Manifestações daquilo que venho denominando fim do ego, ou a crise da ideologia do individualismo burguês e da respectiva egolatria típica do capitalismo, ocupam lugar bastante evidente no âmbito da literatura, senão vejamos alguns casos bem interessantes em que a obra sobrepuja em muito a biografia do respectivo autor.
É cediça, nesse diapasão, a reclusão voluntária de Dalton Trevisan, alcunhado de "O vampiro de Curitiba", completamente avesso a aparições públicas e à concessão de entrevistas, bem assim a diretriz inobservada de Franz Kafka ditada a seu amigo Max Brod, para que este descartasse toda a sua obra literária inédita após o seu desaparecimento, que revelam evidente desapego aos louros e privilégios da fama e do dinheiro que afagam o ego das figuras públicas nesse departamento.
Mas talvez a maior manifestação literária de desapego do ego esteja encerrada na vida e na obra de Fernando Pessoa, que viveu modestamente como burocrata do comércio, mas expandiu tal ego em um universo literário de heterônimos que suplantou de forma exponencial essa humilde e monótona existência pequeno burguesa, uma vida totalmente dedicada à edificação de uma obra que o alçou à condição de um dos maiores poetas de todos os tempos, um reconhecimento também póstumo que evidencia sua integral ausência de egolatria burguesa; um sujeito que, parafraseando o grande Rabindranath Tagore, plantou uma verdadeira floresta sabendo que jamais viria a se sentar à sombra de uma única de suas frondosas árvores.
por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário