prevalecerá sobre a razão abstrata, mediante o advento de um algoritmo central alimentado com todos os dados de produção e consumo mundiais de todos os agentes econômicos, ao qual caberá tratar e processar tais dados para atribuir a cada um segundo suas necessidades, e para exigir de cada um segundo suas possibilidades, consoante a máxima comunista inspirada nas Sagradas Escrituras da tradição judaico-cristã. 

Nesse novel e vindouro modo de produção social, comunista mundial, o real tornar-se-á racional e vice-versa, concretizando o vaticínio do último filósofo, Hegel.




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.    

Homenagem a VERA COTRIM, Presente!

 

Com muita tristeza e consternação comunicamos pesarosos o falecimento de nossa camarada Vera Cotrim, uma grande intelectual marxista e militante. Generosa e atenta, nestes tempos de tantos recuos táticos, Vera apontava para o erro com dignidade. Nós do Núcleo de Estudos d'O Capital nos juntamos a familiares, filhos, alunos e tantos militantes neste momento de pesar num grande abraço solidário e socialista.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

INFORTUNÍSTICA (em homenagem ao exímio mestre e causídico ANTÔNIO JOSÉ DE ARRUDA REBOUÇAS)

Hodiernamente, observa-se uma evidente  pletora pandêmica de afastamentos do trabalho por doenças mentais de nexo etiológico infortunístico. 

Na década de 1990, quando atuei como procurador federal no âmbito de acidentes do trabalho, ainda predominavam os acidentes típicos e as mesopatias como lesões por esforços repetitivos, disacusias e anacusias, enfim, doenças relacionadas ao trabalho manual tipicamente fabril. 

Atualmente, no entanto, com a revolução digital e aquilo que denomino subsunção total do trabalho no capital, vale dizer, o advento do trabalho eminentemente intelectual subsumido no capital produtor de programas de computador, ou software, as mesopatias convolaram-se em doenças mentais laborativamente incapacitantes.

A inteligência artificial como capital fixo tende a agravar tal situação, ao pressionar pela celeridade e produtividade do trabalho humano eminentemente intelectual. 

Notas sub judice a desenvolver. 




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

ECOLOGIA (em homenagem ao grande companheiro LULA)

Repetidas vezes asseveramos aqui que a produção e reprodução da vida material humana em sociedade bifurca-se em dois vértices, a saber: o trabalho, pelo qual se produzem e reproduzem relações de produção, ou de propriedade dos meios de produção, heterônomas e alienadas que dividem a espécie do homo sapiens em classes sociais e Estados nacionais antagônicos; e a reprodução sexuada, pela qual se produzem e reproduzem os indivíduos da mencionada espécie. 

Evidentemente, as relações de propriedade dos meios de produção dividem a espécie do homo sapiens, enquanto a reprodução sexuada nos une enquanto espécie.

A hodierna crise ecológica é provocada, ao que tudo indica, pela globalização das relações de produção tipicamente capitalistas, mas encerra o potencial de aniquilar toda a espécie do homo sapiens, adquirindo, portanto, um jaez universal. 

O marxismo, ao qual espero estar teoricamente filiado, dirá que a tarefa de superar o capitalismo, e engendrar a humanidade concreta do comunismo mundial, está associada à classe despojada dos meios de produção, o proletariado ou classe trabalhadora, que encerra o dever histórico de, pelas lutas de classes, soterrar a propriedade privada dos meios de produção sob o império da propriedade coletiva mundial de tais meios. 

Todavia, o advento das armas nucleares encerrou também o condão de tornar as lutas de classes potencialmente aniquiladoras, outrossim, da nossa espécie biológica. 

Nesse diapasão, em que tanto o capitalismo quanto a luta para superá-lo podem potencialmente extinguir o homo sapiens, resta-nos o quanto segue:

A Inglaterra, palco pioneiro do advento histórico do capital propriamente dito mediante inserção do dinheiro no processo de produção material, testemunhou também uma certa acomodação política entre a decadente classe latifundiária, ou nobre, e a nascente burguesia industrial mediante o instrumento jurídico da renda da terra. 

Hodiernamente, seria talvez o caso de haurir um instrumento jurídico mundial, sucedâneo das lutas de classes, de indenização possível da classe capitalista pela desapropriação de seus meios de produção em nome da implantação da propriedade coletiva mundial de tais meios pelo proletariado universal: denominaria provisoriamente tal instrumento como renda do capital. 

Hipóteses sub judice.




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

sábado, 27 de setembro de 2025

POLITEÍSMO E MONOTEÍSMO

1. O politeísmo corresponde ao período histórico do predomínio da troca simples de mercadorias, quando ainda não se verifica a autonomia total de seu valor de troca no dinheiro, de tal sorte que as mercadorias ainda são intercambiadas pelo seu valor de uso nas proporções de seus respectivos valores de troca. 

2. Já o monoteísmo corresponde ao predomínio do dinheiro enquanto circulação simples de mercadorias, decorrente da total autonomia do valor de troca, isto é, do aspecto abstrato da mercadoria.




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.         

AINDA O TEMPO

Em geral, a matemática opera com as noções correlatas de número (aquilo que é limitado) e de infinito (aquilo que não tem limite), cabendo destacar que a limitação, nesse caso, produz dialeticamente o seu contrário, o ilimitado, o infinito. 

A realidade, todavia, antolha-se-nos mais complexa, pois encerra a dimensão do tempo, a saber, o devir, a expansão, o movimento de superar e extrapolar limites, que a matemática convencional e estática dos números e do infinito custa a apreender. 

Notas singelas sub judice. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.  

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

SHAKESPEARE

Sabemos que Nietzsche colimou superar a dicotomia platônica entre o céu e a terra com outra dicotomia, asseverando que o homem é uma corda atada entre o animal e o super-homem, uma corda sobre o abismo, mas sabemos também, através de Shakespeare, que entre o céu e a terra há mais coisas do que pode supor a nossa vã filosofia.


Isso porquanto tais dicotomias originam-se do duplo caráter da forma-mercadoria como valor de uso e valor de troca, seus aspectos respectivamente concreto e abstrato.


Somente quando superada a sociabilidade humana lastreada na forma-mercadoria é que poderá surgir a Humanidade concreta e o assim denominado super-homem de Nietzsche!






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

NOTA SOBRE INFLAÇÃO E SUPERPRODUÇÃO

Na obra de Rosa Luxemburgo, evidencia-se que a superprodução, potencialmente ensejadora de deflação,  é absorvida pela demanda oriunda da máquina burocrático-militar do Estado nacional, que se sustenta, mediante tributação, sobre parcela removida do excedente social capturado pelo capital privado em forma de lucro. 

Todavia, quando o Estado despende mais do que o fisco arrecada, ou quando a demanda estatal é maior do que a oferta pelo viés da superprodução, ocorre o fenômeno inflacionário. 

Nota sub judice e a desenvolver. 




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

terça-feira, 16 de setembro de 2025

LUDOPÉDIO

O ludopédio, ou futebol, atrai os holofotes e angaria sucesso ao redor do mundo porquanto mimetiza a vida política, podendo ser compreendido, grosso modo, como simulacro das lutas de classes e das guerras entre nações e, nesse diapasão, não é mero desporto, mas arte. 

Mas sobreviverá esse desporto de origem britânica ao advento do comunismo mundial vindouro, quando as lutas de classes e os Estados nacionais forem abolidos e, em sentido gramsciano, também o universo da política, cujo sucedâneo será a planificação econômica descentralizada?

Ousaria vaticinar afirmativamente, e mesmo assinalar que, provavelmente, o ludopédio adquira mais espaço na vida social com o advento do comunismo mundial, na medida em que poderá servir como válvula de escape lúdica para a competitividade intrínseca ao homo sapiens, isto é, servirá como sucedâneo inofensivo das lutas de classes e das disputas bélicas entre nações, que se converterão em história. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

HEGEL CONTRA HAYEK

Em boa medida, Friedrich von Hayek estava correto: a realidade exibe-se bem mais complexa do que é capaz de imaginar nossa vã filosofia, parecendo lícito aventar que o real mostra-se bem mais interessante do que pode apreender nossa arte e nossa ciência, seja ao tentar reproduzi-lo, seja ao colimar transcendê-lo.

No entanto, outrossim parece que, à medida que a história evolui e chegamos mais perto de superar a humanidade abstrata, dividida em classes sociais e Estados nacionais, para atingir o estágio da humanidade concreta no comunismo mundial, despojado dessas classes sociais e Estados nacionais, parece que conseguimos uma maior aproximação em relação ao conhecimento e apreensão da realidade, seja pela ciência, seja pela arte. 

