Joseph Stiglitz: professor na Universidade de Colúmbia, Prêmio Nobel de
Economia (2001) e autor, entre outros, de O Mundo em Queda Livre (Companhia das
Letras).
Fonte:
http://outraspalavras.net/capa/stiglitz-encoraja-grecia-ha-vida-depois-da-ruptura/
Por Joseph Stiglitz e Martin Guzman, no Huffington Post | Tradução: Antonio Martins
Quando,
há cinco anos, a crise grega começou, a Europa estendeu uma mão
salvadora. Mas foi algo diferente do tipo de ajuda que alguém poderia
desejar, e muito diferente daquele que poderia se esperar caso ainda
restasse algo de humanidade ou de solidariedade europeia.
As
propostas iniciais levavam a Alemanha e outros “salvadores” a, na
prática, lucrar com as dificuldades gregas. Os credores cobravam uma
taxa de juros muito, muitíssimo mais alta que o custo ee seu capital.
Pior: impunham à Grécia, além da devolução ampliada do dinheiro,
condições
– mudanças em suas políticas macro e microeconômicas.
Tais
“condicionalidades” costumavam ser um padrão nas práticas de empréstimo
do FMI e do Banco Mundial. Tipicamente, quando impunham estas
condições, eles tinham pouco conhecimento do funcionamento real das
economias; e frequentemente, havia mais que uma pitada de política nas
demandas. Havia um elemento de neocolonialismo: os velhos Europeus
Brancos ensinando novamente a suas colônias o que fazer. O mais comum
era que estas políticas não funcionassem. Havia enormes discrepâncias
entre o que os “experts” ocidentais esperavam e o que realmente ocorria.
Por
algum motivo, esperava-se mais no caso da Grécia, um “parceiro” da zona
do euro. Mas as demandas foram igualmente intrusivas e as políticas e
modelos, igualmente falhos. A disparidade entre o que a troika imaginou
que aconteceria e o que de fato se deu foi arrasadora – e não por que a
Grécia não tenha feito o que dela se esperava, mas porque cumpriu as
exigências e se submeteu aos modelos muito falhos.
Ao
final, após anos de chantagem contra a Grécia e de exigências
crescentes de “austeridade”, estas demandas provocaram uma depressão
econômica catastrófica. A troika finalmente empurrou o país para a beira do calote forçado.
A situação tem algumas similaridades importantes com a que levou ao default argentino
em 2001 – e também certas diferenças. Em ambos países, recessões
degeneraram em depressão, em consequência de políticas de “austeridade” –
o que tornou as dívidas ainda mais insustentáveis. Em ambos casos, as
políticas foram exigidas como condição para “apoio”. Ambos países tinham
arranjos monetários rígidos, que não lhes deram a possibilidade de
executar politicas monetárias expansionistas, durante a recessão. Em
ambos países, o FMI errou de modo impressionante, oferecendo previsões
totalmente incorretas sobre as consequências das políticas impostas. O
desemprego e a pobreza dispararam. O PIB despencou. Na verdade, há uma
semelhança chocante na magnitude da queda do PIB e no aumento das taxas
de desemprego, nas duas nações.
Na
Argentina, o desemprego multiplicou-se especialmente entre os jovens e
permaneceu alto por muitos anos. A falta de oportunidades corroeu
motivações e foi produziu uma imensa perda de talentos, de milhões de
pessoas. Com taxas de desemprego juvenil em torno de 50%, um desastre
similar está se dando na Grécia.
As
moratórias são difíceis. Mas igualmente difícil é a “austeridade”. A
boa notícia para a Grécia é que, como mostrou a Argentina, pode haver
vida depois da dívida e da moratória.
A
saga que levou à inadimplência grega faz recordar de novo lições
importantes sobre o manejo das crises de dívidas nacionais, que
deveríamos ter aprendido há mais tempo. A primeira é que não há aumento
da capacidade de saldar os débitos sem retomada econômica. Ao mesmo
tempo, não há recuperação econômica sem restaurar a sustentabilidade da
dívida.
