quinta-feira, 2 de julho de 2015

Conjuntura:
(escrito originalmente em 16/03/2015)









A marcha da reação



Agnaldo dos Santos



As manifestações do último dia 15 de março de 2015 devem ser analisadas no contexto mais geral da crise que o capitalismo mundial vive desde 2008. O grande capital está se rearticulando em nível global, e está tentando retomar sua agenda: mais liberalização das finanças, menos impostos para os ricos, menos proteção social e desregulamentação do mercado de trabalho. Ocorre que alguns governos, mesmo sem partir para o confronto aberto, são vistos como incômodos a esta estratégia. E, paradoxalmente, por não tomarem uma opção clara na agenda política mais à esquerda, geram tensões sem conseguir arregimentar seus potenciais aliados. É o caso da Argentina e do Brasil, um pouco menos da Venezuela, Bolívia e do Equador. Na Europa, o Grécia governada pela esquerda Syriza ainda é incógnita. Cada um dos exemplos citados possui especificidades, mas em geral eles partilham da forte dependência das importações de manufaturados com valor agregado, pauta exportadora de commodities e produtos de baixo valor agregado e dificuldade em romper as vigas do antigo “Consenso de Washington” (câmbio relativamente valorizado, corte de gastos públicos, taxa de juros elevada).

Enquanto o preço das commodities era alto, em função da forte demanda chinesa, essa situação era parcialmente contornada. Mas agora, com queda no preço do petróleo e outros bens primários, a fatura chegou. E o pacto de “ganha/ganha” (de ricos e pobres, com proporcionalidades distintas, favoráveis aos primeiros) não é mais viável. Este é o dilema, no Brasil, do Governo Dilma e do PT, que apostaram todas as fichas no crescimento do consumo interno baseado naquela estrutura da década de 1990.

Temos então a classe trabalhadora e segmentos da classe média atemorizadas com o ajuste fiscal anunciado no início do atual governo, e os segmentos econômicos mais altos vislumbrando a possibilidade de paralisar de vez a agenda governista timidamente distributiva, quiçá disposta a voos maiores – como um processo de impeachment sem base legal.

As manifestações de 15/03 não devem ser vistas de outra forma: mobilização da grande mídia e dos grupos políticos derrotados nas últimas eleições de retomar a iniciativa. Um dos seus principais líderes, o ex-sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já havia indicado décadas atrás a sina da elite brasileira: ser nacionalista e enfrentar o grande capital internacional, ou ser sócia menor e dependente. Ele e seu grupo optaram pela segunda via, haja vista o processo colossal de desnacionalização e ausência de política industrial nos seus oito anos de governo.

Ocorre que o PT, por não ter rompido com a estrutura montada na década de 1990, acreditou que a mera inserção de parte da população no mercado de consumo seria suficiente para mudar a estrutura econômica e social do país. Foi um estratégia eleitoralmente vitoriosa, mas agora mostra seus limites. Muitos dos seus beneficiários, em vez de defender as conquistas, as viram como mero processo natural de recompensa por seus esforços, da família e mesmo da religião. Não houve disputa política desta parcela da sociedade. E os segmentos rentistas, inclusive na classe média, agora encontraram forças atacar o governo em todas as frentes.

Como muitos analistas que estão buscando avaliar a conjuntura, também concordo que a única saída do governo é pela esquerda, apresentando projetos de taxação das grandes fortunas, de financiamento de políticas públicas por meio de reformas tributárias, de reforma política que limite o poder econômica nas eleições, entre outras medidas. Mas, no Congresso Nacional, este tipo de pauta simplesmente não vingará. Só a mobilização das ruas poderá garanti-la. Mas é preciso vontade política: permanecer nas cordas levará fatalmente à derrota técnica ou ao nocaute.


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