O comunismo mundial poderá, ao menos no âmbito econômico, suplantar tal complexidade do real social com auxílio da rede mundial de computadores e da inteligência artificial, através daquilo que temos denominado aqui como planificação econômica descentralizada.

Teremos, então, a concretização histórica da máxima de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, consoante a qual o real é racional, e o racional é real, mas a razão, nesse caso, considerada em seu aspecto social e coletivo, não individual, ou seja, como resultado efetivo da combinação de todas as razões individuais.





por LUÍS  FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.  

sábado, 13 de setembro de 2025

AMARCORD

Em uma das melhores películas cinematográficas de todos os tempos, com trilha sonora idem, a vida pulsa cintilantemente, malgrado a onipresente luta de classes consubstanciada no embate entre fascismo e socialismo. 

Este é AMARCORD, do inigualável Federico Fellini, com música incidental do eloquente Nino Rota.

Por inúmeras vezes, tivemos a oportunidade de assinalar aqui que a produção e reprodução da vida material humana em sociedade desdobra-se em duas instâncias fundamentais, a saber, o trabalho e a reprodução sexuada.

Pela primeira instância, os seres humanos contraem entre si relações de produção, ou de propriedade dos meios de produção, heterônomas e alienadas, que os governam à revelia de sua vontade e que os dividem em classes sociais antípodas e inconciliáveis, o que engendra o mundo da política. 

Pela instância da reprodução sexuada, os seres humanos perpetuam a espécie do homo sapiens, conquanto a ideia de humanidade, propriamente dita, remanesça abstrata e irreal enquanto houver luta de classes sociais antagônicas e, portanto, política.   

Bem, Fellini empreende uma sátira da política no filme em comento, exaltando o universo da reprodução sexuada à flor da pele na juventude retratada de forma cômica e lúdica, mas com um lirismo insuperável.

Mas, nota bene, se a luta de classes sociais e a política nos dividem, a reprodução sexuada nos une, ao menos até o advento vindouro de um modo de produção em que tais classes sociais desaparecerão: o comunismo mundial, quando a humanidade deixará de ser um conceito vago e abstrato para vingar como realidade concreta.




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

OURO DIGITAL

O ouro como dinheiro encerrava, em relação às moedas fiduciárias emitidas pelos Estados nacionais, a vantagem de exibir um jaez universal.

Por isso o ouro, durante muito tempo, funcionou como lastro nas transações internacionais. 

Hodiernamente, as moedas digitais encerram também um caráter universal, enquanto não emitidas e oficializadas pelos Estados nacionais. 

Proponho, portanto, uma moeda digital oficial emitida pela OMC para servir como lastro nas transações internacionais em substituição ao dólar americano: o OURO DIGITAL. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.  

sábado, 6 de setembro de 2025

O VEREDITO

Na magistral película cinematográfica intitulada O Veredito, de 1982, realizada por Sidney Lumet com roteiro do inequívoco David Mamet, o poder corrosivo do dinheiro não poupa nenhuma instituição, seja ela religiosa, hospitalar ou judiciária, mas sabemos que tal ubiquidade do dinheiro radica na sua natureza como forma autônoma do aspecto abstrato da forma-mercadoria, vale dizer, seu valor de troca.

Há uma cena do filme, axial, em que o advogado Frank Galvin se depara com o bispo Brophy numa tentativa de conciliação jurídica que malogra, pois Galvin aduz procurar a verdade do caso em questão, ao que o bispo redargue: 

"Mas o que é a verdade?"

Ora, Lumet, nessa cena, equipara o bispo a Pôncio Pilatos e o advogado a Jesus Cristo, por óbvio. 

Mas a figura de Cristo, como Deus na forma de ser humano, pode ser compreendida como a ascensão do abstrato ao concreto, a superação concreta desse instituto abstrato que é o dinheiro. 

Por isso o advogado Frank Galvin, nas razões finais de sua atuação perante o tribunal judiciário, apela aos jurados não como representantes do Poder Judiciário, mas como indivíduos que encerram a justiça concreta em seus corações, ou seja, a justiça como manifestação concreta do reino de Deus. 




por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.   

domingo, 24 de agosto de 2025

O ELEVADOR

Pedro e Carla compunham um belíssimo e bem-sucedido casal paulistano, cada qual com seus trinta e poucos anos de idade, mas mesmo depois de dez anos de casamento ainda não tinham engendrado prole.


Eles habitavam um prédio de alto padrão no bairro nobre de Higienópolis, no centro da cidade de São Paulo, sendo certo que o seu requintado apartamento de duzentos metros quadrados era o único do trigésimo andar respectivo.


Cuidava-se de uma atipicamente gélida noite de sábado de fins de julho, com os termômetros indicando sete graus centígrados, e por volta das onze horas o casal, que estava sozinho assistindo a um agradável filme romântico, decidiu que a fome dos dois merecia celebração com pizza e vinho tinto.


Quanto ao vinho não havia muito a deliberar, já que sua adega estava bem fornida de tintos Bordeaux, egressos das melhores safras, mas no que pertine à pizza acabaram por decidir que encomendariam uma, inteiramente feita à moda portuguesa, no serviço de entrega do tradicional restaurante italiano do bairro, que os servia desde que se haviam mudado para aquele prédio, há dois anos.


Avençado isto, o problema que se imiscuía agora consistia em: qual dos dois desceria e depois subiria os trinta andares do prédio para buscar a pizza naquela noite de frio suficiente para congelar a medula dos ossos?


Como era costume, resolveram jocosamente a pendência no jogo de par ou ímpar e, dessa vez, a escolhida foi Carla, que foi compelida a vestir um confortável e espesso roupão de cor avermelhada, colimando desincumbir-se airosamente da saborosa, porém árdua tarefa.


A preguiça apresentava-se demasiada, mas quando o interfone tocou, alardeando a chegada do entregador com a encomenda, Carla não titubeou, levantou-se do sofá e dirigiu-se incontinenti ao elevador, já salivando com a imagem, delineada em sua mente, daquela iguaria inventada pelos napolitanos e, quiçá, aperfeiçoada pelos ascendentes lusitanos.


Aquele inverno era, com efeito, de um rigor implacável, e Carla sentia que lhe congelavam as extremidades do corpo, nada obstante o espesso e avermelhado roupão que a protegia.


A descida do elevador demorou os poucos segundos previstos, durante os quais nossa protagonista, que estava só, pôs-se a observar a sua própria e delgada silhueta refletida nos espelhos que cobriam as quatro paredes do recinto, o qual estava equipado com uma câmera, situada em um dos cantos superiores, que captava imagens de seu interior e as emitia diretamente para o monitor instalado na guarita do porteiro.


A distância que separava tal guarita do saguão de entrada do prédio não era de magnitude tão exacerbada, mas para Carla aquele percurso a céu aberto mostrou-se criogênico e úmido, pois também garoava, e ela o transpôs de forma ligeira, quase correndo.


Cumprimentou cordialmente o porteiro da noite, que lhe abriu o portão interno, e logo pôde divisar a sorumbática e escura figura do entregador de pizza sobre uma bicicleta, o qual se apresentava guarnecido de uma vestimenta impermeável e negra que lhe cobria todo o corpo, inclusive a cabeça por intermédio de um capuz largo e apto a fazer sombra sobre a face, a qual restava inteiramente incógnita.


Carla aproximou-se do portão externo, que permanecia fechado, e saudou sem resposta o entregador de pizza, que remanescia com a cabeça abaixada e a face encoberta por sombras, a pouca distância das grades de ferro, do lado de fora. Ela, então, mostrou o dinheiro do pagamento e introduziu sua mão na abertura entre as grades, destinada precisamente a tais tipos de troca com a parte externa ao portão do prédio, para pegar a encomenda.


Já na posse da pizza, ainda quente, Carla lançou um olhar mais atento em direção à figura do entregador, que dessa vez soergueu a cabeça para deixar sua tez à mostra por um curto instante.


O susto de nossa protagonista não foi desprezível, pois o entregador ostentava um semblante lívido exatamente igual à horripilante figura do ator Max Schreck em ação no filme Nosferatu de F. W. Murnau, com suas orelhas e dentes pontiagudos e olhos esbugalhados sob sobrancelhas espessas.


Mas o susto durou pouco, eis que o portador de pizzas imediatamente voltou a baixar a cabeça, escondendo o rosto na penumbra e retirando-se do lugar com extrema rapidez e em total silêncio.


Recobrada, Carla fez um gesto positivo para o porteiro do prédio, que retribuiu com um aceno de mão, desejando-lhe boa noite.