Tanto
na Argentina quanto na Grécia, restaurar a sustentabilidade da dívida
requeriria uma profunda reestruturação da dívida. Mas ambos os casos,
finalizar uma “boa” negociação da dívida, capaz de conduzir à
recuperação econômica com acesso aos mercados internacionais de crédito,
segundo a receita do FMI, demonstrou ser algo quixotesco. Isso não se
deve a uma “falha” dos dois países, mas às deficiências nas estruturas
em que são conduzidas as negociações.
Em
ambos os casos, as instituições credoras fingiram que a
sustentabilidade poderia ser reconstituída por meio de “ajustes
estruturais”. Sob intensa pressão, os programas impingidos aos países
foram aceitos e implementados – mas obviamente, não funcionaram. A troca
de fundos “de resgate” (usados principalmente para pagar os mesmos
credores que os “ofereciam”) por “ajustes” (e promessas de “ajustes”
ainda maiores) lançou as economias numa espiral descendente. No caso da
Argentina, após anos de sofrimento o povo foi às ruas.
Em
ambos os casos, corridas ao sistema bancário terminaram com um
congelamento parcial dos depósitos bancários. Na Argentina, isso
desencadeou um colapso bancário completo e, em seguida, a conversão de
depósitos em moeda estrangeira para fundos na moeda nacional, com uma
vasta reestruturação dos passivos domésticos – com alto custo para os
poupadores locais. Na Grécia, ainda falta conhecer as consequências.
Contratos
de dívidas são trocas voluntárias entre credores e devedores. São
feitos num contexto de incerteza: quando um devedor promete repagar
certa quantia no futuro, todos compreendem que esta promessa está
sujeita a sua capacidade de pagamento. Há sempre risco envolvido – a
razão pela qual os credores exigem uma compensação maior (taxas de juros
mais altas) do que se emprestassem sem risco algum.
As
reestruturações de dívidas são uma parte necessária da relação entre
credores e devedores. Elas ocorreram centenas de vezes, e continuam a
acontecer. A forma pela qual são resolvidas determina o tamanho das
perdas. O mau gerenciamento das crises de dívidas – por exemplo, exigir
políticas de “austeridade” em meio a recessões – inevitavelmente conduz a
perdas maiores e mais sofrimento.
Os
que são salvos pelas ações de “resgate” (como os bancos alemães e
franceses, no caso da Grécia) em geral apresentam o “risco moral” como
razão para evitar a reestruturação da dívida. Sustentam que a
reestruturação poderia criar incentivos perversos; outros devedores
ficariam inclinados a “abusar” dos empréstimos deixando de pagá-los. Mas
o argumento do risco moral é um conto de fadas. Tanto a Argentina
quanto a Grécia já haviam pago, no momento, da moratória, um preço muito
alto por seus problemas de dívida. Nenhum país do mundo ficaria feliz
por seguir o mesmo caminho.
A experiência grega também ensina o que não deveria
acontecer numa reestruturação de dívida. O país “reestruturou” seus
débitos em 2012, mas de maneira errada. O processo, além de não ser
suficientemente profundo para uma recuperação econômica, também levou a
uma mudança na composição da dívida – em vez de privados, os credores
passaram a ser institucionais – o que tornou novas reestruturações mais
difíceis.
Em
certa medida, a Grécia enfrenta uma situação mais complexa que a da
Argentina em 2001. A moratória argentina foi acompanhada por uma grande
desvalorização da moeda local, que tornou o país mais competitivo e que,
junto com a reestruturação da dívida, ofereceu as condições para uma
recuperação econômica sustentada. No caso da Grécia, uma moratória e a
saída do euro exigiriam a reimplantação da moeda doméstica. Criar uma
nova moeda, em meio a uma crise, não é o mesmo que desvalorizar uma
moeda já existente. Esta camada adicional de incertezas ampliou o poder
da troika para pressionar o governo de Tsipras.
Quando
uma dívida torna-se insustentável, é preciso que haja um recomeço. Este
é um princípio básico, há muito conhecido e admitido. Até agora, a troika está retirando da Grécia tal possibilidade. E não pode haver um recomeço sob políticas de “austeridade”.
Neste
domingo, os cidadãos gregos debaterão duas alternativas: austeridade e
depressão sem fim, ou a possibilidade de decidir seu próprio destino num
contexto de enorme incerteza. Nenhuma das opções é agradável. Ambas
podem levar a rupturas sociais ainda piores. Mas com uma delas, há
esperança; com a outra, nenhuma.
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