COMENTÁRIOS SOBRE A PROPOSTA DA CENSURA ESCOLAR
Os projetos de lei apresentados no Congresso Nacional com vistas a criminalizar a "ideologização da escola", inspirados num movimento chamado "Escola sem Ideologia", vem no bojo do crescimento das opiniões reacionárias, preconceituosas e intolerantes que vem ganhando espaço nos últimos tempos, e não só no Brasil. Lincoln Secco respondeu com maestria aos argumentos esdrúxulos do tal movimento na edição de 18 de julho do jornal Folha de São Paulo.
No
mesmo dia, um dos bonecos de ventrículo da reação, Rodrigo Constantino,
publicou em seu blog na (famigerada) revista Veja o que quis ver: que o
advogado Miguel Nagib do citado movimento anti-ideologia teria
"demolido" os argumentos dos comunistas no mesmo espaço do jornal, e que
de fato as crianças seriam vítimas da ideologização promovida pelos
professores esquerdistas.
Como Secco deu conta
de responder (com inegável humor) aos pseudo-argumentos, queria apenas
reforçar um dos pontos por ele tratado: os preconceitos com os quais as
crianças chegam à escola, independentes portanto dos professores. Se
esses "pseudo-neutros" fossem honestos, informariam que todas a teorias
científicas, por mais rigorosas que sejam, foram inspiradas por uma
visão preconcebida dos cientistas. Darwin foi influenciado pelos estudos
não só de seu avô paterno, mas de toda a tradição de teologia natural
muito comum na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX. Buscou pautar-se pelo
rigor, mas trazia elementos "ideológicos" de berço. Para não falar de
Isacc Newton, cujos estudos de gravitação universal e de mecânica eram
inspirados por sua visão religiosa e alquimística.
Quem
conhece a realidade da escola hoje, principalmente a pública (que
obviamente não é o caso desse movimento contra a tal ideologização),
sabe que a tragédia da educação começa bem antes das crianças colocarem
os pés na sala de aula. Porque há um círculo vicioso: os pais não só
ganham mal, em famílias desestruturadas, sem tradição de leitura ou
debates com alguma preocupação crítica. São também (e Secco nos lembrou)
doutrinados aprioristicamente pela TV e pelas diversas igrejas, e
repassam isso aos filhos. Aqueles que já tiveram a oportunidade de
participar de reunião de pais sabe do que falo: alunos violentos e
intolerantes aprenderam isso com os pais, que não se incomodam de
demonstram essa influência nas citadas reuniões escolares. Então, um
professor que busca ensinar tolerância e posições razoáveis na melhor
tradição iluminista e que caberiam muito bem na boca de um Voltaire, um
John Locke ou um Adam Smith, são "doutrinadores comunistas"?
A
educação, conforme imaginavam pensadores como Jean J. Rousseau, Émile
Durkheim ou Fernando de Azevedo, deveria tornar as pessoas aptas a viver
democraticamente, convivendo com a diferença e com o dissenso. É
curioso que pessoas que se autointitulam liberais sejam as primeiros a
exigir a intervenção estatal em forma de censura a uma categoria que,
sob todos os pontos de vistas, foi desprestigiada ao longo das últimas
décadas neoliberais.
Agnaldo dos Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário