terça-feira, 24 de junho de 2025

EDUCAÇÃO

 A educação, enquanto instância social responsável pela formação da força de trabalho, constitui o espelho mais nítido das contradições internas do modo capitalista de produção. Seu estatuto híbrido — ao mesmo tempo público e privado — exprime a tensão entre duas lógicas inconciliáveis: a da acumulação de capital e a da reprodução social ampliada.

No capitalismo contemporâneo, parte substancial da formação da força de trabalho se dá em instituições estatais, financiadas por tributos e regidas por políticas públicas. Ao mesmo tempo, cresce a mercantilização do ensino por meio da educação privada, das parcerias público-privadas e da adoção de modelos empresariais de gestão no interior das próprias instituições públicas. Essa dualidade evidencia que a educação não se subsume integralmente à lógica da mais-valia, embora sofra pressões constantes para se alinhar a ela.

Diferente de outros setores da economia, a educação apresenta elevada resistência à extração direta de mais-valia. Isso se deve à natureza específica de seu produto: a força de trabalho intelectual. A tentativa de acelerar a produção educacional — seja reduzindo o tempo de formação, precarizando o trabalho docente ou padronizando currículos — compromete diretamente a qualidade do conhecimento produzido e assimilado. Nesse sentido, a celeridade, tão valorizada na lógica capitalista, choca-se com a exigência de tempo longo e intensivo necessário à formação crítica e qualificada.

Essa contradição revela um ponto fraco estrutural do capital: ele depende de uma mercadoria essencial — a força de trabalho — cuja produção exige formas sociais de temporalidade e investimento que não se coadunam com sua lógica de curto prazo e retorno rápido. A educação, enquanto processo histórico e formativo, exige lentidão, reflexão, cuidado e universalidade — características avessas à racionalidade instrumental da mercadoria.

Assim, a educação pública aparece como uma zona de fricção entre o presente capitalista e o devir socialista. Cada resistência à privatização, cada defesa da autonomia docente, cada projeto pedagógico crítico representa uma fissura no edifício da acumulação. A formação humana plena, ao invés de mero treinamento técnico, torna-se, nesse contexto, um ato político: negar a lógica do capital no interior da própria escola.

Portanto, compreender a educação como instância refratária à mais-valia é reconhecer seu papel estratégico na luta de classes. Não apenas como meio de ascensão individual, mas como campo de disputa estrutural, onde se decide a qualidade da força de trabalho, os sentidos da cidadania e as possibilidades históricas de emancipação. A escola, nesse sentido, não é apenas lugar de transmissão de saberes, mas arena concreta onde o futuro do trabalho e da vida se joga — entre o capital e a sua negação histórica.






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

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