quarta-feira, 25 de junho de 2025

As três fases de acumulação primitiva de capital

Ao longo do desenvolvimento histórico do capitalismo, observa-se a ocorrência de sucessivas acumulações primitivas, cada qual servindo de preparação estrutural para uma nova etapa de revolução industrial. Esses momentos não se restringem à acumulação originária descrita por Marx, mas se desdobram em novas formas de expropriação e reorganização dos meios sociais de produção e reprodução, adaptadas às exigências técnicas e econômicas do capital em suas diferentes fases. A seguir, apresentamos uma periodização dessas acumulações primitivas sucessivas, acompanhadas das revoluções industriais que inauguraram.

1. A Primeira Acumulação Primitiva (séculos XV ao XVIII)

A primeira acumulação primitiva, ou acumulação originária, ocorreu entre os séculos XV e XVIII, marcando a dissociação histórica entre os trabalhadores e os meios de produção. Esse processo envolveu a expropriação das terras comunais na Inglaterra (enclosures), o saque colonial, a escravidão e a pilhagem dos povos ameríndios, africanos e asiáticos. Tais medidas permitiram a formação de uma massa de trabalhadores livres de posses e de meios de produção, prontos a vender sua força de trabalho no mercado. Essa base social preparou o terreno para a primeira Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra no século XVIII, caracterizada pela introdução da máquina a vapor e a mecanização da produção têxtil.

2. A Segunda Acumulação Primitiva (século XIX)

Durante o século XIX, com o avanço da industrialização, estabelece-se uma segunda forma de acumulação primitiva. Agora, a força de trabalho, já formalmente livre, é subsumida ao capital sob a forma de salários que garantem apenas meios mínimos de subsistência. Essa reprodução ampliada da força de trabalho sob condições de superexploração foi essencial para a consolidação da Segunda Revolução Industrial. Esta, por sua vez, introduziu a indústria pesada, a produção em massa de bens de consumo duráveis, a intensificação do uso de eletricidade e o surgimento das grandes corporações capitalistas.

3. A Terceira Acumulação Primitiva (século XX)

No século XX, assiste-se à emergência de uma terceira acumulação primitiva, agora centrada na organização de sistemas públicos nacionais de ensino. O objetivo dessa fase foi a formação de uma força de trabalho cada vez mais qualificada, predominantemente intelectual, apta a lidar com as exigências da economia digital emergente. Essa reorganização do trabalho e do conhecimento humano preparou o terreno para a revolução digital e informacional do final do século XX e início do século XXI, caracterizada pela automação, pela microeletrônica e pelas redes globais de comunicação e produção imaterial.

Considerações Finais

As três acumulações primitivas aqui delineadas não constituem apenas momentos históricos isolados, mas fases estruturais de transição do capitalismo, cada uma delas abrindo espaço para a reconfiguração dos modos de produção, trabalho e sociabilidade. Ao articular expropriações específicas e revoluções técnicas, o capitalismo reinventa continuamente suas bases de acumulação, mantendo-se dinâmico, mas também reproduzindo suas contradições fundamentais.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

A queda tendencial da taxa social de mais-valia

 Consoante a fórmula da taxa social de mais-valia (TSMV), expressa pela razão entre o tempo médio de vida laboral da classe trabalhadora (TVL) subtraído pelo tempo médio de escolaridade (TE), e este próprio tempo médio de escolaridade — isto é, TSMV = (TVL - TE) / TE —, pode-se inferir uma tendência estrutural à queda dessa taxa ao longo do desenvolvimento capitalista contemporâneo.


Com a ascensão da revolução digital e a crescente centralidade da força de trabalho intelectual, o capitalismo exige níveis cada vez mais elevados de qualificação e especialização. Isso se traduz, objetivamente, na ampliação do tempo necessário à formação do trabalhador — o que, na fórmula acima, implica no crescimento de TE.

Dado que o numerador (TVL - TE) cresce mais lentamente do que o denominador (TE), o valor da taxa social de mais-valia tende a diminuir. Essa dinâmica revela uma contradição imanente: ao mesmo tempo em que o capital demanda trabalhadores mais qualificados, o processo de sua formação retarda a entrada no ciclo produtivo e reduz o tempo efetivo de extração de mais-valia ao longo da vida laboral.

Assim, o próprio avanço das forças produtivas, especialmente sob o signo da digitalização e da economia do conhecimento, conduz a uma erosão da taxa social de mais-valia, evidenciando os limites internos da valorização capitalista baseada na exploração do tempo de trabalho. Trata-se de uma aporia do capital: a intensificação da qualificação reduz, paradoxalmente, a base temporal da exploração.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

terça-feira, 24 de junho de 2025

Ainda sobre educação e mais-valia: tentativa de refinar a hipótese

Considerando que a taxa social de mais-valia pode ser definida como a razão entre o tempo médio de vida laboral da classe trabalhadora subtraído pelo tempo médio de escolaridade dessa mesma classe e o próprio tempo médio de escolaridade — isto é:


   TSMV = (TVL - TE) / TE

onde TSMV representa a Taxa Social de Mais-Valia, TVL o Tempo de Vida Laboral médio, e TE o Tempo de Escolaridade médio — e assumindo, por hipótese, que a taxa de mais-valia do capital individual é idêntica à taxa social de mais-valia, então depreende-se uma contradição estrutural no interior do modo capitalista de produção.

Tal contradição se torna manifesta sobretudo no setor educacional. À medida que o tempo médio de escolaridade da classe trabalhadora se eleva — o que, do ponto de vista do capital social total, tende a diminuir a TSMV —, reduz-se a parcela do tempo de vida dos trabalhadores disponível para a produção direta de mais-valia. Em outros termos, a escolarização representa um intervalo de não-valorização do capital, uma suspensão temporária da produção de valor, retardando a entrada do trabalhador no circuito produtivo.

Dessa maneira, o capital individual investido na educação encontra-se diante de uma disjuntiva insolúvel: enquanto contribui para a formação da força de trabalho e para a reprodução ampliada das condições sociais de produção, ele, paradoxalmente, atua contra a própria lógica da valorização do capital, ao reduzir a taxa média de extração de mais-valia.

Essa dinâmica evidencia o caráter antagônico do capitalismo diante das necessidades sociais ampliadas. O investimento em educação, embora socialmente necessário, torna-se economicamente disfuncional sob a lógica do capital, ao afetar negativamente a lucratividade do capital individual que o realiza. Trata-se, pois, de uma contradição imanente, que não pode ser resolvida dentro dos marcos da racionalidade capitalista.

Assim, o paradoxo da educação no capitalismo revela um limite interno da forma-valor: quanto mais a sociedade exige qualificação e complexidade intelectual da força de trabalho, menos rentável se torna sua formação para o capital individual. Esta aporia aponta, finalmente, para a necessidade histórica de superação do próprio modo de produção capitalista.






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

EDUCAÇÃO E MAIS-VALIA

 Se considerarmos a taxa de mais-valia do capital individual como idêntica à taxa social da mais-valia, somos levados a identificar uma contradição estrutural e insuperável no interior do modo capitalista de produção, especialmente para o capital individual investido no setor educacional. A razão dessa contradição reside no fato de que, quanto maior a escolaridade média da classe trabalhadora, menor tende a ser a taxa social de mais-valia. Isso ocorre porque o tempo de escolarização representa, em última instância, um período de não-valorização direta do capital, retardando o ingresso do trabalhador no ciclo da produção de mais-valia. 


Assim, o capital individual investido em educação encontra-se diante de um impasse: embora contribua para a formação da força de trabalho, sua função sistêmica reduz a exploração média do trabalho na sociedade como um todo, ao elevar o tempo necessário à sua formação. O capital educacional, portanto, opera num paradoxo: atua na preparação de uma força de trabalho qualificada, mas, ao mesmo tempo, mina a base ampliada da extração de mais-valia ao estender o tempo improdutivo (do ponto de vista do capital) que antecede o ciclo produtivo.

Essa contradição revela os limites internos da planificação capitalista baseada no lucro individual, pois os interesses do capital singular, mesmo quando alinhados à lógica sistêmica de reprodução do capital, podem colidir com a reprodução ampliada da mais-valia no plano social. Nesse sentido, a própria racionalidade do capital entra em dissonância consigo mesma, tornando a educação um campo de tensão entre a valorização individual e a desvalorização social relativa.








Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

EDUCAÇÃO

 A educação, enquanto instância social responsável pela formação da força de trabalho, constitui o espelho mais nítido das contradições internas do modo capitalista de produção. Seu estatuto híbrido — ao mesmo tempo público e privado — exprime a tensão entre duas lógicas inconciliáveis: a da acumulação de capital e a da reprodução social ampliada.

No capitalismo contemporâneo, parte substancial da formação da força de trabalho se dá em instituições estatais, financiadas por tributos e regidas por políticas públicas. Ao mesmo tempo, cresce a mercantilização do ensino por meio da educação privada, das parcerias público-privadas e da adoção de modelos empresariais de gestão no interior das próprias instituições públicas. Essa dualidade evidencia que a educação não se subsume integralmente à lógica da mais-valia, embora sofra pressões constantes para se alinhar a ela.

Diferente de outros setores da economia, a educação apresenta elevada resistência à extração direta de mais-valia. Isso se deve à natureza específica de seu produto: a força de trabalho intelectual. A tentativa de acelerar a produção educacional — seja reduzindo o tempo de formação, precarizando o trabalho docente ou padronizando currículos — compromete diretamente a qualidade do conhecimento produzido e assimilado. Nesse sentido, a celeridade, tão valorizada na lógica capitalista, choca-se com a exigência de tempo longo e intensivo necessário à formação crítica e qualificada.

Essa contradição revela um ponto fraco estrutural do capital: ele depende de uma mercadoria essencial — a força de trabalho — cuja produção exige formas sociais de temporalidade e investimento que não se coadunam com sua lógica de curto prazo e retorno rápido. A educação, enquanto processo histórico e formativo, exige lentidão, reflexão, cuidado e universalidade — características avessas à racionalidade instrumental da mercadoria.

Assim, a educação pública aparece como uma zona de fricção entre o presente capitalista e o devir socialista. Cada resistência à privatização, cada defesa da autonomia docente, cada projeto pedagógico crítico representa uma fissura no edifício da acumulação. A formação humana plena, ao invés de mero treinamento técnico, torna-se, nesse contexto, um ato político: negar a lógica do capital no interior da própria escola.

Portanto, compreender a educação como instância refratária à mais-valia é reconhecer seu papel estratégico na luta de classes. Não apenas como meio de ascensão individual, mas como campo de disputa estrutural, onde se decide a qualidade da força de trabalho, os sentidos da cidadania e as possibilidades históricas de emancipação. A escola, nesse sentido, não é apenas lugar de transmissão de saberes, mas arena concreta onde o futuro do trabalho e da vida se joga — entre o capital e a sua negação histórica.






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

A ANTÍTESE DO CAPITAL

 No âmago da crítica da economia política marxista, a força de trabalho ocupa uma posição singular: ela é, simultaneamente, a mercadoria fundamental do modo de produção capitalista e sua negação imanente. Enquanto o capital se constitui como valor que se valoriza — isto é, como relação social de exploração do trabalho vivo — a força de trabalho representa a única mercadoria capaz de produzir mais valor do que aquele que consome. No entanto, diferentemente das demais mercadorias, sua produção não segue estritamente os moldes do capital: ela é, em larga medida, socializada.

O caráter antitético da força de trabalho em relação ao capital se revela de modo ainda mais contundente quando se observa sua forma de produção no estágio mais desenvolvido do capitalismo. Ao contrário das demais mercadorias, cuja produção ocorre diretamente sob o comando do capital privado, a força de trabalho — especialmente em suas dimensões intelectuais, técnicas e cognitivas — é majoritariamente formada no interior de instituições públicas: escolas, universidades, institutos técnicos e centros de formação profissional.

Esse traço revela uma contradição fundamental: o capital depende de uma mercadoria cuja produção ele não controla diretamente. Mais ainda, ele a produz por mediação de um Estado que, ao menos parcialmente, opera sob lógicas que não são puramente mercantis. A formação da força de trabalho, portanto, é socializada — sustentada por tributos, organizada por políticas públicas, e legitimada por valores sociais que escapam, em parte, à lógica da acumulação privada. Essa socialização parcial da produção da força de trabalho prefigura um horizonte não-capitalista no interior da própria estrutura capitalista.

Nessa perspectiva, a educação pública não deve ser compreendida apenas como política compensatória ou instrumento funcional ao capital, mas como fissura estrutural em sua lógica. Cada professor, cada escola pública, cada processo de formação crítica representa, potencialmente, uma prefiguração de relações sociais não-capitalistas — ou, em termos mais precisos, um devir socialista inscrito no interior do próprio capitalismo tardio.

Assim, afirmar que a força de trabalho é a antítese do capital não é apenas reconhecer sua função no processo de valorização, mas identificar sua origem social como índice de uma contradição histórica. A produção pública da força de trabalho indica a emergência de formas sociais que já não correspondem à lógica da equivalência mercantil. E, nesse sentido, a escola pública é mais do que um espaço de ensino: é um espaço de disputa histórica entre o capital e seu além possível — entre a reprodução do presente e a gestação do futuro socialista.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

Base de um manual programático de transição socialista

 Este manual apresenta diretrizes práticas, técnicas e institucionais para a implementação de uma economia socialista descentralizada. Baseado na integração entre a Taxa Social de Mais-Valia (TSMV) e a Planificação Econômica Descentralizada, seu objetivo é oferecer uma plataforma viável para reorganizar a economia sob controle democrático e racionalidade social, a partir da infraestrutura já existente sob o capitalismo de Estado.

1. Objetivos Políticos: A transição socialista não é apenas um processo técnico de reorganização produtiva, mas um deslocamento radical do poder econômico. Visa superar a dissociação entre a produção socializada da força de trabalho (educação, saúde, formação) e sua apropriação privada pelo capital. O planejamento passa a ser orientado por critérios de justiça social, valor de uso e redução da alienação temporal — reduzindo a distância entre tempo de formação e tempo de trabalho. O sistema visa garantir o bem-estar coletivo com base na sustentabilidade, equidade e democracia participativa.

2. Estrutura Institucional: A base organizacional será composta por Conselhos Regionais e Setoriais de Planificação, com representação tripartite: trabalhadores, técnicos/professores/pesquisadores e usuários/consumidores dos bens e serviços. Esses conselhos terão autonomia deliberativa sobre os planos locais e acesso a dados da plataforma nacional. Uma instância nacional coordenará o equilíbrio macroeconômico, respeitando a diversidade regional e os princípios democráticos da base. O papel das universidades públicas será estratégico na produção de conhecimento, auditoria dos algoritmos e formação de quadros técnicos.

3. Sistema Informacional: O sistema digital será público, aberto e auditável. Cada unidade produtiva (fábricas, escolas, hospitais, cooperativas) e cada unidade de consumo (famílias, bairros, escolas, serviços) irá alimentar continuamente a plataforma com dados sobre demanda, produção, estoque, carência e capacidade instalada. Tais dados serão processados por algoritmos de otimização multicritério, priorizando necessidades sociais e correção de desigualdades, e não a maximização de lucro. O sistema deverá garantir transparência, anonimato quando necessário e interoperabilidade entre regiões.

4. Indicadores Estratégicos: A TSMV será o principal índice redistributivo, funcionando como métrica de correção estrutural. Regiões e setores com maior TSMV receberão investimentos proporcionais para reduzir desigualdades. Indicadores complementares incluirão tempo de espera nos serviços essenciais, indicadores de nutrição, mortalidade evitável, déficit habitacional, taxa de analfabetismo funcional e índice de bem-estar educacional. Esses dados serão cruzados para orientar os algoritmos decisórios do plano descentralizado.

5. Transição Tecnológica: A transição exige massivos investimentos públicos em redes de dados, capacitação digital cidadã, infraestrutura computacional pública, código aberto e soberania tecnológica. Parcerias com universidades, institutos federais e empresas públicas serão essenciais. Linhas de fomento à inovação popular, ciência aberta e tecnologias sociais devem ser incorporadas ao plano. É necessário evitar a privatização dos dados, garantir a propriedade coletiva da infraestrutura digital e impedir a captura tecnocrática do planejamento.

6. Avaliação e Ajustes: O sistema será dinâmico, retroalimentado por ciclos curtos de revisão. Os Conselhos Regionais e Setoriais avaliarão os impactos sociais trimestralmente, e um conselho nacional produzirá relatórios anuais públicos. A métrica central será a redução da TSMV média nacional e o aumento dos indicadores de bem-estar. A população poderá acessar plataformas simplificadas para acompanhar metas, sugerir prioridades e denunciar distorções. A avaliação será tanto técnica quanto política, integrando a ciência com a soberania popular.

Este manual afirma que a transformação econômica só será legítima se for profundamente política, fundada na ampliação real do poder popular. Trata-se de inverter a lógica do capital: de uma economia regida pela acumulação privada, passamos a uma sociedade regida pela inteligência coletiva, com justiça social e racionalidade histórica como fundamentos da nova planificação.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

Taxa social de mais-valia e planificação econômica descentralizada

 A hipótese da taxa social de mais-valia propõe uma redefinição crítica da superexploração do trabalho na periferia do capitalismo, ao medir a diferença entre o tempo de vida laboral e o tempo de formação educacional (escolaridade média) da força de trabalho. Essa diferença é interpretada como um índice estrutural da apropriação capitalista de um trabalho cuja produção não é realizada diretamente no interior da lógica mercantil, mas sim mediada pelo Estado, por meio de políticas públicas de educação e saúde.

Por outro lado, a hipótese da planificação econômica descentralizada propõe uma superação do planejamento central burocrático por meio de novas tecnologias de comunicação e informação, especialmente aquelas baseadas em inteligência artificial e computação em rede. O princípio subjacente é que, diante da crítica hayekiana à impossibilidade de centralizar informações dispersas em sociedades complexas, apenas uma rede descentralizada, alimentada em tempo real por dados das unidades produtivas e consumidoras, seria capaz de realizar uma coordenação econômica eficiente em larga escala.

A integração entre essas duas hipóteses ocorre em dois níveis fundamentais. Em primeiro lugar, a planificação econômica descentralizada depende de uma mensuração social objetiva das condições de reprodução da força de trabalho. É nesse ponto que a taxa social de mais-valia cumpre um papel estruturante, ao permitir que o planejamento incorpore, com base empírica, a totalidade dos custos sociais de produção da força de trabalho, e não apenas seu preço de mercado.

Em segundo lugar, ao reconhecer que o Estado capitalista já realiza parte da planificação — ainda que a serviço da acumulação privada — no campo da educação, saúde e infraestrutura, a hipótese da taxa social de mais-valia demonstra que o processo de socialização do capital está em curso, ainda que de forma contraditória. A planificação descentralizada não surgiria do nada, mas se apoiaria sobre esse terreno já existente, reorganizando-o sob controle democrático e racional.

Dessa forma, a integração teórica proposta aponta para um modelo de transição socialista baseado na ampliação dos mecanismos estatais de produção da força de trabalho e sua conversão em mecanismos democráticos de planificação. A educação pública, por exemplo, passaria a ser vista não apenas como um serviço, mas como um setor produtivo estratégico, cuja eficiência e direção seriam parte integrante do sistema geral de planejamento descentralizado.

Concretamente, isso implica utilizar indicadores como a taxa social de mais-valia na programação econômica, orientando investimentos, definindo prioridades e corrigindo desigualdades estruturais. Um sistema de planificação orientado por essa métrica não apenas coordenaria a produção de bens e serviços, mas reorganizaria o próprio tempo social, reduzindo a alienação entre tempo de formação e tempo de trabalho, e fundando uma nova economia política da emancipação humana.

Assim, a integração entre essas duas hipóteses — uma de caráter crítico-diagnóstico (a taxa social de mais-valia) e outra de caráter programático-projetivo (a planificação descentralizada) — constitui um passo teórico relevante rumo a uma nova arquitetura do socialismo no século XXI.






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

A PRODUÇÃO ESTATAL DA FORÇA DE TRABALHO

 A teoria marxista do valor, ao estabelecer o tempo de trabalho socialmente necessário como fundamento do valor das mercadorias, encontra uma aporia fundamental ao considerar a força de trabalho. Isso porque o valor dessa mercadoria específica é tradicionalmente definido não pelo tempo de trabalho exigido para sua produção, mas pelo valor dos meios de subsistência necessários para a sua reprodução. Tal definição parece tautológica: o valor da força de trabalho é definido pelo valor daquilo que é necessário para reproduzi-la. Isso introduz um circuito lógico fechado que desafia a coerência formal do sistema teórico.

Assim, a força de trabalho, embora subsumida formalmente ao capital no momento de sua venda como mercadoria no mercado de trabalho, é produzida fora da lógica capitalista direta de valorização. Isso introduz uma contradição sistêmica: o capital depende de uma mercadoria fundamental (a força de trabalho) cuja produção escapa à sua lógica imediata de acumulação. A hipótese da taxa social de mais-valia reconhece essa contradição, mensurando a superexploração da força de trabalho não apenas pelo tempo total de sua vida laboral, mas pela diferença entre esse tempo e o investimento social requerido para produzi-la, representado pela escolaridade média.

O trabalho assalariado, nesse contexto, permanece como antítese estrutural do capital. Contudo, ao reconhecer que o Estado capitalista socializa, de forma desigual, a produção da força de trabalho, essa hipótese permite uma abordagem materialista mais refinada da economia política. Ela articula o processo de reprodução social com os mecanismos de acumulação de capital, evidenciando como a infraestrutura pública (escolas, universidades, formação técnica) se torna um campo de disputa de classes, sendo, ao mesmo tempo, condição de possibilidade e limite interno da valorização capitalista.

