segunda-feira, 23 de junho de 2025

Taxa social de mais-valia e planificação econômica descentralizada

 A hipótese da taxa social de mais-valia propõe uma redefinição crítica da superexploração do trabalho na periferia do capitalismo, ao medir a diferença entre o tempo de vida laboral e o tempo de formação educacional (escolaridade média) da força de trabalho. Essa diferença é interpretada como um índice estrutural da apropriação capitalista de um trabalho cuja produção não é realizada diretamente no interior da lógica mercantil, mas sim mediada pelo Estado, por meio de políticas públicas de educação e saúde.

Por outro lado, a hipótese da planificação econômica descentralizada propõe uma superação do planejamento central burocrático por meio de novas tecnologias de comunicação e informação, especialmente aquelas baseadas em inteligência artificial e computação em rede. O princípio subjacente é que, diante da crítica hayekiana à impossibilidade de centralizar informações dispersas em sociedades complexas, apenas uma rede descentralizada, alimentada em tempo real por dados das unidades produtivas e consumidoras, seria capaz de realizar uma coordenação econômica eficiente em larga escala.

A integração entre essas duas hipóteses ocorre em dois níveis fundamentais. Em primeiro lugar, a planificação econômica descentralizada depende de uma mensuração social objetiva das condições de reprodução da força de trabalho. É nesse ponto que a taxa social de mais-valia cumpre um papel estruturante, ao permitir que o planejamento incorpore, com base empírica, a totalidade dos custos sociais de produção da força de trabalho, e não apenas seu preço de mercado.

Em segundo lugar, ao reconhecer que o Estado capitalista já realiza parte da planificação — ainda que a serviço da acumulação privada — no campo da educação, saúde e infraestrutura, a hipótese da taxa social de mais-valia demonstra que o processo de socialização do capital está em curso, ainda que de forma contraditória. A planificação descentralizada não surgiria do nada, mas se apoiaria sobre esse terreno já existente, reorganizando-o sob controle democrático e racional.

Dessa forma, a integração teórica proposta aponta para um modelo de transição socialista baseado na ampliação dos mecanismos estatais de produção da força de trabalho e sua conversão em mecanismos democráticos de planificação. A educação pública, por exemplo, passaria a ser vista não apenas como um serviço, mas como um setor produtivo estratégico, cuja eficiência e direção seriam parte integrante do sistema geral de planejamento descentralizado.

Concretamente, isso implica utilizar indicadores como a taxa social de mais-valia na programação econômica, orientando investimentos, definindo prioridades e corrigindo desigualdades estruturais. Um sistema de planificação orientado por essa métrica não apenas coordenaria a produção de bens e serviços, mas reorganizaria o próprio tempo social, reduzindo a alienação entre tempo de formação e tempo de trabalho, e fundando uma nova economia política da emancipação humana.

Assim, a integração entre essas duas hipóteses — uma de caráter crítico-diagnóstico (a taxa social de mais-valia) e outra de caráter programático-projetivo (a planificação descentralizada) — constitui um passo teórico relevante rumo a uma nova arquitetura do socialismo no século XXI.






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

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