(escrito originalmente em 16/03/2015)
A marcha da reação
Agnaldo dos Santos
As manifestações do último dia 15 de
março de 2015 devem ser analisadas no contexto mais geral da crise que o
capitalismo mundial vive desde 2008. O grande capital está se rearticulando em
nível global, e está tentando retomar sua agenda: mais liberalização das
finanças, menos impostos para os ricos, menos proteção social e
desregulamentação do mercado de trabalho. Ocorre que alguns governos, mesmo sem
partir para o confronto aberto, são vistos como incômodos a esta estratégia. E,
paradoxalmente, por não tomarem uma opção clara na agenda política mais à
esquerda, geram tensões sem conseguir arregimentar seus potenciais aliados. É o
caso da Argentina e do Brasil, um pouco menos da Venezuela, Bolívia e do
Equador. Na Europa, o Grécia governada pela esquerda Syriza ainda é incógnita.
Cada um dos exemplos citados possui especificidades, mas em geral eles
partilham da forte dependência das importações de manufaturados com valor
agregado, pauta exportadora de commodities e produtos de baixo
valor agregado e dificuldade em romper as vigas do antigo “Consenso de
Washington” (câmbio relativamente valorizado, corte de gastos públicos, taxa de
juros elevada).
Enquanto o preço das commodities era
alto, em função da forte demanda chinesa, essa situação era parcialmente
contornada. Mas agora, com queda no preço do petróleo e outros bens primários,
a fatura chegou. E o pacto de “ganha/ganha” (de ricos e pobres, com
proporcionalidades distintas, favoráveis aos primeiros) não é mais viável. Este
é o dilema, no Brasil, do Governo Dilma e do PT, que apostaram todas as fichas
no crescimento do consumo interno baseado naquela estrutura da década de 1990.
Temos então a classe trabalhadora e
segmentos da classe média atemorizadas com o ajuste fiscal anunciado no início
do atual governo, e os segmentos econômicos mais altos vislumbrando a
possibilidade de paralisar de vez a agenda governista timidamente distributiva, quiçá disposta a
voos maiores – como um processo de impeachment sem base legal.
As manifestações de 15/03 não devem ser
vistas de outra forma: mobilização da grande mídia e dos grupos políticos
derrotados nas últimas eleições de retomar a iniciativa. Um dos seus principais
líderes, o ex-sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já havia
indicado décadas atrás a sina da elite brasileira: ser nacionalista e enfrentar
o grande capital internacional, ou ser sócia menor e dependente. Ele e seu
grupo optaram pela segunda via, haja vista o processo colossal de
desnacionalização e ausência de política industrial nos seus oito anos de
governo.
Ocorre que o PT, por não ter rompido
com a estrutura montada na década de 1990, acreditou que a mera inserção de
parte da população no mercado de consumo seria suficiente para mudar a
estrutura econômica e social do país. Foi um estratégia eleitoralmente
vitoriosa, mas agora mostra seus limites. Muitos dos seus beneficiários, em vez
de defender as conquistas, as viram como mero processo natural de recompensa
por seus esforços, da família e mesmo da religião. Não houve disputa política
desta parcela da sociedade. E os segmentos rentistas, inclusive na classe
média, agora encontraram forças atacar o governo em todas as frentes.
Como muitos analistas que estão
buscando avaliar a conjuntura, também concordo que a única saída do governo é
pela esquerda, apresentando projetos de taxação das grandes fortunas, de
financiamento de políticas públicas por meio de reformas tributárias, de
reforma política que limite o poder econômica nas eleições, entre outras
medidas. Mas, no Congresso Nacional, este tipo de pauta simplesmente não
vingará. Só a mobilização das ruas poderá garanti-la. Mas é preciso vontade
política: permanecer nas cordas levará fatalmente à derrota técnica ou ao
nocaute.
Nenhum comentário:
Postar um comentário