Uma Conjuntura Perigosa
(Texto para Discussão Interna)
Carlos Félix
Lincoln Secco
(Membros do NEC- PT)
“…uma pergunta não formulada nos acompanha, se soubermos ler, caderno por caderno, página por página: como isto foi possível; como isto poderá cessar?”.
(Palmiro Togliatti, sobre os Quaderni de Gramsci).
Vivemos no mundo uma nova etapa histórica: a do fascismo. No Brasil, os bolsonaristas perderam o poder executivo, mas têm a maioria das trincheiras da sociedade civil. A mídia se realinhou à direita e a simpatia eleitoral pelo governo caiu. O empresariado começou a romper com Lula. São movimentos ainda fragmentados, sem coordenação, mas que podem evoluir com rapidez a depender de como os inimigos enxergarão as oportunidades.
O primeiro objetivo é impedir Galipolo no BC e trocar Haddad, malgrado suas promessas ao deus mercado, por alguém mais fundamentalista. Haddad é cristão novo. Apesar do arcabouço fiscal estar sob a lógica liberal, ele não é aceito pelo empresariado. Vejam-se as declarações do empresário Ometto e do presidente da CNI, confederação de proprietários de galpões num país desindustrializado. Para eles o arcabouço aumenta as despesas na medida em que a receita aumenta. O que deveria ser feito? Abater dívida e reduzir gasto público sempre.
Além disso, o arcabouço não é sustentável sem mexer nas metas de resultado primário do governo, aquele que exclui o pagamento de juros da conta. Na avaliação dos investidores, se Lula for reeleito, ele terá mais força para repactuar a disputa pelo orçamento público. Soma-se a isso o fato do governo eventualmente defender alguma política tributária progressiva.
O segundo objetivo da Direita, portanto, é derrotar Lula nas urnas. E para isso transforma retrocessos na legislação em derrotas do governo, quando na verdade são derrotas da civilização, inclusive de muitos liberais. Note-se o exemplo da maior criminalização do aborto, uma verdadeira armadilha eleitoral cujo objetivo é levar o governo a vetar, desagradando assim o eleitor conservador, ou sancionar com ressalvas virando as costas para os avanços civilizacionais.
O terceiro, se não der certo o primeiro, é o impeachment. As instituições estão deslegitimadas e ninguém se importa com a democracia. O frágil pacto com os liberais para derrotar o bolsonarismo ruminante vai sendo substituído pela adesão desses ao bolsonarismo de garfo e faca. Claro que o governo pode piorar as coisas, atacando benefícios sociais e alterando o piso constitucional da saúde e educação, por exemplo, o que seria um erro porque isso depende de maioria qualificada no congresso e poderá vir de lá. Ao inviabilizar as propostas de tributação progressiva e fim de algumas desonerações, o Congresso joga o governo no canto do ringue para que ele tome a iniciativa de cortar gastos sociais ou deixe de fazer investimento gerando um ciclo virtuoso na economia.
Mas com todos os erros do governo, lamentamos informar que a esquerda não suportará outro golpe parlamentar, mesmo porque, diferente daquele, este seria abertamente um golpe de feição fascista. Lula não tem a mínima chance de aprovar nada no congresso, está cercado pela mídia, forças armadas, judiciário, casta política e metade ou mais dos eleitores. Lula, goste a esquerda ou não, é o único nome com capital eleitoral e popular. É o único muro de contenção do avanço da barbárie.
As futuras eleições para a Presidência da Câmara e as municipais agravam o quadro. Deslumbrado pelo poder sem limites que exerceu durante o governo anterior, Lira parece se agarrar à ideia de que é uma espécie de primeiro ministro e quer a qualquer custo impor um nome seu à presidência da câmara, talvez ele mesmo assumindo um cargo na mesa diretora. O Centrão existe fisiologicamente, porém se aproveita da ideologia fascista para cobrar mais caro os apoios pontuais ao governo. Como em política os vazos não são comunicantes, mas sim contaminantes, muitos deputados centristas vestiram a máscara do fascismo e ela não descola mais. Os que a retiram, são destruídos pela propaganda bolsonarista.
Se o PT passar pela tempestade, abre-se a oportunidade de criticá-lo no seu sexto mandato, lutar por avanços etc. Exigir isso agora é falar para ouvidos moucos. Não vai acontecer, pois o PT está convencido que precisa insistir nas alianças e na moderação. O outro caminho seria a mobilização popular contra o Congresso e o Banco Central. Todavia, a sociedade civil está desarticulada, sobrando apenas um governo em recuo como última trincheira. O projeto que criminaliza o aborto pode ser um estopim de mobilizações de rua. Assim esperamos.
A Esquerda, que sempre foi o front antissistema, precisa criar molecularmente novos valores, propor reformas com capacidade de aglutinar maiorias e gerar movimentos de massa nas ruas.
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