segunda-feira, 30 de junho de 2025

MATEMÁTICA

 O número e a linha reta, enquanto abstrações fundamentais da matemática, não são apenas construções lógicas ou epistemológicas, mas expressões históricas de uma forma social determinada: a forma-mercadoria. Assim como a matemática clássica busca extrair a essência das coisas na abstração quantificável — reduzindo a multiplicidade qualitativa à homogeneidade do número e da linha —, o capital opera de maneira análoga ao transformar objetos concretos, portadores de valor de uso, em valores de troca mensuráveis, convertidos em tempo de trabalho humano abstrato.


A forma-mercadoria, tal como analisada por Karl Marx, dessubstancializa o objeto concreto para convertê-lo em equivalente geral, isto é, em unidade comparável e intercambiável no mercado. Esse processo envolve a supressão da qualidade e a exaltação da quantidade. Nesse mesmo gesto, a matemática, enquanto forma de saber dominante na modernidade capitalista, privilegia representações que reduzam a complexidade da experiência sensível a grandezas mensuráveis: o número puro, a linha reta infinita, o ponto geométrico sem dimensão.

Ambas as operações — a da forma-mercadoria e a da matemática formal — repousam sobre o princípio da abstração: abstração do conteúdo qualitativo, da história, da singularidade. O que importa é a possibilidade de cálculo, de mensuração, de intercâmbio. Nesse sentido, o número e a linha reta podem ser compreendidos como produtos simbólicos do mesmo processo social que transforma o ser humano em força de trabalho abstrata e a riqueza em tempo de trabalho quantificado.

Assim, a crítica da forma-mercadoria, se levada às últimas consequências, deve também incluir uma crítica das formas do saber que com ela compartilham a mesma lógica abstrativa: o saber matemático, em sua pretensão de neutralidade, é cúmplice — ou ao menos efeito — da racionalidade reificante do capital.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

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