sexta-feira, 23 de maio de 2025

SEBASTIÃO SALGADO

Há poucas horas, faleceu o mais importante fotógrafo da história, o brasileiro Sebastião Salgado, em cuja homenagem ouso rabiscar algumas linhas bastante singelas que, espero, estejam à altura deste artista universal. 

Na minha humilde opinião, sua obra mais impressionante consiste nas imagens que capturou no garimpo de ouro da Serra Pelada na década de 1980, e peço licença para justificar minha preferência.

Sebastião Salgado exibia sólida formação acadêmica como economista, o que enseja as divagações que seguem. 

Parece cediço que a categoria econômica da mercadoria apresenta um duplo aspecto como valor de uso e valor de troca, sendo certo que o primeiro, concreto, consiste na sua aptidão para satisfazer a necessidades humanas, enquanto o outro, abstrato, é determinado pelo tempo de trabalho humano socialmente necessário para produzir essa mercadoria.

No curso da história, o aspecto abstrato da mercadoria adquire autonomia como dinheiro, que enseja a circulação das mercadorias, mas, outrossim, todas as formas de exploração do trabalho alheio para obtenção do lucro. 

Sem embargo, o dinheiro inicialmente permite, pelas diferenças de preços no antigo sistema colonial, a obtenção de lucro comercial, mas depois, na história, ele insere-se no próprio processo de produção econômica e transforma a força de trabalho em mercadoria, convolando-se em capital propriamente dito, cujo escopo consiste na extração da mais-valia para obtenção de lucro nesse mesmo processo de produção econômica.

Mas o interessante mesmo é que o dinheiro, esse aspecto abstrato da mercadoria que adquire autonomia, exsurge a princípio na forma de ouro. 

Ora, o ouro como dinheiro, objeto da cobiça humana, exibe-se portanto como fonte histórica da exploração do trabalho alheio, a saber, do jugo do ser humano pelo ser humano, mas seu jaez abstrato encerra o condão de ocultar essa exploração. 

Todavia, a arte de Sebastião Salgado ilumina a concretude do ouro, esse ente abstrato como dinheiro, ao exibir de forma épica a fonte de sua extração e produção pelo trabalho humano. 

Precisamente, na Serra Pelada esse artista magnífico encontra nos trabalhadores garimpeiros o aspecto brutalmente concreto da essência oculta do sistema de exploração do trabalho humano alheio pelo capital. 

Se a arte deve, sobretudo, iluminar o real, Sebastião Salgado cumpriu seu ofício de maneira brilhante, como nenhum outro antes dele. 




por LUIS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador. 

Um comentário: