Há dois templos católicos brasileiros, de estilo arquitetônico colonial, que, somados, encerram bem mais de uma tonelada de ouro adotada como adorno, a saber, a basílica de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto e a igreja de São Francisco em Salvador, mas tal abundância em metal precioso não se exibe, de forma alguma, como aleatória, muito pelo contrário, pois é cediço que o ouro consiste na manifestação concreta mais apropriada e longeva da relação de produção consubstanciada no dinheiro, que nada mais é do que a denominação por excelência da circulação de mercadorias, as quais, por seu turno, guardam uma dupla faceta como valor de uso, seu aspecto concreto consistente na satisfação de necessidades humanas, e como valor de troca, seu jaez abstrato, sendo certo ainda que esta última qualidade da mercadoria destaca-se dela e adquire autonomia para funcionar precisamente como dinheiro, mas convém lembrar que, previamente a tal autonomia, a troca simples de mercadorias se impunha como forma de simbiose entre agrupamentos humanos, de tal sorte que as aludidas relações de produção, isto é, a mercadoria e sua troca simples, que teve como sucedâneo o dinheiro ou a circulação de mercadorias, exsurgem como formas alienadas e heterônomas de relações sociais entre os seres humanos, que os governam e regem à sua revelia como uma opressão de origem e caráter divino, razão pela qual a troca simples de mercadorias produziu o politeísmo, enquanto o dinheiro ou a circulação de mercadorias engendrou o monoteísmo, na exata medida em que, neste último caso, o instrumento monetário pode ser substituído e corresponder a qualquer tipo de mercadoria, vale dizer, pode transfigurar-se em qualquer valor de uso, mas o mais fascinante em toda essa história é que, em dado momento, o dinheiro cai dos píncaros divinos da circulação de mercadorias para voltar ao universo demasiado humano da produção de tais mercadorias, agora como capital propriamente dito ou em sentido estrito, o que pode ser apreendido na forma adquirida por um acontecimento histórico emblemático designado como Revolução Industrial, acontecido na Inglaterra durante o século XVIII da nossa era, ou seja, a era cristã, alusão esta bastante oportuna e conveniente, eis que a figura grandiloquente de Jesus Cristo pode ser interpretada como um monstruoso vaticínio do capital, na medida em que também é uma maneira de ascensão do abstrato ao concreto enquanto manifestação humana e corpórea da própria divindade monoteísta de uma determinada tradição religiosa, encetada pelo povo hebreu, sendo certo, como corolário geral do acima exposto, que os templos católicos inicialmente mencionados foram adornados com ouro abundante para mostrar seu jaez e caráter precisamente divino e transcendental, enfim, para exibir o aspecto concreto e material da divindade corporificada no Salvador.
Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário