Ao longo do desenvolvimento histórico do capitalismo, observa-se a ocorrência de sucessivas acumulações primitivas, cada qual servindo de preparação estrutural para uma nova etapa de revolução industrial. Esses momentos não se restringem à acumulação originária descrita por Marx, mas se desdobram em novas formas de expropriação e reorganização dos meios sociais de produção e reprodução, adaptadas às exigências técnicas e econômicas do capital em suas diferentes fases. A seguir, apresentamos uma periodização dessas acumulações primitivas sucessivas, acompanhadas das revoluções industriais que inauguraram.
1. A Primeira Acumulação Primitiva (séculos XV ao XVIII)
A primeira acumulação primitiva, ou acumulação originária, ocorreu entre os séculos XV e XVIII, marcando a dissociação histórica entre os trabalhadores e os meios de produção. Esse processo envolveu a expropriação das terras comunais na Inglaterra (enclosures), o saque colonial, a escravidão e a pilhagem dos povos ameríndios, africanos e asiáticos. Tais medidas permitiram a formação de uma massa de trabalhadores livres de posses e de meios de produção, prontos a vender sua força de trabalho no mercado. Essa base social preparou o terreno para a primeira Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra no século XVIII, caracterizada pela introdução da máquina a vapor e a mecanização da produção têxtil.
2. A Segunda Acumulação Primitiva (século XIX)
Durante o século XIX, com o avanço da industrialização, estabelece-se uma segunda forma de acumulação primitiva. Agora, a força de trabalho, já formalmente livre, é subsumida ao capital sob a forma de salários que garantem apenas meios mínimos de subsistência. Essa reprodução ampliada da força de trabalho sob condições de superexploração foi essencial para a consolidação da Segunda Revolução Industrial. Esta, por sua vez, introduziu a indústria pesada, a produção em massa de bens de consumo duráveis, a intensificação do uso de eletricidade e o surgimento das grandes corporações capitalistas.
3. A Terceira Acumulação Primitiva (século XX)
No século XX, assiste-se à emergência de uma terceira acumulação primitiva, agora centrada na organização de sistemas públicos nacionais de ensino. O objetivo dessa fase foi a formação de uma força de trabalho cada vez mais qualificada, predominantemente intelectual, apta a lidar com as exigências da economia digital emergente. Essa reorganização do trabalho e do conhecimento humano preparou o terreno para a revolução digital e informacional do final do século XX e início do século XXI, caracterizada pela automação, pela microeletrônica e pelas redes globais de comunicação e produção imaterial.
Considerações Finais
As três acumulações primitivas aqui delineadas não constituem apenas momentos históricos isolados, mas fases estruturais de transição do capitalismo, cada uma delas abrindo espaço para a reconfiguração dos modos de produção, trabalho e sociabilidade. Ao articular expropriações específicas e revoluções técnicas, o capitalismo reinventa continuamente suas bases de acumulação, mantendo-se dinâmico, mas também reproduzindo suas contradições fundamentais.
Por Luís Fernando Franco Martins Ferreira, historiador.