Antes de adentrar o elevador no retorno ao aconchego terno e aquecido do lar, em que o marido aguardava ansiosamente para encetar o banquete de pizza e vinho tinto, a moradora do trigésimo andar ainda se deteve por alguns instantes e voltou-se para trás com o pensamento direcionado para a bizarra figura do entregador, talvez com receio de que ele pudesse, de alguma forma, tê-la seguido até ali. Mas ela estava só, certeza esta que não impediu, todavia, que um certo calafrio lhe trespassasse a espinha dorsal.


Moveu-se finalmente para dentro do elevador, apertou o botão correspondente ao trigésimo andar e as portas respectivas fecharam-se. O mostrador digital do recinto começou então a fornecer o progresso da ascensão, a qual, no entanto, interrompeu-se abruptamente.


De fato, o elevador parou com um solavanco quando o mostrador digital da ascensão indicava o décimo terceiro andar do prédio, e novamente Carla assustou-se, pois seus pés chegaram a despegar-se do piso, tamanha foi a brutalidade do movimento que deteve a subida.


Ela aborreceu-se profundamente com o que estava a acontecer, mas com espírito prático apertou o botão para que as portas se abrissem, e então notou que estava na metade do caminho entre o décimo terceiro e o décimo quarto andares, sem possibilidade de evadir-se.


Pressionou então o botão que lhe permitia comunicar-se diretamente com o porteiro e chamou-o pelo nome, mas ele não respondeu aos apelos cada vez mais desassossegados de Carla.


Conquanto não padecesse de claustrofobia, a incômoda situação exasperou-a e a deixou em estado de quase pânico, pois não conseguia de forma alguma comunicar-se com o mundo exterior ao elevador.


Foi então que descobriu por acaso algo que aliviou um pouco sua tensão: em um dos bolsos do roupão estava o seu telefone celular.


Ora, é cediço que telefones celulares costumam falhar dentro de elevadores, mas isso tampouco deteve Carla na tentativa de estabelecer contato com seu marido pelo aparelho que agora estava em suas mãos.


Malograram, todavia, as tentativas da nossa protagonista, já que o telefone celular realmente não estabelecia ligações dentro daquele recinto.


O desespero, então, estabeleceu-se, e Carla passou a berrar desbragadamente.


Tal cena, tétrica, foi interrompida também abruptamente por um novo e pouco auspicioso evento: as luzes do elevador apagaram-se sem aviso e calaram profundamente a voz estrídula da moradora do trigésimo andar.


Na mais impenetrável escuridão, dentro de um elevador parado no décimo terceiro andar e sem qualquer contato com o mundo exterior, Carla ainda chegou a acalmar-se um pouco e teve a ideia de iluminar o recinto com a luz do telefone celular.


Ao acionar a luz do celular, Carla mirou o espelho à sua frente e então um estremecimento fustigou-lhe alma: a imagem que se descortinava era a do entregador de pizza ao seu lado, com um sorriso cínico nos lábios a mostrar os dentes pontiagudos.


Pedro, no apartamento, começava a impacientar-se, pois já se passavam cerca de dez minutos desde que Carla saíra para pegar a pizza.


Levantou-se do sofá e chamou o elevador.


Quando este chegou ao trigésimo andar e a porta se abriu, Pedro vislumbrou no chão do recinto o telefone celular de Carla e a embalagem de pizza com a tampa fechada.


Abriu a tampa e verificou que dentro da embalagem havia somente um punhado de pedaços de borda de pizza com marcas de mordidas.


Carla nunca mais foi vista.


As imagens gravadas pela câmera do elevador mostravam que ela jamais adentrara o ascensor após ter pego a pizza no andar térreo do prédio.


(por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA)

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A CULPA NA TRADIÇÃO JUDAICO-CRISTÃ

Já observamos que a produção e reprodução da vida material humana em sociedade processa-se por meio de duas instâncias bem delineadas, a saber: a reprodução sexuada e o trabalho. 

Entre tais instâncias insinuam-se duas contradições básicas evidentes:

1. O trabalho é realizado de forma coletiva pela divisão social desse mesmo trabalho, enquanto a reprodução sexuada é efetuada de forma individual, o que engendra tensão entre o indivíduo e a sociedade nas relações de produção, ou seja, nas relações de propriedade dos meios de produção econômica. 

2. Da reprodução sexuada pode-se extrair o máximo de prazer, enquanto do trabalho pode-se obter o máximo de dor. 

A contradição em 2 provoca o sentimento de culpa, eis que, para a manutenção da população e extração de prazer pela reprodução sexuada, é preciso também trabalhar e experimentar a dor do trabalho, sob pena de extinção. 

