A força de trabalho é a mercadoria que singulariza o modo de produção capitalista. Diferentemente de todas as demais mercadorias, ela contém em si a capacidade de produzir valor e, portanto, mais-valia. Contudo, essa mesma força de trabalho carrega uma contradição ontológica: ela resiste a ser integralmente produzida segundo as leis da valorização do capital. Ou seja, sua gênese escapa, em grande parte, à lógica da produção de mais-valia e de lucro.
Nesse diapasão, a força de trabalho é inicialmente forjada no seio da família, através do trabalho doméstico não remunerado, sobretudo exercido por mulheres. Essa etapa corresponde à formação da força de trabalho manual, voltada para tarefas físicas e operacionais, em um processo totalmente à margem da produção capitalista direta. Não há, aqui, extração de mais-valia, pois não há relação contratual de compra e venda de força de trabalho.
Num segundo momento histórico e funcional, a formação da força de trabalho desloca-se para a esfera estatal, mais especificamente para o interior da escola pública. Aqui se dá a produção da força de trabalho intelectual, requerida pelo capitalismo avançado para operar as máquinas, os sistemas informacionais e os processos complexos de gestão. Mesmo nesse contexto, a produção dessa força de trabalho se dá à margem da geração de lucro e da valorização direta do capital. Trata-se de uma produção social subsidiada, que compõe as condições gerais de reprodução do capital, mas que não se conforma inteiramente à lógica da mercadoria.
Assim, a força de trabalho é, ao mesmo tempo, o pilar e o limite do modo capitalista de produção: é a mercadoria geradora de valor por excelência, mas sua própria produção repousa em esferas não diretamente capitalistas. Essa antinomia estrutural revela que o capital depende de formas sociais e institucionais que não controla completamente, mesmo enquanto as submete funcionalmente à sua reprodução ampliada.
Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.
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