Em suma, a hipótese da taxa social de mais-valia resgata a coerência interna da teoria do valor ao redefinir a determinação do valor da força de trabalho como um processo histórico e social, não tautológico, mas fundado em tempos objetivos de formação. Superando, assim, a aporia identificada por diversos intérpretes da obra de Marx, a hipótese permite reconectar a crítica da economia política às condições concretas da reprodução da vida social sob o capitalismo contemporâneo.

Nesse sentido, a força de trabalho emerge como uma mercadoria peculiar, cuja produção é delegada, em grande parte, ao Estado capitalista — e não ao capital privado — através de políticas públicas de educação, formação técnica e capacitação profissional. O Estado torna-se, assim, um agente estruturador da reprodução da força de trabalho, funcionando como mediador entre os imperativos da acumulação capitalista e as necessidades sociais mínimas para garantir a subsistência e qualificação da classe trabalhadora.

A implicação teórica dessa constatação é dupla: de um lado, evidencia-se que a produção da força de trabalho não se submete integralmente ao princípio da equivalência de troca que rege o mercado; de outro, revela-se que os custos de sua produção são socializados — isto é, distribuídos por toda a sociedade através da arrecadação tributária e da política pública — enquanto os frutos de sua exploração são apropriados privadamente pelos capitalistas. Essa dissociação entre a produção pública e a apropriação privada inaugura um novo eixo para a crítica da economia política, recolocando o papel do Estado como estruturante do regime de acumulação.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

domingo, 22 de junho de 2025

AINDA SOBRE MARX E HILBERT

 Se considerarmos a teoria marxista do valor como um axioma — isto é, como um ponto de partida incontornável e não demonstrável dentro do próprio sistema teórico — o projeto de Karl Marx aproxima-se ainda mais do projeto formal de David Hilbert em sua tentativa de fundar a matemática moderna. Ambos os autores propuseram arquiteturas conceituais totalizantes que partem de princípios fundamentais: o valor-trabalho em Marx, os axiomas formais em Hilbert. Cada um, à sua maneira, buscava derivar a totalidade de um domínio — o social-econômico e o lógico-matemático — a partir desses fundamentos. Mas se esses projetos partem de axiomas, eles também se deparam com os limites lógicos e históricos desses mesmos fundamentos.


No caso de Marx, o axioma do valor — segundo o qual o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção — estrutura toda a crítica da economia política. É com base nele que Marx analisa a produção de mais-valia, a acumulação de capital, as crises e a própria forma social do trabalho. Entretanto, quando esse axioma é aplicado à força de trabalho, surge uma aporia interna: seu valor é definido não pelo tempo de trabalho diretamente, mas pelos meios de subsistência, introduzindo uma tautologia (valor definido pelo valor). Tal fissura sugere que o axioma não é logicamente autossuficiente para dar conta da totalidade que pretende explicar. Ainda mais, o problema da transformação dos valores em preços de produção desafia a universalidade dedutiva do sistema, expondo tensões entre forma lógica e realidade empírica.

Hilbert, por sua vez, tratava os axiomas da matemática como convenções iniciais — fundamentos simbólicos a partir dos quais toda a matemática deveria ser deduzida formalmente. Seu Programa visava garantir que os sistemas matemáticos fossem consistentes, completos e decidíveis. No entanto, os teoremas da incompletude de Kurt Gödel demonstraram que nenhum sistema formal suficientemente poderoso para abarcar a aritmética pode ser, ao mesmo tempo, completo e consistente. Ou seja, mesmo partindo de axiomas bem definidos, Hilbert esbarrou em contradições lógicas imanentes ao seu próprio projeto. O axioma, longe de sustentar toda a edificação, revelou sua incapacidade de abarcar a totalidade que se pretendia deduzir.

Assim, tanto Marx quanto Hilbert, partindo de axiomas fundantes, tentam construir sistemas totalizantes — e ambos colapsam diante de suas contradições internas. No caso de Marx, a contradição é histórica e dialética: o social escapa à apreensão formal integral. No caso de Hilbert, a contradição é lógica e estrutural: o formalismo não pode provar sua própria completude. Esses projetos mostram que a totalidade é um horizonte sempre tensionado, e que mesmo os sistemas mais rigorosos carregam, em sua raiz, limites que os impedem de se realizar plenamente. A noção de axioma, longe de garantir estabilidade, pode ser justamente o ponto onde a instabilidade irrompe.

Portanto, a comparação entre Marx e Hilbert revela o destino paradoxal dos grandes sistemas modernos: sua grandeza reside tanto em sua ambição totalizante quanto em sua capacidade de revelar os próprios limites da razão formal ou crítica. Ambos os autores, cada um em seu campo, iluminam o dilema fundamental da modernidade: a busca por fundamento absoluto, confrontada com a impossibilidade interna da totalização definitiva.







Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

MARX E HILBERT

 Ao longo do século XIX e início do XX, dois dos mais influentes projetos intelectuais de fundamentação totalizante foram formulados por Karl Marx, no campo da crítica da economia política, e David Hilbert, no campo da matemática. Ambos os pensadores buscaram, por vias distintas, construir sistemas teóricos abrangentes, coerentes e autoconsistentes, capazes de explicar — ou formalizar — a totalidade de seu respectivo objeto de estudo. Contudo, ambos os projetos enfrentaram contradições internas que desafiaram suas ambições originais.


O projeto de Marx, sobretudo a partir de sua obra "O Capital", visava desvelar as leis estruturais do modo de produção capitalista. Sua pretensão era fundar uma ciência da história e da sociedade baseada em uma lógica interna — a do valor — regida pela categoria do trabalho socialmente necessário. A análise marxiana parte do abstrato (mercadoria, valor, dinheiro) e avança para o concreto (mais-valia, acumulação, crise). No entanto, esse edifício conceitual enfrenta aporias internas, notadamente quando define o valor da força de trabalho não diretamente pelo tempo de trabalho necessário à sua produção, mas pelos meios de subsistência historicamente determinados — o que introduz uma circularidade e uma possível tautologia que abalam a consistência do sistema, como alguns leitores apontaram. Além disso, o problema da transformação dos valores em preços de produção gerou intenso debate posterior, desafiando a completude da teoria.

Por sua vez, Hilbert buscava fundar toda a matemática sobre uma base formal e finita. Seu projeto, conhecido como Programa de Hilbert, pretendia demonstrar que os sistemas formais da matemática são completos, consistentes e decidíveis usando apenas métodos finitos. Para Hilbert, a matemática deveria ser um jogo simbólico regido por regras claras, livre de contradições e plenamente verificável. No entanto, esse programa foi abalado pelos teoremas da incompletude de Gödel (1931), que demonstraram que qualquer sistema formal suficientemente poderoso para conter a aritmética não pode ser, ao mesmo tempo, completo e consistente. Assim, o projeto hilbertiano foi confrontado com os próprios limites internos da formalização matemática.

Tanto em Marx quanto em Hilbert há, portanto, uma tensão constitutiva entre o desejo de totalidade sistemática e as fissuras internas que emergem do próprio solo conceitual. Em Marx, o real histórico e social escapa ao controle total do sistema lógico-dedutivo, abrindo espaço para contradições dialéticas que não se resolvem formalmente. Em Hilbert, o ideal de completude formal é minado por barreiras lógicas que emergem da própria estrutura do raciocínio matemático. Ambos revelam, a seu modo, o drama da modernidade: o esforço de racionalização totalizante confrontado por limites imanentes, sejam históricos ou lógicos.

Essa análise conjunta permite compreender como os projetos mais ambiciosos do pensamento moderno carregam em si mesmos as sementes de suas rupturas. Longe de invalidá-los, tais contradições internas tornam-nos ainda mais fecundos para uma crítica filosófica profunda — ao evidenciar que a totalidade, seja social ou formal, é sempre um horizonte tensionado e nunca plenamente realizável.






Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.

sábado, 21 de junho de 2025

OS GIGANTES DA LÓGICA: MARX DIANTE DE HEGEL E GÖDEL.

A teoria do valor de Karl Marx, pilar da crítica da economia política, parece inicialmente oferecer um arcabouço conceitual coerente e sistemático: o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. No entanto, quando Marx analisa a força de trabalho como mercadoria, ocorre uma inflexão conceitual crítica que dá margem a uma aporia lógica: seu valor é definido não por esse tempo diretamente, mas pelos meios de subsistência necessários à sua reprodução. Essa mudança, aparentemente sutil, instaura uma tensão interna que pode ser lida como tautológica, quando considerada sob um crivo lógico-filosófico. 

Destarte, ao definir o valor da força de trabalho como o valor dos meios de subsistência necessários à sua reprodução, Marx parece romper com a definição geral de valor baseada no tempo de trabalho. Isso leva a uma circularidade: o valor da força de trabalho é o valor daquilo que permite que ela continue existindo, isto é, o valor daquilo que tem valor. Em termos formais, temos uma tautologia: uma proposição em que o termo a ser explicado é redefinido pelo próprio sistema conceitual ao qual pertence. 

Observe-se, no entanto, que a lógica dialética de Hegel parte da premissa de que todo conceito ou sistema conceitual carrega em si uma contradição interna que o impele à sua superação, conduzindo o real ao devir histórico diacrônico. A aparente tautologia na obra de Marx não é erro, mas sintoma de uma verdade mais profunda: a contradição real do capitalismo. Marx, herdeiro crítico de Hegel, não esconde a contradição; ao contrário, expõe-na como núcleo da crítica.

Nesse diapasão, a força de trabalho deve ser considerada como a antítese do capital, a saber, sua negação, de tal sorte que a determinação de seu valor acaba por contradizer o próprio âmago da teoria marxista do valor, engendrando uma aporia que, por seu turno, desdobra-se em tautologia.    

Já o teorema da incompletude de Gödel demonstra que todo sistema formal suficientemente complexo para abarcar a aritmética é incapaz de provar, por seus próprios meios, todas as verdades que pode expressar. Há sempre proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas dentro do próprio sistema. A analogia com a teoria do valor é poderosa: o sistema conceitual marxista, ao atingir a força de trabalho, revela um ponto de ruptura interna, um limite de formalização. Assim como em Gödel, há uma verdade que só pode ser expressa por uma crítica que transcende os limites do sistema formal.

Hipóteses sub judice. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA historiador.  


quinta-feira, 19 de junho de 2025

CAPITAL E TRABALHO ASSALARIADO

O valor de uso das mercadorias produzidas pelo capital, tirante o valor de uso da força de trabalho enquanto mercadoria, consiste em dado variável que deve ser investigado para cada capital individualmente considerado, fato que conduziu Karl Marx, em sua obra prima intitulada O Capital, a estudar a produção de mais-valia também individualmente, a saber, para cada capital individualmente considerado, de tal sorte a privilegiar a jornada de trabalho como seu foco por excelência, sendo certo que a taxa de mais-valia também é calculada individualmente, isto é, para cada capital individualmente considerado.

Mas Karl Marx deixou hialino nos Grundrisse que O Capital seria apenas a primeira parte de seu monumental estudo do modo capitalista de produção, o qual abroquelaria ainda mais cinco partes, concernentes à propriedade fundiária, ao trabalho assalariado, ao Estado, ao comércio exterior e finalmente ao mercado mundial e às crises. 

Vejamos um possível desdobramento de tal projeto de estudos, nomeadamente acerca do trabalho assalariado ou força de trabalho.        

O valor de uso da mercadoria consubstanciada na força de trabalho, por seu turno, consiste em dado constante e invariável, correspondente ao seu consumo produtivo no próprio trabalho gerador de mais-valia, o que faz da classe trabalhadora, obrigada a alienar sua força da trabalho ao capital, um todo homogêneo do ponto de vista internacional, de tal sorte que a investigação da taxa de mais-valia produzida por tal classe social deve suplantar a investigação meramente individual, ou seja, deve suplantar sua investigação para cada capital individualmente considerado. Tal investigação seria efetuada por Karl Marx precisamente na parte de sua obra monumental dedicada especificamente ao trabalho assalariado, como vimos acima.    

Nesse diapasão, este portal eletrônico vem esgrimindo a hipótese da TAXA SOCIAL DE MAIS-VALIA, consistente no tempo médio de vida laboral da classe trabalhadora subtraído pelo tempo de escolaridade média da mesma classe trabalhadora, cujo resultado é então dividido por este mesmo tempo de escolaridade média da classe trabalhadora. 

Tal hipótese encerra o condão potencial de capturar o grau de exploração social da classe trabalhadora como um todo homogêneo, isto é, cuja força de trabalho exibe um mesmo valor de uso, sendo particularmente incidente nos séculos XIX e XX, a saber, no período histórico daquilo que tenho denominado, aqui também neste portal eletrônico, por segunda fase da acumulação primitiva de capital, isto é, a fase que preparou a hodierna revolução digital, mediante constituição de um sistema público de ensino. 

Hipóteses sub judice. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.        

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Taxa social de mais-valia e taxa de lucro

 A Taxa Social de Mais-Valia e a Redefinição da Taxa de Lucro: Uma Abordagem Teórico-Formal

Luís Fernando Franco Martins Ferreira

Resumo

Este artigo propõe uma reformulação da fórmula clássica da taxa de lucro marxiana à luz da hipótese da taxa social de mais-valia (TSMV). Definida como a razão entre o tempo de vida laboral excedente e o tempo de escolaridade média necessário à formação da força de trabalho, a TSMV permite integrar historicamente a reprodução social do trabalho à análise da exploração capitalista. Demonstramos, por meio de uma nova fórmula, como a taxa de lucro depende não apenas da composição do capital e da produtividade, mas também da temporalidade socialmente dispendida na formação e uso da força de trabalho como mercadoria. Esta proposta visa fornecer um instrumento teórico-analítico mais sensível à realidade do capitalismo contemporâneo, marcado pela financeirização, pela precarização do trabalho e pela destruição das políticas públicas.

1. Introdução

A crítica da economia política formulada por Karl Marx tem como um de seus pilares analíticos a noção de taxa de lucro, indicador fundamental da dinâmica do capital. Tradicionalmente, a taxa de lucro é expressa como a razão entre a mais-valia extraída e o capital total investido. Todavia, tal abordagem considera como dado o processo de reprodução da força de trabalho, limitando a análise da exploração capitalista ao momento produtivo imediato.

Neste artigo, propomos incorporar explicitamente à fórmula da taxa de lucro o custo social de reprodução da força de trabalho, mediante a hipótese da taxa social de mais-valia. A nova fórmula resultante revela a forma oculta pela qual o capital se apropria do valor excedente gerado ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que externaliza os custos da formação do trabalhador para o Estado ou para o próprio proletariado.

2. A fórmula clássica da taxa de lucro

Na obra O Capital, Karl Marx define a taxa de lucro da seguinte forma:

r = m / (c + v)

Sendo:
- r = taxa de lucro;
- m = mais-valia extraída;
- c = capital constante (meios de produção);
- v = capital variável (salários, ou seja, força de trabalho).

Sabendo que:

e = m / v  ⇒  m = e * v

Podemos reescrever a fórmula da taxa de lucro como:

r = (e * v) / (c + v)

3. A Taxa Social de Mais-Valia (TSMV)

A taxa social de mais-valia é aqui proposta como um índice que expressa a proporção entre o tempo de vida laboral médio (T_vl) e o tempo médio de escolaridade necessário à formação da força de trabalho (T_es). Sua fórmula é:

e_s = (T_vl - T_es) / T_es

Este índice capta o quantum de tempo excedente explorável (vida laboral líquida) em relação ao tempo de investimento social (educação) para tornar o trabalhador apto à exploração capitalista. Em outras palavras, expressa o nível de superexploração socialmente estruturado da força de trabalho.

4. A nova fórmula da taxa de lucro com TSMV

Substituindo e por e_s na fórmula da taxa de lucro, temos:

r = (e_s * v) / (c + v)

= [v * (T_vl - T_es)] / [T_es * (c + v)]

5. Interpretação e implicações teóricas

A nova fórmula permite compreender a taxa de lucro como resultado de duas camadas de exploração:

1. Exploração direta do tempo de trabalho excedente, via mais-valia tradicional;
2. Exploração indireta via externalização dos custos de reprodução da força de trabalho, com base em uma estrutura social que separa formação e apropriação.

Essa abordagem revela:
- Que o capital depende estruturalmente do tempo investido na formação da força de trabalho, mas não o remunera;
- Que as desigualdades entre setores e países — com diferentes tempos médios de escolaridade e de vida laboral — implicam diferentes níveis de TSMV e, portanto, de lucratividade esperada;
- Que o neoliberalismo e a financeirização, ao atacarem a educação e a saúde públicas, contribuem para elevar artificialmente a taxa de lucro, reduzindo T_es e ampliando e_s.

6. Aplicações futuras e desdobramentos

Esta nova formulação permite:
- Análises comparativas entre setores econômicos com diferentes exigências de qualificação;
- Estudos intertemporais sobre a relação entre investimento social e lucro capitalista;
- Reformulação de modelos intersetoriais de transformação de valores em preços de produção;
- Articulação entre teoria do valor e política pública, inserindo a crítica da reprodução social na centralidade do cálculo econômico.

7. Conclusão

A reformulação da fórmula da taxa de lucro com base na taxa social de mais-valia fornece uma lente analítica mais ampla, histórica e crítica sobre o modo capitalista de produção. Ao recolocar a reprodução social da força de trabalho no centro da análise, torna-se possível compreender os mecanismos de apropriação do excedente não apenas como exploração no processo de produção, mas como espoliação estrutural das capacidades sociais e humanas. Esta perspectiva redefine o problema da acumulação capitalista e aponta novos caminhos para sua crítica radical.

domingo, 15 de junho de 2025

A taxa social de mais-valia e o problema da transformação

 Modelo de Transformação com Vetor de Taxa Social de Mais-Valia

Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira

Resumo

Este artigo apresenta um modelo empírico simplificado que integra a hipótese da taxa social de mais-valia (TSMV) diferenciada por setor econômico ao problema clássico da transformação dos valores em preços de produção, conforme formulado por Karl Marx. Demonstramos como a consideração da TSMV por setor afeta a geração de mais-valia, a taxa de lucro e a redistribuição do excedente na economia capitalista contemporânea.

1. Introdução

A teoria marxista clássica pressupõe uma taxa uniforme de mais-valia entre setores produtivos, o que viabiliza a equalização da taxa de lucro e o cálculo dos preços de produção. A hipótese da TSMV, ao incorporar o custo social de reprodução da força de trabalho — escolaridade pública, saúde e longevidade —, permite reconfigurar esse problema com maior aderência histórica e material.

2. Metodologia

Selecionamos cinco setores econômicos (Tecnologia, Saúde, Educação, Construção e Comércio) com dados simulados de capital constante, capital variável, tempo médio de vida laboral (T_vl) e escolaridade média (T_es). A TSMV foi calculada para cada setor, assim como a mais-valia gerada, a taxa de lucro setorial, o lucro médio e o preço de produção com redistribuição da mais-valia total proporcional ao capital total investido.

3. Resultados

Os resultados revelam disparidades significativas entre os setores. Setores com menor exigência de escolaridade e maior tempo de vida laboral (como Construção e Comércio) apresentam TSMVs mais elevadas e, consequentemente, mais-valias maiores. Após a redistribuição via lucro médio, os preços de produção divergem dos valores originalmente gerados nos setores, reafirmando a lógica de transferência de valor implícita na teoria da transformação, agora mediada por desigualdades sociais na formação da força de trabalho.

4. Discussão

Este modelo indica que a exploração capitalista não se limita à produção direta, mas repousa fortemente sobre a reprodução social da força de trabalho. A TSMV, como índice histórico da superexploração socializada, contribui para entender como o capital se apropria de valor excedente sem arcar com seu custo real. Isso reforça a crítica marxista do neoliberalismo e da financeirização como formas de sustentação artificial da taxa de lucro.

5. Conclusão

O vetor de TSMV por setor redefine os termos do problema da transformação marxiano. Ele exige um novo modelo de cálculo, capaz de articular teoria do valor, reprodução social e política pública. Como tal, trata-se de uma ferramenta crítica contemporânea indispensável à economia política do trabalho.

6. Tabela do Modelo de Transformação com TSMV

Setor

T_vl (anos)

T_es (anos)

TSMV

Capital Constante (C)

Capital Variável (V)

Mais-Valia (m)

Capital Total (C+V)

Taxa de Lucro Setorial

Lucro Médio

Preço de Produção

Tecnologia

40

16

1.5

80

20

30.0

100

0.3

79.22

99.22

Saúde

38

18

1.11

90

10

11.11

100

0.11

79.22

89.22

Educação

35

15

1.33

70

30

40.0

100

0.4

79.22

109.22

Construção

42

8

4.25

60

40

170.0

100

1.7

79.22

119.22

Comércio

39

10

2.9

50

50

145.0

100

1.45

79.22

129.22

O NEOLIBERALISMO COMO ESGOTAMENTO DA SEGUNDA FASE HISTÓRICA DA ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL.

Dessume-se, do texto imediamente precedente publicado neste portal eletrônico, que direitos sociais como educação e saúde consistem em fatores necessários à segunda fase histórica da acumulação primitiva de capital, particularmente quanto à formação do assim designado Estado do bem-estar social no século XX. 

Com o esgotamento de tal fase histórica, bem assim o advento da revolução digital que foi por ela preparado, o capitalismo, como sistema mundial, passou a desmontar a socialização do processo de produção da força de trabalho eminentemente intelectual consubstanciada no aludido Estado do bem-estar social, através do movimento político e ideológico denominado neoliberalismo, que tende a remover direitos sociais como saúde e educação. 

Hipóteses sub judice. 





por LUÍS FERNANDO FRANCO MARTINS FERREIRA, historiador.