Tal sentimento de culpa aparece de forma evidente no simbolismo do pecado original inserto nas Sagradas Escrituras da tradição judaico-cristã. 




por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

sábado, 16 de agosto de 2025

DA MOEDA METÁLICA À MOEDA DIGITAL

Diviso três grandes etapas da evolução histórica do dinheiro, a saber:

1. Subsunção meramente formal do trabalho no capital: correspondente ao período da manufatura, anterior à revolução industrial inglesa do século XVIII e ao advento da maquinaria e grande indústria, em que a moeda ainda se exibe em sua forma metálica;

2. Subsunção real do trabalho no capital: posterior ao advento da maquinaria e grande indústria, quando a força de trabalho subsume-se efetivamente no capital, mas ainda em seu aspecto predominantemente manual e não intelectual, em que a moeda exibe-se como papel-moeda ou moeda fiduciária;

3. Subsunção total do trabalho no capital: período hodierno da revolução digital, quando a força de trabalho subsume-se no capital também em seu aspecto predominantemente intelectual, e não apenas manual, com o advento das moedas digitais ou criptomoedas.

Observe-se que tal evolução das moedas corresponde também a uma aceleração do processo de circulação de capital, o que encerra o condão de frear o declínio tendencial da taxa de lucro do capital, na exata medida em que diminui os assim denominados faux frais inerentes a esse processo de circulação de capital. 



por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O SUICÍDIO DE ALTHUSSER

Seguem algumas conjecturas bem incipientes e esquemáticas, na confluência entre psicanálise e marxismo, sobre o relato autobiográfico de Louis Althusser intitulado "O futuro dura muito tempo".

Nesse diapasão, partimos de três pressupostos, a saber:

1. A produção e reprodução da vida material humana em sociedade processa-se mediante duas instâncias bem delineadas, a saber: o trabalho, estudado por Karl Marx, e a reprodução sexuada, investigada por Sigmund Freud em seu aspecto psicológico. 

2. Louis Althusser não suportava o casamento monogâmico, tanto que estabelecia casos extraconjugais para constituir o que ele mesmo denominou como uma certa reserva de mulheres. 

3. Louis Althusser cometeu um injustificável feminicídio contra a própria esposa, mas foi considerado inimputável e confinado em manicômio judiciário. 

Sabemos que, através do complexo de Édipo descrito por Freud, o indivíduo separa-se do seu passado consubstanciado na família que o engendrou e constitui o seu próprio Ego, fundamento psicológico da propriedade privada dos meios de produção econômica e reprodução sexuada, típica da sociedade burguesa.

Ventilo aqui a conjectura de que Althusser exibia um Ego malformado decorrente de um complexo de Édipo incompleto, de tal sorte que o injustificável assassinato de sua própria esposa pode ser interpretado como uma forma de tentativa de aniquilação desse Ego e da correlata propriedade privada dos meios de reprodução sexuada, equivalente ao casamento monogâmico do ponto de vista jurídico burguês, ou seja, uma forma de suicídio.

De outro bordo, o comunismo teórico de Althusser pode ser visto como uma rebeldia contra o próprio Ego e a correlata propriedade privada dos meios de produção e reprodução típicos da sociedade burguesa. 

Conjecturas sub judice.




por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.     

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

KARL MARX E FERNANDO NOVAIS

As obras de Karl Marx e Fernando Novais são complementares: com efeito, Marx investigou o dinheiro, ou a circulação de mercadorias, que precede historicamente o capital em sentido estrito, mas não chegou a estudar a extração de mais-valia nesta circulação simples de mercadorias, o que foi efetuado por Novais ao descortinar o antigo sistema colonial e a mais-valia pressuposta nas diferenças de preços entre metrópole e colônia, com desvantagem para esta última.


O capital propriamente dito consistiu na forma que o dinheiro encontrou para resolver a crise do antigo sistema colonial, mediante sua inserção no próprio processo de produção econômica através da compra de força de trabalho e extração direta de mais-valia nesse processo de produção, inserção essa propiciada pela prévia acumulação primitiva de capital com separação entre trabalho e meios de produção, cabendo destacar que a Inglaterra, país onde o capital se desenvolve pioneira e plenamente, era uma região periférica no âmbito do antigo sistema colonial.





Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.