A DEPRESSÃO MEDICADA DE MICHELANGELO ANTONIONI
Em determinada cena de seu filme “O deserto vermelho”, Michelangelo Antonioni alude ao giroscópio, artifício que permite às embarcações e aeronaves uma navegação linear e equilibrada em meio às oscilações e turbulências do meio circundante. À serotonina cumpre função análoga nos humanos, afastando a bipolaridade maníaco-depressiva que obsta a consecução de uma vida linear e equilibrada diante de padrões socialmente aceitos: à sua disfunção, contudo, a medicina opôs os artifícios psicotrópicos antidepressivos ou moderadores de humor.
Mas a depressão consiste em fenômeno bioquímico ou social? Ou ambos? Antonioni propõe questões desse jaez na película já mencionada, um filme predominantemente cinzento e frugalmente aspergido de cores artificialmente vivas, em que a protagonista luta entre momentos de relativo equilíbrio psíquico em meio ao predomínio do estado depressivo, logo após ter emergido de uma crise pontuada de tentativa de suicídio. A narrativa da obra, desprovida de linearidade, segue curso cambaleante entre diálogos ora profundos e plenos de significados, ora ostensivamente banais e desconexos.
Ora, se parece procedente que o indivíduo deprimido tende a enxergar a realidade sob prisma patologicamente cinzento e destituído de interesse e cores, não se exibe menos verdadeiro que a realidade pode ostentar de fato tal aspecto, fomentando a depressão ou a bipolaridade onde ela se apresenta potencial ou incubada.
Exímio cineasta que é, Antonioni provoca-nos ao mostrar em seu filme uma realidade filtrada por lentes deprimidas conquanto medicadas, mas tal realidade existe de fato.
Por Luis Fernando Franco Martins Ferreira, historiador
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