sábado, 28 de junho de 2025

O COLAPSO DA RAZÃO

 Ao longo da modernidade, a razão foi concebida como o instrumento por excelência da totalidade, da certeza e da previsibilidade. No entanto, essa visão entrou em colapso com uma série de obras fundamentais do século XX que demonstraram, cada uma à sua maneira, os limites da racionalidade formal, científica e filosófica. Três desses marcos são particularmente emblemáticos: o princípio da incerteza de Heisenberg, os teoremas da incompletude de Gödel e a filosofia de Nietzsche em 'Assim falou Zaratustra'.

1. Heisenberg e o Princípio da Incerteza

Em 1927, Werner Heisenberg formulou o princípio da incerteza, segundo o qual não é possível determinar com precisão simultânea a posição e o momento de uma partícula subatômica. Esse princípio rompe com o paradigma determinista da física clássica e introduz um limite epistemológico no coração da ciência: a realidade não é absolutamente previsível. A razão, entendida como instrumento de domínio total do real, revela-se insuficiente para descrever os fundamentos últimos da natureza. O conhecimento passa a ser probabilístico e contextual, colocando em xeque a pretensão de neutralidade e exatidão absoluta da ciência moderna.

2. Gödel e os Teoremas da Incompletude

Em 1931, Kurt Gödel publicou seus teoremas da incompletude, provando que qualquer sistema formal suficientemente poderoso para expressar a aritmética será necessariamente incompleto: haverá sempre proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas dentro do próprio sistema. Essa descoberta abala profundamente o ideal lógico-matemático inaugurado por Euclides e formalizado por Hilbert, mostrando que a razão não pode fundamentar a si mesma de modo autossuficiente. A incompletude revela uma rachadura interna na estrutura da racionalidade formal, expondo sua limitação diante do infinito e da autorreferência.

3. Nietzsche em "Assim falou Zaratustra"

Friedrich Nietzsche, em 'Assim falou Zaratustra' (1883–1885), antecipa em termos filosófico-literários o colapso da razão como valor supremo da cultura ocidental. Zaratustra anuncia a morte de Deus — isto é, o fim dos fundamentos transcendentais da moral, da verdade e da lógica universal. Nesse vácuo deixado por Deus, a razão perde seu pedestal absoluto e é confrontada com o niilismo: nada tem um valor intrínseco. A figura do 'além-do-homem' (Übermensch) surge como resposta criadora à queda da razão como medida de todas as coisas. Nietzsche substitui o logos pelo pathos, a certeza pelo devir, a moral pela vontade de potência. O Zaratustra filosofa com o martelo, demolindo os ídolos da racionalidade clássica.

Conclusão

Heisenberg, Gödel e Nietzsche, cada um em sua disciplina, contribuem para uma crítica radical da razão moderna. Eles não negam o pensamento racional, mas expõem seus limites internos — físicos, formais e existenciais. A razão colapsa não por falha externa, mas por uma implosão interna, ao reconhecer que o real não pode ser totalmente contido por ela. O século XX não apenas perdeu a fé no progresso racional, mas revelou que a própria racionalidade é fragmentária, situada e finita. Esse colapso não representa o fim do pensamento, mas seu redesenho sob novas coordenadas: incertas, incompletas e trágicas.





Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

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