segunda-feira, 23 de junho de 2025

A ANTÍTESE DO CAPITAL

 No âmago da crítica da economia política marxista, a força de trabalho ocupa uma posição singular: ela é, simultaneamente, a mercadoria fundamental do modo de produção capitalista e sua negação imanente. Enquanto o capital se constitui como valor que se valoriza — isto é, como relação social de exploração do trabalho vivo — a força de trabalho representa a única mercadoria capaz de produzir mais valor do que aquele que consome. No entanto, diferentemente das demais mercadorias, sua produção não segue estritamente os moldes do capital: ela é, em larga medida, socializada.

O caráter antitético da força de trabalho em relação ao capital se revela de modo ainda mais contundente quando se observa sua forma de produção no estágio mais desenvolvido do capitalismo. Ao contrário das demais mercadorias, cuja produção ocorre diretamente sob o comando do capital privado, a força de trabalho — especialmente em suas dimensões intelectuais, técnicas e cognitivas — é majoritariamente formada no interior de instituições públicas: escolas, universidades, institutos técnicos e centros de formação profissional.

Esse traço revela uma contradição fundamental: o capital depende de uma mercadoria cuja produção ele não controla diretamente. Mais ainda, ele a produz por mediação de um Estado que, ao menos parcialmente, opera sob lógicas que não são puramente mercantis. A formação da força de trabalho, portanto, é socializada — sustentada por tributos, organizada por políticas públicas, e legitimada por valores sociais que escapam, em parte, à lógica da acumulação privada. Essa socialização parcial da produção da força de trabalho prefigura um horizonte não-capitalista no interior da própria estrutura capitalista.

Nessa perspectiva, a educação pública não deve ser compreendida apenas como política compensatória ou instrumento funcional ao capital, mas como fissura estrutural em sua lógica. Cada professor, cada escola pública, cada processo de formação crítica representa, potencialmente, uma prefiguração de relações sociais não-capitalistas — ou, em termos mais precisos, um devir socialista inscrito no interior do próprio capitalismo tardio.

Assim, afirmar que a força de trabalho é a antítese do capital não é apenas reconhecer sua função no processo de valorização, mas identificar sua origem social como índice de uma contradição histórica. A produção pública da força de trabalho indica a emergência de formas sociais que já não correspondem à lógica da equivalência mercantil. E, nesse sentido, a escola pública é mais do que um espaço de ensino: é um espaço de disputa histórica entre o capital e seu além possível — entre a reprodução do presente e a gestação do futuro socialista.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

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